31.5.07

O RANÇO - 2


Só nesta semana, o dr. José Miguel Júdice apareceu em três encarnações. Uma, como membro de uma comissão arbitral qualquer inventada pelo regime para definir "serviços mínimos" nas greves. Perorou para os media e "explicou" aos putativos grevistas como é que se deviam comportar. Depois, surgiu na escadaria do Palácio da Bolsa do Porto como advogado de um farfalhudo grupo de accionistas do BCP - que representa uma percentagem razoável de votos - a opinar sobre o "futuro" da instituição uma vez "humilhado" Jardim Gonçalves e "defendido" Paulo Teixeira Pinto. Há dias esteve no Prós&Contras sobre crianças desaparecidas com um argumentário que não ocorreria ao careca. Finalmente, é o factotum da candidatura da "união nacional" à CML, a do dr. Costa, até há pouco o ministro mais poderoso de Sua Excelência, o corredor da Praça Vermelha. Tudo somado, é manifesto que Júdice "quer" mais qualquer coisa do regime, já que este é bastante generoso consigo noutro métier. Júdice é muita coisa, desde advogado a empresário, por si ou por interposto filho. E Lisboa, por exemplo, ainda tem alguns - poucos- terrenos "livres", designadamente com vista para o Tejo. Vem isto a propósito da prosa da Constança Cunha e Sá no Público. Está lá bem explicadinha a "união nacional" a partir de Lisboa e que apelidei de rançosa um dia destes. "A comissão de honra do dr. António Costa, ao revelar a força agregadora do poder, revela também a fragilidade de uma "sociedade civil" que se rende perante a força política e se deixa atrair pelos benefícios de uma vitória. Por outras palavras, a farfalhuda lista de nomes que enfeita a candidatura do PS é a prova do desprezo que se tem, em Portugal, pela opinião livre, pelo debate sério e pelos direitos da oposição."

"Vale a pena ler um "livrinho", publicado pela candidatura do dr. António Costa, que revela a lista dos nomes que integram a sua comissão de honra. Não deixa de ser um "livrinho" elucidativo sobre a decadência do regime e a fragilidade dessa mítica "sociedade civil" que alguns liberais querem à força libertar do Estado que hipoteticamente a asfixia. O Estado, no entanto, é o seguro de vida desses hipotéticos asfixiados: garante-lhe os negócios, fornece-lhe os subsídios, oferece-lhes cargos e assegura-lhes a sobrevivência. Sem o acesso ao poder, essa "sociedade civil", que enfeita sempre as listas de qualquer candidato vitorioso, esfumar-se-ia na sua própria insignificância. Não por acaso, nestas eleições intercalares para Lisboa, encontra-se toda, arrumada por ordem alfabética, na comissão de honra do dr. António Costa. Uma pessoa começa a ler o tal "livrinho" e lá estão os mesmos nomes de sempre, os escritores consagrados, os jornalistas do costume, os empresários de sucesso, os advogados do poder, os artistas mais variados, o grão-mestre da Maçonaria, alguns políticos necessitados e o mais que vier à rede, numa lista que está, ao que parece, em actualização permanente. Se o resultado das sondagens se mantiver, é natural que, em Julho, o dr. António Costa possa publicar a sua comissão de honra, em fascículos, depois de ter reunido à sua volta todo o jet set do regime. Como é óbvio, nenhum destes apoiantes conhece o programa do candidato que apoia. Por uma razão simples: o candidato ainda não tem programa. Em contrapartida, tem sérias hipóteses de vencer - o que facilita a adesão e faz subir o entusiasmo. Poder-se-ia dizer que, independentemente, do programa, a personalidade do candidato, só por si, oferecia as garantias necessárias. Infelizmente, a personalidade do dr. António Costa é um enigma. Ninguém sabe bem por que é que resolveu sair do Governo, onde se notabilizou pelo poder que conseguiu concentrar. Muito menos o que vai fazer para a Câmara de Lisboa, onde pretende ficar nos próximos seis anos. Porque tem um projecto para a cidade? Não se conhece. Porque se cansou de ser ministro? Não é provável. Porque pretende substituir o eng. Sócrates à frente do partido quando a oportunidade surgir? Não é suficiente. Isto não quer dizer, naturalmente, que a colorida comissão de honra do dr. António Costa se reduza a um grupo de oportunistas, prontos a tirar partido do seu apoio e da sua aproximação ao poder. Mas isto mostra, com certeza, a asfixia em que vivemos e a dependência em que nos vamos enterrando, num país que, de um modo geral, continua a viver à custa do Estado. Porque sem a vitória quase assegurada nunca o candidato do PS recolheria a fina-flor do regime e o harmonioso apoio da dita "sociedade civil". Só é possível dignificar a Assembleia da República, salvaguardar os direitos da oposição e assegurar a existência de um debate plural, como exigiu, esta semana, o Presidente da República, se a política reflectir uma sociedade livre e independente e não uma massa subserviente que necessita dos benefícios do Estado e dos favores de quem manda."

10 comentários:

Anónimo disse...

muito me admira que o jardim da madeira tenha andado até ao último dia a fazer uma campanha sem programa e nada disso fosse estranho nem notado apontado. onde estavam?

havendo 12 candidatos, quantos têm programa conhecido?

