«Quando esta crónica foi publicada na LER, recebi mensagens a perguntar que história era aquela de, em 1982, os portugueses terem dificuldade em comprar (sem esquemas pelo meio) whisky ou bacalhau. Agora que pus o texto em linha, novo coro de perplexidade. Como os e-mails não trazem agarrada a idade do autor, presumo que seja malta nova, habituada desde a puberdade a ver em qualquer hiper oitenta marcas diferentes de whisky, whiskey e bourbon, uma dúzia de espécies de bacalhau (seco, fresco e congelado), e por aí fora. Pois é. E não era só o whisky e o bacalhau. Era também o arroz. Exactamente: o arroz. Em Cascais, onde então vivia, a Casa Príncipe, o Fauchon lá do sítio — transformada em agência Nova Rede no tempo em que a Nova Rede engolia tudo; já não existe, o Millennium extinguiu o segmento Pobrezinhos —, arranjava embalagens “de agulha” para clientes habituais. Já não falo de artigos de luxo, como queijos e champanhes franceses, chás ingleses, chocolates belgas, salmão escocês e produtos similares, todos de importação, que hoje encontramos ao virar da esquina. Onde é que eu quero chegar? À crise actual. Hoje não temos uma crise cambial, mas contra a falta de liquidez pouco podemos. No fundo, para que serve a garantia de 20 mil milhões de euros dada ontem pelo Estado, na pessoa do ministro das Finanças, ao sistema bancário? Serve para garantir o padrão de consumo dos últimos vinte anos. Padrão de consumo em que o crédito à habitação tem parte de leão. No início dos anos 1980, quando o crédito à habitação ainda não tinha começado a “democratizar-se”, as condições de concessão tinham um código espartano: praticamente sozinha no negócio, a Caixa Geral de Depósitos não tinha pressa (com cunha, a coisa resolvia-se em 3 meses; o normal era o dobro), a situação financeira do interessado era esmiuçada, o montante concedido não excedia 80% da avaliação do imóvel, o prazo da hipoteca não excedia 20 anos, etc. Ninguém sem emprego estável (no Estado, na banca, em empresas públicas ou firmas sólidas) há pelo menos 10 anos... se atrevia a pedir um empréstimo. Depois foi o bodo aos pobres. Nos últimos seis ou sete anos, gente desempregada, ou com emprego precariíssimo, fechou empréstimos em 48 horas para comprar andares com pavimento ondulante, lareira de granito, banheira de hidromassagem, tectos estucados, cozinha hi-tech, luz regulada, vidros duplos, estores eléctricos, garagem para dois carros, etc. Pais que na véspera se queixavam do desemprego da Xana ou do João, taditos, «tiraram relações internacionais e não arranjam nada», gabavam-se no dia seguinte do T3 que a Xana ou o João tinham comprado em Telheiras ou no Parque das Nações, não por irem constituir família, mas por terem direito... à sua privacidade (ou seja, à queca do fim-de-semana). Ouvi conversas destas até à náusea. Receio bem que este padrão tenha de mudar. Porque se o aval de 20 mil milhões de euros servir para garantir o país do faz de conta, então caminharemos alegremente para o abismo.»
10 comentários:
"Ouvi conversas destas até à náusea", diz Pitta.
A gente com quem esta gente se dá...
Tenho lido e ouvido críticas ferozes à Banca, por causa da situação em que se encontram milhares de portugueses, praticamente em situação de insolvência.
Mas é a banca culpada por facilitar o crédito ou são os portugueses que já não merecem qualquer crédito por falta de cabeça?
Todos querem ter tudo mesmo aquilo para que não têm preparação, educação ou cultura suficientes para usufruir.
A sua fraca cabeça leva-os à asneira. Depois censuram a Banca porque lhes empresta dinheiro e criticam a TV porque lhes dá notícia da existência de bens a que a sua incapacidade mental não lhes permite resistir.
A culpa nunca é deles. É sempre dos outros.
"Porque se o aval de 20 mil milhões de euros servir para garantir o país do faz de conta, então caminharemos alegremente para o abismo"
O Aval não é para isso, é para garantir o funcionamento dos Bancos que permitiram isso...
Naturalmente. Para o abismo.
O governo socialista, com o tipo e volume de despesas e investimentos em que se vai metendo, parece estar a dar o último empurrão.
Havemos de voltar a 1892, se Deus o não impedir: banca rota.
Ainda há pouco e com as imagens, os auxiliares de instrução popular de uma qq TV, digo a RTP, reparava:
a animadora de serviço, de calças jeans com o cinto um bom palmo abaixo da cintura.
Isto é, esta civilização, de um momento para o outro, levou os papalvos dos consumidores, a mandar milhões de calças em bom estado para a dispensa. Ou para o lixo.
PS: 1982 - na cúpula do Estado, um PR de pendor espartano, fazia por dar o exemplo... para quê?
BM
ora aqui esta a fotografia desta comedia toda...
ó gente mas vocês vivem no planeta Terra?...
Há gente desempregada e enfrentar um divórcio que troca de carro cada 4 anos.
Grandes saudades dos chocolates de pistachio da Lindt que eu comprava na Casa Príncipe. :)
A esquerda tanto vocifera por o crédito não ser de borla, para uma qualquer casita, como fica caladinha quando em Cuba 4 gerações consecutivas vivem debaixo do mesmo tecto.
As facilidades nestes créditos já levam em linha de conta que 20 por cento dos contraentes não vão cumprir. Como consequência destas facilidades, os cumpridores têm o seu contrato indevidamente encarecido, já que suportam a alcavala dos maus pagadores. Também aqui, quem sofre são os justos do sistema.
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