28.2.11

O GÉNIO PORTUGUÊS


A "Europa" deste homem, a que "cometeu erros de mais", será a mesma dos rodriguinhos do tratado de Lisboa e do porreiro, pá? E ele, não cometeu nenhum?

A VANTAGEM DE GRITAR MAIS


«Como se explica, então, o sucesso da música dos Deolinda? Não tenho uma teoria definitiva, mas eu apontaria para o facto de a subida uniforme do desemprego produzir mais desempregados não licenciados e mais desempregados com licenciatura. Mas os desempregados com licenciatura têm mais poder reivindicativo e mais a ganhar: estágios profissionais para licenciados, bolsas de investigação para trabalhar numa universidade, um posto na Adminstração Pública. Não estão em maior número - só gritam mais. Este efeito será provavelmente exacerbado pelo facto o crescimento do desemprego se ter feito sentir sobretudo em áreas do saber com acesso privilegiado aos media: cinema, artes, letras, comunicação social, alguma educação, eventualmente Direito. Os engenheiros em boa situação profissional estão caladinhos nos seus gabinetes. Os jornalistas desempregados estão a endrominar a cabeça dos colegas que conseguiram emprego


OS PASSOS EM VOLTA


Segundo o Público, o governo inventou até agora cerca de 70 grupos de trabalho, comissões, observatórios, grupos consultivos, uma coordenação nacional e "estruturas de missão" (gosto particularmente do "som" destas últimas) que envolvem à volta de seiscentas pessoas, umas funcionárias públicas e outras não. Guterres foi o campeão destas inutilidades que apenas servem para os respectivos membros ornamentarem o currículo e, em alguns casos, comporem a mensalidade. Na maior parte dos casos, senão em todos, o Estado tem organismos para fazer o que esta bonzaria eminentemente "reflexiva" faz ou deixa de fazer. Até existe um grupo de trabalho para a "promoção da bicicleta", uma comissão para "promover uma adequada conexão entre a justica e o desporto", outra para "reflectir" (sic) sobre a certificação florestal"ou para "definir claramente o conceito de voto em mobilidade". Ridículo? Aparentemente, sim. Mas, entre nós, nada obedece forçosamente à lógica, ao rigor ou ao bom senso. E, depois, diz-se que a Europa é que deve dar "os passos certos" sob pena de nos afundarmos apesar da bondade patriótica do governo (o "esforço") e das suas "medidas". Como se nós não andássemos há anos a fazer mais nada a não ser "passos em volta", com a devida vénia a Herberto Helder.

27.2.11

BORGES


I

The useless dawn finds me in a deserted street-
corner; I have outlived the night.
Nights are proud waves; darkblue topheavy waves
laden with all the hues of deep spoil, laden with
things unlikely and desirable.
Nights have a habit of mysterious gifts and refusals,
of things half given away, half withheld,
of joys with a dark hemisphere. Nights act
that way, I tell you.
The surge, that night, left me the customary shreds
and odd ends: some hated friends to chat
with, music for dreams, and the smoking of
bitter ashes. The things my hungry heart
has no use for.
The big wave brought you.
Words, any words, your laughter; and you so lazily
and incessantly beautiful. We talked and you
have forgotten the words.
The shattering dawn finds me in a deserted street
of my city.
Your profile turned away, the sounds that go to
make your name, the lilt of your laughter:
these are the illustrious toys you have left me.
I turn them over in the dawn, I lose them, I find
them; I tell them to the few stray dogs and
to the few stray stars of the dawn.
Your dark rich life ...
I must get at you, somehow; I put away those
illustrious toys you have left me, I want your
hidden look, your real smile -- that lonely,
mocking smile your cool mirror knows.

II

What can I hold you with?
I offer you lean streets, desperate sunsets, the
moon of the jagged suburbs.
I offer you the bitterness of a man who has looked
long and long at the lonely moon.
I offer you my ancestors, my dead men, the ghosts
that living men have honoured in bronze:
my father's father killed in the frontier of
Buenos Aires, two bullets through his lungs,
bearded and dead, wrapped by his soldiers in
the hide of a cow; my mother's grandfather
--just twentyfour-- heading a charge of
three hundred men in Peru, now ghosts on
vanished horses.
I offer you whatever insight my books may hold,
whatever manliness or humour my life.
I offer you the loyalty of a man who has never
been loyal.
I offer you that kernel of myself that I have saved,
somehow --the central heart that deals not
in words, traffics not with dreams, and is
untouched by time, by joy, by adversities.
I offer you t
he memory of a yellow rose seen at
sunset, years before you were born.
I offer you explanations of yourself, theories about
yourself, authentic and surprising news of
yourself.
I can give you my loneliness, my darkness, the
hunger of my heart; I am trying to bribe you
with uncertainty, with danger, with defeat.


Jorge Luis Borges (Two English Poems)


O CHARCO DA "ESTABILIDADE"

Finalmente Passos falou claro ao mencionar que não há pachorra para a "chantagem da estabilidade", o único "programa" de Sócrates para o PS e para o país. Sobretudo quando este "viver habitualmente" - furtado ao Doutor Salazar pela nomenclatura autista e totalitária que domina o partido do governo - já não resolve problema algum.

UM HOMEM SEM QUALIDADES

Luís Amado portou-se bem na administração interna, enquanto ajudante nos idos de Guterres. Na Defesa, como presentemente qualquer ministro da Defesa, não contou. Finalmente, como MNE, é esta desgraça sem fio condutor o que, afinal, instaura um "princípio". Mau, mas um "princípio". E ainda há por aí embotados estilo Alfredo Barroso (que passa a vida a bater no peito a jurar que é social-democrata diante do sempre extraordinário Mário Crespo) que "encostam" Amado a uma putativa ala "direita" do PS. Ou seja, atribuindo-lhe um pensamento. Que trolhice.

A DIFERENÇA


Depois de ler o artigo de V. Pulido Valente que transcrevi abaixo - acerca da futilidade calculista e timorata que domina a vida pública nacional - e depois de escutar o Angelus do Papa, só me posso congratular por, na qualidade de católico, não dever a menor obediência "terrena" (e, muito menos, a quem quer que seja no "dominante Portugalório" o que não quer dizer que não considere quatro ou cinco pessoas) a ninguém. «Chi crede in Dio, Padre pieno d’amore per i suoi figli, mette al primo posto la ricerca del suo Regno, della sua volontà. E ciò è proprio il contrario del fatalismo o di un ingenuo irenismo. La fede nella Provvidenza, infatti, non dispensa dalla faticosa lotta per una vita dignitosa, ma libera dall’affanno per le cose e dalla paura del domani. Il cristiano si distingue per l’assoluta fiducia nel Padre celeste, come è stato per Gesù. E’ proprio la relazione con Dio Padre che dà senso a tutta la vita di Cristo, alle sue parole, ai suoi gesti di salvezza, fino alla sua passione, morte e risurrezione.»

