25.11.10

«HOJE NÃO HÁ GOLPE»

«O tema da remodelação impõe-se - e pensar para lá dela, ainda mais. Quanto à remodelação, o que a impõe não são, apesar do que alguns infelizes fait-divers podem levar a pensar, razões de circunstância. Não, o que impõe a sua necessidade é um balanço honesto do primeiro ano desta legislatura. Sobretudo por três razões. A primeira é que a maioria relativa resvalou progressivamente, por falta de capacidade de diálogo e de negociação (e com a inegável cumplicidade da oposição), para o impasse político. Impasse que, dada a sua conjugação com a prolongada negação da evidência da crise até ao último Verão, ameaça ter consequências pesadas para o País. Como o caso da Irlanda acaba de mostrar, as evidências acabam sempre por ganhar à teimosia... A segunda é que, tendo o seu programa eleitoral (obras públicas, impostos, etc.) sido em boa parte abandonado por força das circunstâncias, o País ficou sem estratégia, política ou económica, tudo se reconduzindo casuisticamente à contabilidade corrente e à execução orçamental. Quando a austeridade sem mais se transforma no programa de governo, o desespero torna-se num generalizado sentimento nacional. A terceira é que, enquanto uma parte dos membros do Governo escolhidos mostrou pouca capacidade para a função, uma outra parte revelou grande desadequação às respectivas pastas, tendo entretanto o primeiro-ministro vindo a perder a indispensável autoridade sobre os ministros, bem como capacidade de coordenação do colectivo governamental. Estas três razões - impasse político, desorientação estratégica e desagregação governamental - apontam contudo, como é evidente, para bem mais do que uma remodelação. Elas exigem, sobretudo quando o espectro do colapso ameaça o País, um verdadeiro golpe de asa, que contrarie a letargia que tem vindo a observar-se. E esse golpe de asa passa pela capacidade de renovação de ideias (que têm de ser motivadoras), de pessoas (que têm de ser competentes) e de estratégia (que tem de ser audaz). Só assim conseguirá criar-se de novo um horizonte credível de esperança para o País: com motivação, competência e audácia. Esta tripla renovação é vital, tanto mais quanto, aos factores indicados, se junta o esgotamento da bandeira da modernidade que serviu de marca à "gestão" do PS nos últimos anos. Modernidade essa que, como se temia, acabou por se revelar pouco mais do que um slogan de ocasião, que no princípio traduzia um deslumbramento atávico perante a exuberante criatividade financeira e tecnológica, e no fim apenas parece servir para iludir a ausência de qualquer estratégia eficaz de resposta à crise. Sem essa renovação, caminhar-se-á para eleições no próximo ano. O que, é bom não esquecer, é o melhor meio de que se dispõe em democracia para ultrapassar os bloqueios políticos persistentes. Qualquer outra das soluções que mais frequentemente têm sido sugeridas (coligações com mudança de primeiro-ministro ou governo de salvação nacional) só agravaria a situação, juntando ao problema de credibilidade um outro, ainda mais grave, de legitimidade. A única alternativa a este quadro seria a da iniciativa política por parte de um presidente da República com uma legitimidade acabada de sair das urnas, no sentido de um "compromisso histórico" programático que visasse levar a legislatura até ao fim. Um tal cenário, contudo, para ser sequer plausível, teria de fazer claramente parte do debate presidencial em curso. Ora, até ao momento, nem uma palavra se ouviu a nenhum candidato nesse sentido... Repito, pois: golpe de asa ou eleições a curto prazo. E, acrescento, se a oportunidade do relançamento falhar, isso vai inexoravelmente impor - e bem mais cedo do que se tem pensado e dito - uma incontornável alternativa ao PS: a de continuar, com o statu quo, entrincheirado num balanço "impossível", sobrepondo a obsessão de durar à capacidade para governar. Ou a de optar por uma autêntica mudança ao nível dos valores, da estratégia e da liderança, que o liberte do optimismo funambular que o tem anestesiado, assumindo que não haverá novo projecto nacional sem um novo contrato social, sem uma constante valorização da competência e da deliberação na decisão política, sem uma descomplexada cultura de negociação e sem uma forte exigência de exemplaridade no exercício de funções públicas.»

Manuel Maria Carrilho (sublinhados meus)


Nota: No PREC instalou-se um hábito que ficou conhecido por boataria. Todos os dias havia um boato político e, presumivelmente, um golpe. Arnaldo Matos, ironizando com a coisa, produziu uma vez um editorial no Luta Popular intitulado "hoje não há golpe". Agora o boato, muito também por causa da política (e das mais reles disputas dentro dos partidos, agravadas quando são do governo), é essencialmente financeiro. Uma conversa telefónica entre a Sra. Merkel e o Sr. Sarkozy transformou-se, na boca de alguns (ir)responsáveis, na iminente saída de Portugal do euro e no regresso do vetusto escudo. Talvez mesmo uma outra conversa que nunca existiu entre banqueiros nacionais e um membro do governo se destinasse a preparar essa nova "zona" apenas partilhável com Cabo Verde (e vantajosa para Cabo Verde). Os mais afortunados começaram logo a perguntar onde é que hão-de colocar os "activos". Sócrates deve demonstrar publicamente que tem mão no governo. Suponho que ele sabe como é que isso se faz. Por outro lado, nem tudo o que luz é ouro mas muitas vezes é. As "notícias" são ditadas normalmente por quem as paga. É só seguir o rasto do dinheiro e das "fontes". Não há "mercados" nem comentadores inocentes.

3 comentários:

Anónimo disse...

MMC escreve, mais ajeitadinho, o que proferiu no "debate"-TVi com Santana Lopes. Fala então, com bom senso de água mineral, em "golpe de asa" (expressão que lhe parece ser querida). Chega de fantasia: qualquer que venha a ser o governo, este já requentado ou outro com Passos e composto por aprendizes, herdará uma economia raquítica, um país improdutivo, um povo sem objectivos e uma indústria especializada na produção de palitos e barrilinhos de ovos-moles-de-Aveiro. Seria sempre verdade sem os "ataques especulativos"; com dívida e juros altos é muito pior. Depois de "tudo destruído", qual será o desafio e o estímulo que o novo governo terá para apresentar ao povo? Aderir outra vez à CEE? Sermos 'cidadãos europeus'? Retomar a bandeira da Independência? Ir a Roma ver o Papa? E MCC: fora diagnósticos e abstrações, que propõe ele de concreto? Nada. O que todos parecem desejar é o regresso da vidinha tranquila e inconsciente, pré-descoberta das porcarias varridas para debaixo do tapete por Teixeira dos santos e sócrates. Grande desiderato!

Ass.: Besta Imunda

Anónimo disse...

Os juros altos são consequência do aumento constante da dívida.
No próximo ano serão mais 11 mil milhões de Euros - se houver quem compre, é que há mais 35 mil milhões para renovar, ou seja teremos de vender dívida existente-A dívida foi o alcool para um País doente.

lucklucky

joshua disse...

Eu abstenho-me de qualquer apelo ao sr. Sócrates, neste tempo de ratos literais em debandada.