é irritante saber já quem ganha? pois é, mas por outro lado a pancadaria pode começar mais cedo, o que é maravilhoso, quando se vive num pais pequeno em nada acontece que mereça ser mesmo comentado, e assim temos 'tema'.

o presidente é como os médicos: faz o que digo não faças o que faço ou fiz ou faria se lá voltasse a estar.
é amplamente reconhecida a elevação e respeito com que o actual presidente tratou a assembleia da república os direitos da oposição para o debate plural blá blá blá quando era primeiro ministro.

já não há paciência

Anónimo disse...

Digamos que a prosa de Constança Cunha e Sá no Público e, como muitas vezes lhe acontece, pouco original e "requentada".

Talvez se tenha inspirado em José Pacheco Pereira no mesmo jornal há uma semana atrás, este sim numa leitura séria e e original da questão que a "adesão" de Júdice e Saldanha Sanches verdadeiramente encerra:

"Eu sou amigo de Júdice e de Saldanha Sanches, por isso não é fácil escrever o que escrevo. Mas acho que fizeram mal. A oposição partidária institucional pode cometer mil e um erros, mas esta questão está para lá das fragilidades da oposição, a maior das quais é certamente a convicção de que, se tivesse ela o poder, faria o mesmo. Mas mais do que o estado da oposição institucional, da debilidade do Parlamento para ser o que devia ser, preocupa-me o facto de estas serem escolhas do poder, pelo poder, reforçando o poder, numa sociedade já se si muito frágil. Elas dão um sinal negativo a quem queira manter o debate público vivo e crítico, quando mais ele é necessário.
(Público de 19 de Maio de 2007)"

Nuno Castro disse...

Este texto é um prodígio de clarividência, não fora o facto de ser um chorrilho de disparates e aleivosias.

Então a sô dra Constança acha que a dita "sociedade civil" deve apoiar, supomos, o peralta Carmona; ou então o farinhadomesmosaco Negrão. Parece-me do mais elementar bom-senso que é justamente pela candidatura de A. Costa integrar gente de quadrantes e sectores tão diferentes que é aquela que garante a maior participação da sociedade civil e por isso a congrega verdadeiramente as forças vivas da sociedade.
Bem sei que a dra, o João e os restantes, gostariam muito que fossem todos borregamente atrás do Negrão. É que de grupos de oportunistas, citando a sô dra já tivemos o nosso quinhão durante os reinados do PSD.
Como diz a juventude, a gente já não papa grupos!

Unknown disse...

Sociedade Civil é uma mera abstracção em Portugal o que constitui mais um indicador do nosso persistente subdesenvolvimento político, apesar dos tais 33 anos de democracia "plena"...
È também um país onde os políticos se servem do Estado, em vez de servir o Estado...uns correm para a presidência da UE, largando o pouco atractivo lugar de presidência de um governo, outros transferem-se do governo com a expectativa de ganhar a presidência da capital do ex-império - trampolim para outros vôos, segundo dizem...
Portugal permanece assim um país adiado, com uma democracia pouco consolidada apesar das opiniões em contrário, onde a sociedade civil configura uma mera figura de retórica, sem qualquer expressão e influência...

Anónimo disse...

Este Nuno ou é ingénuo ou pensa que ingénuos são os outros. É possível que se possa acreditar nos diferentes "quadrantes e sectores"? Até a expressão é requentada e vazia. Serve para tudo e não serve para nada. Os "quadrantes e sectores", apesar de diferentes, como diz, buscam todos o mesmo, daí apostarem no cavalo que ganha.

Mar Arável disse...

Que merda já não confia em ninguem

Anónimo disse...

As "Comissões de Honra" deste regime em decomposição são uma espécie de "Centro de emprego" onde os desempregados e/ou mal-empregados da política se inscrevem, na esperança dum tacho, duma nomeação, duma assessoria, dum favor, cunha ou empenho.
Estão lá os mesmos de sempre, há rançosos para todas as listas, eles até vão trocando de listas atraídos pelo cheiro do melhor e mais estável ranço.
A nossa sociedade civil é esta pseudo elite, calona, vaidosa, sem ideologia, sem escrúpulos e gananciosa.
Os candidatos, sem programa e sem estratégia, têm que ter alguma coisa para embasbacar o povinho, então apresentam os rançosos, boas figuras, bem falantes, que se promovem reciprocamente.
Parecem um ninho de minhocas, no lodo, nem elas próprias sabem onde têm a cara ou o cú, sempre prontas a ser enfiadas (por qualquer um dos lados) por um anzol e comidas por um qualquer “carapau de corrida” à babugem no esgoto.

Anónimo disse...

Quantos aos comentários da drª Constança, estamos conversados: às vezes acerta, às vezes é só asneirada. Mal por mal, prefiro o Vasco, o original, com a sua acutilância e mordacidade, uma verdadeira pedrada no charco deste consenso generalizado e passivo em torno das políticas deste governo. De facto, falta para Lisboa um projecto mobilizador. Desde o Eng.º Duarte Pacheco, do tempo da outra senhora, e do projecto da expo já no actual regime, que a CML pouco tem para oferecer aos lisboetas a não ser projectos imobiliários de duvidosa qualidade e muita despesa com assessores.Será António Costa o candidato da mudança? A ver vamos, até porque, dentro de 18 meses o poderemos julgar quando houver novas eleições.

Anónimo disse...

Vou votar em todos

Anónimo disse...

Nuno Castro

Por quadrantes e sectores poupe-me!Lembra-se da Comissão de Honra do João Soares que deu, de bandeja, a CML ao Santana Lopes? É esta! As mesmas pessoas, estão em todas as comissões onde cheira a tacho.

Acha que o PS e o PSD ainda merecem, que se espere deles,soluções para o bem comum?