O ESTADO DA ARTE


«As conversas no Parlamento entre os chefes de partido são de uma absoluta futilidade. As declarações da gente que nos governa não convencem ninguém. Os jornais acabaram por se tornar num repositório de faits-divers. Nos noticiários da televisão não há notícias. Parece que Portugal se tornou uma província particularmente tranquila, que a Europa esqueceu. Mas todos nós sabemos que não é assim. Porquê, então, esta paz podre? Por uma razão muito simples: porque, do Presidente da República ao último militante, o país político anda cheio de medo - medo de ser, por erro ou por acaso, o responsável final pela crise e de atrair sobre si a ira dormente dos portugueses. Remédio para isto? Não abrir a boca sob pretexto algum ou só a abrir para não dizer rigorosamente nada. O dr. Cavaco, que não gosta e despreza Sócrates, gostava de o ver a ele e ao PS pelas costas. Mas tem medo que uma eleição, como explicou sábado no Expresso o dr. Ricardo Salgado, torne as coisas piores (como sucedeu, por exemplo, na Irlanda). E tem medo que o PSD ou o PSD e o CDS não ganhem a maioria absoluta e que a esquerda (incluindo Sócrates) fique ainda em posição de bloquear o presuntivo primeiro-ministro (Pedro Passos Coelho?). E o Presidente também tem medo da velha loucura do PSD, com que não se entende (mesmo desprestigiado e nulo, Pedro Santana Lopes já sugeriu ontem que se trocasse Passos Coelho por Rui Rio). E não tem menos medo que uma desilusão eleitoral se vire contra ele, se ele a convocar sem uma desculpa inatacável e protegido por um eleitorado unânime. Mas se o Presidente está à beira de um ataque de nervos, Sócrates não está melhor. Ele não ignora que uma grande derrota (de resto, mais do que provável) liquidaria o PS por uma geração e que, ele, pessoalmente, deixaria de existir. Não admira que tenha medo de Cavaco, que tenha medo de eleições, que tenha medo de um imbróglio qualquer, dentro ou fora do PS, que o faça tropeçar. Uma soma de medos que se resumem a um: sair daquela cadeira, onde ele duvida que se volte a sentar. E Pedro Passos Coelho? Tem medo que o julguem apressado e medo que o julguem indiferente. Tem medo de avançar e tem medo de continuar parado, deitando pelos povos pérolas de sabedoria. Tem medo do CDS e tem medo de precisar do CDS. E tem principalmente medo que os génios que arranjou não cheguem para endireitar Portugal. O medo vai de ponta a ponta, de Cavaco ao PSD. O medo paralisa. E o medo mete medo.»

Vasco Pulido Valente, Público

26.2.11

UMA TRAGÉDIA


Passos Coelho escolheu falar duma maciça "adesão eleitoral" e do "futuro" com uma mão cheia de "passado" atrás dele. Como se isso não bastasse, inventaram-lhe um slogan digno de um spa ou de um clube fitness - "genepsd". A estrela convidada foi o "escritor" político oracular Marques Mendes. A plateia, fora uma cara ou outra, representava, de facto, o "gene" da coisa. Ex-ministros gestores, gestores ex-ministros "bloco-centralistas" e putativos candidatos a ambas as categorias ornamentaram o exercício. Do outro lado lado, Sócrates. Depois do "Sócrates 2009, tão infelizmente fresco, o "Sócrates 2011" para consumo do partido. O "gene" deste é o "deixa arder que o meu pai é bombeiro", com uns quantos militantes a bater palminhas e a D. Edite Estrela. Uma tragédia.

COISAS CIVILIZADAS


No Grande Auditório da Gulbenkian, directamente do Met de Nova Iorque, Ifigénia na Táurida, de Gluck. Às 18h. Susan Graham, Plácido Domingo.

UM ESPELHO




O "Expresso 2000 exemplares" (parabéns à prima) divulga, via Mr. Assange, o que um diplomata norte-americano transmitiu ao seu governo sobre a Defesa Nacional, as Forças Armadas e a FLAD portuguesas. Quem serviu nas fileiras - com ou já sem Ultramar mas antes da destruição metódica das FAP's pelos partidos deste regime, todos, sem excepção - não pode deixar de se sentir envergonhado com o "retrato". E escusam de vir com discursatas patrioteiras (e vindas, então, de quem nunca disparou um tiro ou vestiu uma farda, dá vontade de rir) e politicamente correctas (Passos Coelho já caiu na armadilha ao falar em "leviandade") contra a coisa porque conseguem ser ainda mais ridículos do que saem do "retrato". Todavia, um país (e uns chefes militares) que entrega a Defesa Nacional a um sociólogo ex-MES (como, dantes, a um bondoso académico ou a um eterno chefe de partido de fatos às riscas) merece todos os vexames públicos. Já que nós não somos capazes de nos vermos ao espelho, haja então quem nos empreste um.

UM PRINCÍPIO PORTUGUÊS


«Não há liberdade, há de quando em quando liberdades. E, para que haja liberdades, são precisas instituições, que, garantindo a segurança, as promovam e defendam. Ora o que havia em França em 1789-1794 era uma total ausência de instituições capazes de promover e defender as liberdades. Como em 1917 no Império Czarista e em 1991 na URSS. Ou como no Portugal de 1974. E como hoje na África do Norte. O Egipto tem um exército forte e com alguma tradição política. A Tunísia tem um exército fraco e uma tradição de neutralidade. A religião muçulmana, que não está submetida a uma hierarquia como a católica, tem várias tendências, que se disputam, uma disciplina interna fraca e, em geral, uma lei irreconciliável com a democracia. Não me parece que com estes ingredientes se consiga pôr em pé a sombra de uma ordem democrática e secular.» Isto é de Vasco Pulido Valente, no Público, em "resposta" a Pedro Lomba. Mas o que me interessa é o príncipio do excerto. Se o deslocarmos do contexto para o nosso, actual, os sinais devolvem-nos um país pouco mais "evoluído" em matéria de liberdades do que aqueles cuja história VPV conta. Um presidente do STJ empenhado em perseguir todo o mundo e o outro por causa dos seus "poderes", um punhado de partidos, à esquerda e à direita, "albanizados" e asnáticos, uma sociedade dita civil que oscila entre a passiva ajoelhada perante ao Estado e a parvoíce de matilha da "geração facebook" que "ameaça" com a rua, um jornalismo falho de audácia (vá lá, Fernando Madrinha no Expresso ousou denunciar a "correcção" no episódio da prisão de Paços de Ferreira), as recentes "golpadas" no sufrágio universal, etc., etc., dão cor a uma miséria institucional e instintual que não pode manifestamente dar lições a ninguém. «Não há liberdade, há de quando em quando liberdades.» Um princípio português.

ELIOT


Nos canais noticiosos do Portugalório tagarelavam sem som. Pouco passa da meia-noite e Eliot "lê-me" o seu poema. Não é preciso mais nada.

25.2.11

BORDA FORA

Tipicamente, os serventuários de Kadhafi, lá e no exterior, só agora deram pela natureza do homem e do regime. As ratazanas são iguais em todo o lado.

PREMONITÓRIO


DA PERIFERIA AO CENTRO


Chego a casa e vejo Manuel Maria Carrilho, na tvi, a dizer que Sócrates vai "implorar" à Chanceler Merkel que, finalmente, nos ajude a que nos ajudem. As coisas são o que são.

CHACUN À SON GOÛT


Um leitor, anónimo, perguntou se "andavam a apertar comigo ou quê" porque, alegadamente, "agora os posts é tudo convidados". Não. Apenas registo a loquacidade polémica dos autores desses textos relativamente ao tema que escolheram, umas vezes concordando com eles, outras não. E também porque não me apetece dizer nada. Já agora fica o link para outro post que nos transmite - segundo o seu autor, Tomás Vasques - "duas boas notícias". Isto é mesmo assim, chacun à son goût. Enquanto Céline estava exilado na Dinamarca por "delito de opinião" (uma vez que tinha sido condenado a um ano de prisão em França por "colaboracionismo"), o "progressista" Sartre (esse mesmo) peticionou entretanto para que ele fosse condenado à morte. A "resposta" de Céline está no livro da foto, À l' agité du bocal, ainda hoje tão actual e bem escrito. Ambos tinham nome. E que nomes.

Adenda: A propos de nomes e de anonimato, este post de Stanley Fish, professor e crítico literário norte-americano.

OS DONOS, SEGUNDA PARTE


1. «O mandato do actual Conselho Regulador da Entidade Reguladora para a Comunicação Social (ERC) termina por este dias. É provavelmente a mais feliz das notícias para os media portugueses nos últimos tempos. Saber que Azeredo Lopes, Estrela Serrano e Elísio Oliveira deixam a ERC é uma boa notícia para todos os jornalistas de Portugal dignos desse nome. »

2. «Ainda não está na administração e Paes do Amaral já tem uma contratação que desejava para a Direcção de Informação da TVI. Nos anos em que lá passou, sempre mostrava incómodo com a independência, a acutilância e a irreverência da informação da TVI, três qualidades que foram quarta-feira defendidas como características a manter num comunicado do Conselho de Redacção do canal. Não só Amaral manifestou o seu desagrado com o que se tornou a ideia feita acerca do “estilo da TVI”, como agiu contra ele, por exemplo afastando Marcelo Rebelo de Sousa quando ele desagradou ao poder político. Ao contrário de Belmiro de Azevedo e de Pinto Balsemão, o ex e futuro chefe da TVI não aprecia uma forte independência informativa, assemelhando-se nisso aos próceres governamentais que passam pelas administrações da RTP. Não admira que desejasse José Alberto Carvalho, cujo mandato nas duas últimas direcções da RTP coincidiu, na minha opinião, com a mais acentuada governamentalização da informação desde há décadas. Um dos objectivos é, pois, o de conseguir com Carvalho apagar os traços de independência, acutilância e irreverência que a redacção da TVI aprecia. A TVI poderá ter incorrido num erro de gestão e de avaliação das necessidades internas. Revela desconhecimento do que tem sido nos últimos anos o torpor da Direcção de Informação da RTP e o seu relacionamento com a sua administração, representante da tutela governamental. Carvalho revelou uma enorme incapacidade para tomar decisões e a uma atitude para com o poder político governamental que, na minha opinião, promete o pior quanto à independência, acutilância e irreverência. Infelizmente, é comum administrações de grupos privados desprezarem a independência editorial e preferirem um conúbio malsão com o poder do momento. Ao contrário da ideia feita, a informação da TVI é hoje interessante e competente, e amiúde menos sensacionalista do que as da RTP ou SIC. Se por vezes é a última a chegar a eventos inesperados tal deve-se mais a falta de meios disponibilizados pela Administração do que a erros jornalísticos de avaliação. A TVI preferiu agora gastar em estrelas milionárias a investir na redacção. A transferência de Judite Sousa, que poderá motivar-se por melhores condições contratuais, representa a aquisição de uma jornalista experiente, nomeadamente nas entrevistas. Sousa conseguiu sempre o milagre de estar em direcções politicamente suspeitas sem que esse opróbio lhe caísse em cima. Não é nada com ela. Eis uma qualidade que continuará a ser-lhe útil na TVI. Quanto à RTP, fica desfalcada a menos de um ano de mudança de administração e, quem sabe, de governo. Não perde nada com a saída de um director asténico como Carvalho, mas saem também pessoas experientes de cargos directivos. Receio que não será desta que a RTP aproveita para uma mudança profunda que favoreça o serviço público, a informação livre e o nosso dinheiro que lá é enterrado, cerca de um milhão de euros por dia. »


TENTAR PERCEBER


«Ao contrário dos meus críticos, a mim me interessa profundamente o que virá a seguir à insurreição quase geral do Norte de África e a eles lhes basta contemplar a inegável beleza (moral) da revolta. Jean Daniel, um jornalista que foi durante meio século o mentor da esquerda francesa, escreveu: “O importante no Egipto e na Tunísia é que tenha acontecido, não o seu futuro”. E um comentador português, falando salvo o erro da Líbia, palavra menos palavra, repetiu Daniel: mesmo que tudo acabe numa república islâmica (ou seja, num Estado teocrático), decretou ele, valeu a pena! O meu “catastrofismo”, o meu pessimismo, a minha malevolência, estão num único ponto. Insisti, como insisti em 1991, depois do colapso da URSS, que o levantamento popular não levaria com certeza à democracia, como hoje a entendemos no Ocidente. E não fiz mal em insistir porque, desde Obama ao jornalismo de ocasião, toda a gente esperava, ou até garantia, que de Trípoli à Praça Tahrir iam sair, resplandecentes, novas democracias. Gostava de prevenir, para pôr ponto final no caso, que prever um acontecimento ou uma situação não significa (excepto para mentes excepcionalmente estreitas) que se deseje esse acontecimento ou essa situação. Não significa mais do tentar compreender o que se passa e de não criar falsas expectativas. Desde a Antiguidade que existiram tiranias e, fatalmente, uma luta constante contra elas. Mas regimes democráticos não existiram antes do século XVIII (existiu, de resto, um único: o americano). A resistência à opressão não produz necessariamente a liberdade. É isto muito difícil de perceber?»


Vasco Pulido Valente, Público

24.2.11

POUND



Diz (o seu) «Hugh Selwyn Mauberley». Sabe bem esta voz no meio do deserto tagarela em que vegetamos.

DO CRESCIMENTO

Os juros, a gasolina, o gasóleo, a propaganda do governo e o dr. Marques Mendes, o mais recente "escritor" político português, são as únicas "realidades" que crescem em Portugal. Razão, pois, ao desdentado Mao. A situação é excelente.

OS DONOS


A tvi faz 18 anos. Para "comemorar", escolheu José Alberto Carvalho e Judite de Sousa para a direcção de informação. Se repararem, as criaturas jornalistas que as televisões exibem já "rodaram" praticamente todas pelas três generalistas. Saem de uma, entram noutra, tornam a sair para uma terceira e, por vezes, regressam à base. Quando falo em jornalistas, refiro os sobas da televisão. Não os mais jovens candidatos a jornalistas, os tarefeiros ou outras espécies menos dignas. Não. A televisão portuguesa tem donos e esses donos (na informação) são invariavelmente os mesmos há muitos anos. O regime altera-se (alterna-se) e eles alteram-se com o regime, seguindo-o, seja lá ele qual for. Boa sorte.

Adenda: E por falar em regime...

UMA SOLUÇÃO


A Itália, pela Ilha de Lampedusa enquanto porta, está a ser "invadida" por tunisinos em fuga das "amplas liberdades" conseguidas na rua. Prevê-se que milhares de líbios façam o mesmo. Ou seja, a Europa envelhecida e indemne vai aparentemente receber hordas de gente mais jovem que facilmente se adapta a qualquer coisa, sem melancolias ou frivolidades do género "eu quero o meu Estado social, o meu canudo, a minha esplanada e o meu Ipod". Os referidos nativos árabes, uma vez "libertados" nas suas pátrias, pretendem evidentemente "libertar-se" delas (só os jornalistas portugueses estilo Moura do Público, sempre "avançados", é que imaginam que eles querem lá ficar) e viver no mundo que a net, as televisões e o facebook lhes apresentaram. Obama, um amador, fala nas responsabilidades da comunidade internacional em relação à Líbia como se os EUA alguma vez permitissem as "invasões" que a Europa dos "direitos humanos" e da demagogia "correcta" alegremente consente. Razão tinha Kavafis, o poeta da velha Alexandria. Os bárbaros, afinal, sempre eram uma solução.

Adenda: "Ninguém escreve ao coronel".

WHISHFUL THINKING


«Os partidos, todos eles, tornaram-se organizações fechadas, pouco orientadas pelo interesse nacional e muito viradas para a perpetuação dos seus interesses. A sociedade civil e as diversas elites têm-se, em geral, demitido das suas responsabilidades (com excepções, é preciso dizê-lo, nomeadamente de algumas elites religiosas), emergindo apenas quando se aproximam eleições, e também elas mais à procura de lugares, e sobretudo de influência, do que do exercício de qualquer missão desinteressada. O momento actual, que sem ser eleitoral já o é, é bem ilustrativo do que digo. O PS ressuscita instrumentalmente as suas desacreditadas "Novas Fronteiras", que nunca produziram uma ideia que fosse sobre o que quer que seja. O PSD parece que gosta do modelo e avança com um "Mais Sociedade, Portugal faz-se consigo" que - o nome diz tudo, não é? - não passa de um expediente para ir branqueando a evidente impreparação que tem revelado para, se chegar ao poder, enfrentar a crise e dar a volta à situação. É que, quando isto é a sério - como acontece na Alemanha, em França ou em Inglaterra -, é nos próprios partidos, no seu interior, que se investe em abertura e qualificação, e esse investimento faz-se de um modo contínuo, estruturado e orgânico. Porque aí a convicção nuclear é que é na diversidade das ideias, na sua competência e audácia, que estão as chaves de que se precisa para lidar com o mundo de hoje, e para se preparar o futuro. Ao arrepio de tudo isto, os regulamentos do PS para o próximo congresso estabelecem a inqualificável proibição de apresentação de moções globais, aos militantes que não sejam candidatos a secretário-geral! A fórmula deste pluralismo estropiado define-se na seguinte fórmula: "Tens ideias? Então candidata-te! Ah, não te candidatas? Então cala-te!" Ao criar-se, num gesto de indiscutível inspiração totalitária, um regime de liberdade condicional para os militantes "que tenham ideias", está-se a alimentar a teia do pior conformismo, cujas funestas consequências são bem conhecidas - e não se farão esperar! E logo agora, que o país tanto precisava de abertura e de ousadia para enfrentar o seu tão problemático futuro.»


23.2.11

UM PENSAMENTO PROFUNDO

«Um regime anacrónico, muito específico nas suas dimensões internas», eis como Luís Amado, MNE português, vê o regime do beduíno líbio de cabelinho pintado agora pelas ruas da amargura. Por que é não transmitiu este pensamento tão profundo ao próprio quando foi recebido na tenda?

O MUNDO DE RICARDO COSTA


O Expresso anuncia novos cronistas. Podem dividir-se em três grupos. Os que sabem escrever, os que não sabem escrever e os engraçadinhos porque não há media que se preze que não cultive o engraçadismo. Saem, assim de repente, dois. Não se perdeu nada.

A "VÍTIMA"

Meio país - talvez mesmo três quartos dele e uns quantos "bentinhos" de serviço - comoveu-se com a "agressão" perpetrada por guardas prisionais a uma "vítima" detida em Paços de Ferreira. A "vítima" é um preso (se está preso é porque um juiz o mandou cumprir uma pena) que, para além de preso, não prima pela higiene. A coisa foi filmada pelos serviços prisionais o que significa que ninguém pretendeu esconder nada. Os responsáveis políticos coraram e quase regressaram ao famoso "esta não é a minha polícia". Houve quem recordasse Guantanamo sem se rir. Anunciaram-se processos para sossegar designadamente o Bloco, a reboque do qual se arrastaram esquerdas e direitas. Por que é que os partidos não experimentam organizar umas "jornadas parlamentares" numa prisão portuguesa a começar, preferencialmente, dentro da cela onde a "vítima" foi "agredida"?

«ERA UM REDONDO VOCÁBULO/UMA SOMA AGRESTE»


Faz hoje anos que morreu José Afonso. Convinha revê-lo para não se confundir alguns gemedores profissionais que alcançam muito sucesso junto do público - enquanto "cantores" e "fadistas" popularuchos ou "nobres" - com a simplicidade aristocrática daquele homem discreto e bom que foi José Afonso, um grande patriota e um grande músico.

IRONISMO POLÍTICO REFORMADOR

Ouve-se agora muito António Barreto tal como em Un Ballo in Maschera se ouve Ulrika. Mas, ao escutar Medeiros Ferreira (em boa hora "recuperado" na tvi24 por Constança Cunha e Sá), percebe-se quem era (é) o verdadeiro reformador.

22.2.11

PREPARAÇÕES E EXPERIÊNCIAS


Vejo Pedro Santana Lopes muito preocupado com a falta de experiência e a "impreparação" de Passos Coelho. Em apenas alguns dias, sugeriu por duas vezes que Rui Rio, graças ao seu já longo desempenho autárquico, sempre seria, a título exemplificativo, "diferente". Sou insuspeito em relação a Passos (é o que há) mas parece-me que, salvo numa ou outra infelicidade de formulação, tem sido sensato. Não tem pressa o que quer dizer que talvez, e para variar dos derradeiros anos, esteja mesmo interessado em "preparar-se". Rio perdeu a sua oportunidade quando desistiu para Ferreira Leite depois de ter dito "sim" (para além disso não é certo que consiga "crescer" do Porto para o país). E Ferreira Leite passou como passou o próprio Lopes, tendo servido de pouca coisa a "experiência" de ambos na hora da verdade. Mal vai entretanto um partido que não consegue libertar-se da "síndrome trituradora interna" face a um opositor tenaz como Sócrates. E que persiste, pela voz "autorizada" de ilustres militantes, nos tirinhos de feira destinados ao pé.

A "MASSA" E A ORDEM


Pedro Lomba, no Público, "responde" a Vasco Pulido Valente. Escreve o Pedro: «Podemos estar a assistir à fragmentação do mundo árabe e ao começo de uma guerra civil prolongada. Mas também pode ser que estas comunidades agora em colapso encontrem um tipo de ordem e convivência que não seja a mais admirável para a fé democrática mas que seja isso mesmo: um princípio de ordem e estabilização.» Com a devida vénia, "ordem e estabilização" é o que aquelas comunidades mais têm tido nas últimas décadas. Seja sob a forma de repúblicas autoritárias militaristas, seja através de monarquias plutocráticas, seja mediante "revoluções" contínuas como a de Kadhafi. Até agora ninguém percebeu que tipo de "convívio" pretende a rua, tão comovidamente aplaudida pelo "ocidente" da internet e dos lcd's. Decerto nunca a chamada conversa democrática que se aprende nos livros e que, umas vezes melhor outras pior, sustenta a sociedade em que vivemos. Sigo, nestas matérias, o pragmatismo filosófico norte-americano. Alguém imagina aquelas "comunidades", uma vez presumivelmente "libertas", metidas numa outra narrativa "ordeira e estabilizada", mais ou menos parecida com a nossa, valendo a nossa o que vale? Tenho dúvidas mas isso faz parte da minha costela pragmatista, sempre disposta a que apareçam hipóteses melhores do que as minhas. Até lá, de facto, persisto pessimista e bem menos "socially hopeful" do que um pragmatista "forte" e social-democrata.

O BEDUÍNO SEDENTÁRIO


Afinal o beduíno aprendeu alguma coisa com os seus amigos da periferia europeia. Também é do género "fico" e "não viro a cara" - um verdadeiro "guia", em suma. Devem-lhe ter traduzido o Filipe Nunes Vicente.

MAIS PARVOS

Aqui.

O MITO DA RUA


Prepara-se para 12 de Março uma "manifestação" - aliás, duas em uma - com "pólos" em muitas cidades do país, continente e ilhas. A "ideia" partiu do facebook (podia lá ser de outro lado) e pretende juntar os indignados da "geração parva" com os permanentemente parvos indignados que imaginam poder juntar um milhão de criaturas "contra a classe política". Ver demasiada televisão dá nisto. Não juntarão, com alguma sorte, mais de cem pessoas. Em Portugal, há muito que as manifestações se assemelham a corsos carnavalescos sem o menor efeito prático. Houve a Alameda em 1975 mas isso tinha um propósito político devidamente orientado em torno de uma figura partidária que, a partir daí, emergiu como nacional: Mário Soares. E tinha, de Soares para a direita, praticamente toda a gente. A do primeiro 1º de Maio foi, por assim dizer, a única expontânea e eminentemente jubilatória. Por aqui vigora o princípio da maioria silenciosa. É ela que, no quentinho das urnas, dita os destinos da pastorícia. Vera Lagoa desfilou vezes sem conta, na Avenida da Liberdade, contra Eanes e os militares do Conselho da Revolução. Mas foi o quentinho parlamentar de 1982/83 que acabou com o segundo e retirou poderes ao primeiro. Não foi a rua. O mesmo se diga acerca das "conquistas de Abril" (nacionalizações et al) ou da abertura de sectores nunca dantes navegados à "iniciativa" dita privada. E por aí fora. O fenómeno do Entroncamento em curso no Médio-Oriente não é transponível para Portugal. Nem as "massas" lusas experimentaram alguma vez a penúria e o lamber literal do pó da vida dessas populações, nem tão pouco a nossa "cultura" tipicamente pequeno burguesa é arregimentável para derrubar o que quer que seja. Aqui o que se pretende sempre é não perder. Até num local tão improvável como a Arrentela. Lá berra-se para ganhar qualquer coisa nem que seja a morte, algo perfeitamente estranho a parvos e a candidatos a parvos domésticos. Tenham, pois, juízo.

21.2.11

A ESTÁTUA DO COMENDADOR



O PR recebeu o presidente do Tribunal de Contas, o honorável Guilherme Oliveira Martins. Martins tem assegurado um trabalho meritório apesar de também presidir, por inerência, a uma coisa qualquer contra a corrupção, especializada em armazenar papéis, planos e "planinhos" de combate à dita sem a menor utilidade. Mas Martins, não obstante as suas imensas qualidades intelectuais, é um epítome do regime. Antigo assessor presidencial, deputado, ministro, outra vez deputado, etc., etc., Martins exibe uma invejável longevidade institucional. Cavaco porventura simpatiza com este tipo de figuras e ouve-as atentamente. Não se deve deixar, porém, impressionar por elas. Comendador, só mesmo a estátua semovente do Mozart.

QUE CHEIO ESTOU DE MIM MESMO

O dr, Vítor Ramalho, ex-assessor de Soares em Belém, ex-membro do governo do bonzinho Guterres e presidente da FNAT/INATEL, assíduo de Mário Crespo, faz lembrar um antiquíssimo radialista. Pelo timbre, pela prosápia oca, pelo embotamento estilo "eu sou de um tempo e, ao mesmo tempo, angolano e português". Em suma, um Bonga sem talento sempre pronto a evacuar coisa nenhuma.

Adenda: Dizem-me que a sicn acabou com o programa "Plano Inclinado" onde apareciam Henrique Medina Carreira, João Duque e, antes do Tagus Park, Nuno Crato com convidados intermitentes. Não seria, seguramente, um programa de "massas". Medina Carreira insistia em mostrar quadros que evidenciavam uma realidade económica e financeira que incomoda ser exibida semana após semana porque não muda. Ou, quando muda, muda para pior e isso via-se nos quadros de M. Carreira. Em compensação, os programas engraçadistas ficam e reforçam-se no seu idiotismo congénito e na sua miséria acéfala. Este país não é nem para velhos nem para novos. É para pulhas.

GARAGE SALE


O que é que irá acontecer aos grandes negócios e acordos "comerciais" - que tanta alegria deram ao governo e ao dr. Basílio Horta - que Portugal celebrou recentemente com o beduíno em fuga, pelos vistos, para às bandas de outro grande "amigo" nosso, o Chávez? Abre-se uma tenda, nos jardins dos Jerónimos, para "saldar" os negócios e os acordos com o preclaro Amaro a fazer de preboste?

"SEM, SEM, SEM"


Num verso célebre de Paul Éluard lê-se: «La terre est bleue comme une orange". Sócrates, a falar do que quer que seja - e mesmo sem nunca ter lido Éluard, evidentemente -, segue este princípio literário surrealista que só serve a literatura e não a "realidade". Embandeirou em arco com a execução orçamental de Janeiro à qual faltam as "componentes" autarquias, regiões autónomas e, se não erro, a segurança social. Não louvar a quebra do défice - à conta de cortes salariais e da subida de impostos sem que, rigorosamente, a despesa tivesse descido - é, pois, "azedume". Os juros da dívida persistem aos níveis incomportáveis em que se encontram. Azedume ou lá fora ninguém comunga do optimismo irresponsável do homem porque lêem os relatórios até ao fim? A isto Sócrates responde com o seu extraordinário "plano tecnológico" que ganhou umas medalhas externas através de serviços públicos online. "Cem, cem, cem" (por cento), berrou a criatura perante os "lugares" alcançados graças aos aspectos considerados na avaliação. "Não foi 98% ou 99%", frisou não fosse alguém esquecer-se dos "cem". Todavia, a famosa realidade está a empurrar-nos, não para os cem da gritaria, mas para "sem" mesmo que a terra seja azul como uma laranja.

20.2.11

O PRESCIENTE


Da última vez que Marcelo, a partir de Luanda, falou em "moção", a moção apareceu (apareceu e já desapareceu entretanto). Agora, praticamente anunciou o famoso resgate europeu depois de, semanas a fio, ter verberado eventuais intervenções "externas". Preste-se, pois, atenção ao que o homem disse. E a Frau Merkel que perdeu uma das muitas eleições a que se vai sujeitar e que, certamente, não estará para grandes fretes.

STUNTS


A Lourdes Féria a perder tempo com os duplos dos Marques Lopes (eles são todos duplos uns dos outros). «Mais uma ave trepadora, sem nenhuma espécie de atributos intelectuais, que anda pelas televisões a vender o seu peixe estragado. Por acaso vi ontem o Eixo do Mal onde Daniel Oliveira foi o único a defender o PS de José Sócrates. Uma aposta como vai juntar-se à matilha muito em breve?»

O BEDUÍNO E OS LIBERTADORES DE SOFÁ

Então os líbios são menos gente que os egípcios para os libertadores "ocidentais" de sofá? Ou o Mubarak é que era mau e o beduíno das tendas é mais "aceitável"?

MOSTRA-ME A TUA IDENTIDADE E DAR-TE-EI O TEU PROZAC



A sra. dra. Ana Jorge, ministra da saúde, pretende sovietizar a compra dos medicamentos nas farmácias. Já não bastava a exibição do número de contribuinte. A senhora agora exige o bilhete de identidade. Com a mais recente legislação aprovada no parlamento em matéria de nomes e de mudança dos ditos para acompanhar a do sexo, não seria melhor a sra. dra. obrigar os utentes a apresentarem-se nas farmácias como vieram ao mundo, na versão original ou na fabricada?

Foto:
Robert Mapplethorpe, Man in Polyester Suit, 1980

«SEM EMENDA»


«Vários comentadores exibiram a sua indignação ou o seu desprezo pelas dúvidas que manifestei sobre a possibilidade de se estabelecer um regime democrático no Egipto. Esquecendo por agora os pormenores do caso, isto levanta um problema interessante: o problema da diferença entre a visão da política de um historiador académico e a de qualquer outro especialista. Sou um historiador académico e, ainda por cima, estudo principalmente o século XIX e o século XX. Como é natural, perante as manifestações da Praça Tahrir, como da Praça Vermelha ou, se me permitem, do Rossio, as minhas preocupações são sempre duas. Primeiro, perceber as sociedades em que essas manifestações sucederam. Segundo, comparar a situação de que elas nasceram ou criaram com o que sei sobre casos análogos, embora a analogia seja discutível ou ténue. Numa história geral de França, François Furet, encarregado do volume sobre a revolução, escolheu duas datas que, para ele, a limitavam: 1789 e 1870. Porquê? Porque achou, e provavelmente bem, que só com a III República (quase cem anos depois da tomada da Bastilha) se chegou a uma democracia estável, geralmente aceite pela população. E, mesmo assim, não contou com Vichy e com o voto feminino, que teve de esperar por 1944. Houve entretanto duas repúblicas (agora estamos na quinta), três monarquias, Napoleão (o grande) e Napoleão III (o pequeno). Este tumulto endémico em que viveu a França veio directamente da resistência ao Governo representativo e, a seguir, ao Estado laico e ao sufrágio universal da democracia. A França não é o Egipto. Pois não. A França passou, à sua maneira, pelo "iluminismo" e, na literatura, como na pintura, e parcialmente na filosofia, a França era o exemplo do mundo. Em França, existia uma aristocracia "liberal", uma burguesia "progressista" e um eleitorado urbano de "esquerda". E a própria Igreja se submeteu à autoridade civil. E, no entanto, o caminho para o que hoje nós tomamos por "normalidade" foi longo e foi duro. Pensar que 80 milhões de egípcios (na esmagadora maioria, muçulmanos), neste momento "governados" por uma junta militar anónima, encontrarão depressa o regime democrático que lhes convém é, com certeza, um testemunho de virtude cívica. Mas basta pensar em Portugal (ou em Espanha) para perceber que é também um acto de ingenuidade e esperança, que ignora militantemente a realidade e a história. Quanto ao que me disseram os novos missionários da liberdade, repete letra a letra o que os velhos me disseram em 1991, quando a URSS se desfez.»

Vasco Pulido Valente, Público

O DISCURSO DA "RAINHA"


Passos Coelho, quando se candidatou a líder do PSD e ganhou, prometeu diligenciar para que o senhor conselheiro Pinto Monteiro fosse "revisto". Cavaco, a partir de 9 de Março - mas podia perfeitamente ser já hoje -, com a legitimidade política renovada com novo mandato, também deve tomar posição acerca da permanência do senhor conselheiro como PGR. É que, com entrevistas deste calibre, o senhor conselheiro dá ideia de ser alguém que apenas está onde está porque o deixam. Não estará na hora de ser poupado a estas figuras?

AINDA A "GERAÇÃO PARVA DO BACALHAU À LOUÇÃ"

«Soares dos Santos explica o drama desta geração: não encontra técnicos para os talhos e peixarias do Pingo Doce. Devem andar todos a cantar que são parvos e à espera de um emprego para toda a vida na função pública como antropólogos. Soares dos Santos tem de colocar anúncios a dizer que precisa de técnicos para estudarem a relação entre a pertença étnica e os modos de orientação nos espaços comerciais ou ainda sobre o impacto das minori@s no consumo do salmão em posta.»

Helena Matos, Blasfémias

19.2.11

POPLAVSKAYA



Verdi, Simon Bocccanegra. Royal Opera House. Antonio Pappano, 2010 (Marina Poplavskaya)

A MOÇÃO DEOLINDA

Na moção do Bloco fala-se nos "jovens da geração mais preparada". Alegadamente, e entre outras coisas, a moção pretende defender esses "jovens". Onde é que o Bloco foi buscar esta extravagância? Será que, antes da emergência destes "jovens", não havia gerações preparadas? E quem é que garante a "preparação" desses jovens? Ou a vida dos homens e das mulheres de quarenta ou cinquenta anos, expulsos das suas vidas, enquanto os ditos "jovens", mal ou bem, têm uma por vir? A sra. D. Bacalhau Deolinda?

HOUDINI NO MARÃO


«Sócrates não passa de um burgesso social», diz Nogueira Leite no facebook. «Acha que há ligação entre riqueza e educação. Só prova que não tem a segunda, parecendo que tem a primeira.»

QUE PARVOS QUE ELES SÃO


A coisa começou com a laracha da canção, quase tão importante como as barragens de Sócrates, a moção de Louçã ou a "descoberta" de mortos sozinhos em casa. Um leitor assistiu, indemne, ao "expressso da meia-noite", um programa da sicn onde Ricardo Costa semanalmente se alivia e permite que outros se aliviem desde que não abusem da paciência dele. «O que dizer sobre o programa "Expresso da 1/2 Noite", ainda agora acabadinho, a propósito dos precários e deolindas? Todos aqueles nababos, jornalistas e "comentadores convidados", mostrando ao jovem precário, bem comportado e educado, que ele só estava ali para servir de saco de pancada. São estes mesmos que aqui de fora vitoriam os jovens egípcios e outros árabes. E o precário lá se foi, precário até quando tem honras de aparecer na TV.» Que parvos que eles são. Mas há mais. Sem sair da "galáxia Balsemão", o mesmo Expresso, em papel, dá conta da descida "brutal" do défice em Janeiro. Sócrates, o do "governo presente", apareceu em directo do Marão a babar-se de gozo por ter "começado" tão bem o ano. Qualquer tipo com a 4ª classe nestas matérias sabe perfeitamente o que é que aconteceu em Janeiro vindo de Dezembro. É só esperar pelo resto. Que parvos que eles são. Depois, o deputado Pacheco Pereira (também colaborador na referida "galáxia") foi a Coimbra dizer que Portugal esteve à beira da bancarrota na quarta-feira. Esteve? Na véspera, como salientaram os notários de Sócrates para a bloga, o mesmo Pacheco afirmava possuir informações que o governo estava a fazer o que devia fazer. Estava? Que parvos que eles são. Finalmente, uns utentes de um centro de saúde e uma clínica insurgiram-se por o senhor dr. Armando Vara, uma notabilidade que é um "espelho" do regime, ter entrado inopinadamente pelo consultório à frente de toda a gente para obter um atestado. Porquê? O senhor dr. tinha um avião para apanhar e aos utentes e à médica escapam fatalmente estas subtilizas aristocráticas da "elite" que nos pastoreia ora nos governos ou no parlamento, ora nos bancos, ora nas televisões, ora no caralho. Que parvos que eles são.

18.2.11

TRUQUES

O patrão do Pingo Doce falou em truques a propósito de Sócrates. E advertiu que, em breve, os bens alimentares aumentarão, sem truques. Mas o "povo" que compra nos supermercados do sr. Soares dos Santos não só não lê ou ouve António Barreto como cede facilmente a passiva. Sócrates ainda andar por aí a lançar pedras (que acabarão por não deixar pedra sobre pedra) é apenas um sintoma dessa sublime inclinação pátria pela passiva. Truques.

OS RAPAZES E AS RAPARIGAS

O PS e o PSD rejeitaram, no parlamento, reduzir as remunerações dos "gerentes" das empresas públicas. Da mesma forma que, há uns meses, decidiram reduzir salários no valor bruto de mil e quinhentos euros. Percebe-se. Os referidos lugares fazem parte da boda ocupacional dos rapazes e das raparigas de ambos os partidos - quais alternadeiros e alternadeiras - que precisam de "empregos" chorudos. Hoje socialistas, amanhã laranjinhas. E vice-versa. Pensar que o país está suspenso de parlamentares deste jaez, revela tanto o país como esses parlamentares. Qualquer rapariga ou rapaz da noite é melhor do que isto.

OS EXPLICADORES


«Os jornais publicaram esta semana uma notícia estranha. Parece que alguns políticos espanhóis e portugueses foram convidados para irem à Tunísia ensinar aos tunisinos como é bom que se faça a “transição para a democracia”. Isto presume, como é óbvio, que as condições da Tunísia são em 2011 muito parecidas com as do Portugal de 1974-1975 ou com as de Espanha depois da morte de Franco (Novembro de 1975). E – deixando agora de parte o caso espanhol – presume também que a dita “transição” foi por cá muito bem feita. O que não deixa de espantar, porque mesmo à superfície, com duas tentativas de golpe de Estado (o 28 de Setembro e o 11 de Março) e um pronunciamento armado (o 25 de Novembro), o nosso exemplo não se deve de boa-fé recomendar a ninguém. Mas não é só isso. Os nossos três políticos (Mário Soares, António Vitorino e João Gomes Cravinho) têm de explicar aos tunisinos como o movimento militar do “25 de Abril” adoptou muitas das teses do Partido Comunista, sobretudo a celebrada “estratégia antimonopolista”, e permitiu que um militante comunista (o coronel Vasco Gonçalves) tomasse conta do poder. Conviria também que os tunisinos percebessem que o tal Gonçalves “nacionalizou” uma enorme fatia da indústria, a banca e os seguros, paralisou o investimento doméstico e estrangeiro e, desta maneira simples, contribuiu para a estagnação da economia portuguesa durante quase 15 anos. Se os nossos missionários quiserem, também não lhes ficaria mal falar do clima de intimidação que se criou em 1974 e 1975, que aberrantemente deslocou para esquerda (onde continua) o nosso sistema partidário. A excursão à Tunísia acicatou com certeza outros teóricos da nossa praça, que se especializaram numa segunda espécie de “transição”: a do poder militar para o poder civil. Imagino que esperam vir a ensinar o Egipto, que manifestamente anda precisadíssimo de professores. Segundo o antigo ministro da Defesa Nuno Severiano Teixeira, os militares portugueses foram impecáveis: não “modularam” o regime, fixaram uma data para se retirarem e criaram condições para eleições livres das quais saiu uma assembleia constituinte. Não se podia pedir mais. Severiano Teixeira só se esqueceu do Conselho da Revolução e do Presidente da República, de cuja confiança política o Governo dependia* e que era comandante-chefe das Forças Armadas. Não há ninguém para se se esquecer como os portugueses.»

Vasco Pulido Valente, Público

* Entre 1976 e 1983, com Eanes, não era exactamente como no PREC. O Vasco, aliás, deve estar perfeitamente recordado disso até porque "ajudou" o PR, democraticamente eleito e não "nomeado" pelo MFA, a explicar em que consistia a "confiança política" dele nos governos. Um são princípio que a revisão de 83 matou e que tão extraordinários resultados práticos tem dado sobretudo quando não há maioria no parlamento.

17.2.11

NÃO TÊM VERGONHA?

A forma "esperta" como o governo "resolveu" retroactivamente o não cumprimento cabal do princípio do sufrágio universal nas últimas eleições presidenciais, ocorreu através da extinção do número de eleitor. Pelo caminho, o PR correu o risco jurídico de não poder tomar posse e apenas se "extinguiram" dois directores-gerais. Ficou o ministro e uma patética cacique partidária (que já foi governadora civil e vereadora do comentador Costa) que é sua secretária de Estado. Não têm vergonha?

Duas notas no facebook:

«Se alguém estiver a ver a quadratura do círculo a partir de Marte e escutar o edil Costa, imaginará seguramente um grande doutrinador político-económico quando, afinal, não passa de um pequeno powerpoint ambulante sedeado algures entre o Rato e o Intendente.
»

«
"Estilo sóbrio do ministro Rui Pereira", "resiliência" do dito e mais tolices deste jaez diz Costa, comentador e edil, na sicn. Em breve inaugurará uma estátua ao dito Pereira algures entre o Rato e o Intendente. E é nisto que alguns pensam para suceder a Sócrates.
»



DA ÁGUA


Um despacho da Reuters, citando fontes da União, afirma que "Portugal está a afundar-se". Mesmo assim, todos os dias há sempre uma arara doméstica que vem fazer propaganda à água.

«O DISCURSO DO REI»


«(...) "Para mim, não há dificuldades, só desafios". O discurso condiz com a personagem. Desempenho competente. Tanta energia e talento emocionam. Mas, o pessoal que está desempregado, os empresários que se vêem "à rasca" (horrível expressão tão na moda) para pagar aos colaboradores, os recém licenciados sem perspectivas desafiadoras, os reformados que vivem com dificuldades e os trabalhadores precários sem estabilidade à vista, o que dizem ao treinador/bancário?

- Mourinho, querido, e se fosses para o caraças com a conversinha da treta?»


AS AVENTESMAS E O PÂNTANO


«Um governo minoritário esgota-se no calculismo semanal, quando não diário, que visa sobretudo a sua sempre difícil sobrevivência. É a regra: em vez de se ocupar do país, um tal governo vive concentrado em si mesmo. E o pior é que se corre o risco, primeiro, de ele se habituar a viver na instabilidade. E, depois, de ele descobrir um modo de viver da própria instabilidade, fazendo dela o principal argumento da sua permanência no poder. Como escreveu Pessoa, numa inspirada fórmula publicitária, há coisas que primeiro se estranham, mas depois se entranham... Neste estado de coisas, a recente moção de censura do Bloco de Esquerda é natural. Como naturais serão todas as outras, que os demais partidos já anunciam, enquanto se demarcam desta. E assim continuará a ser, até ao fim desta imprudente experiência minoritária, que se espera que sirva de lição e abra caminho à inscrição constitucional da sua impossibilidade ou, no mínimo, à adopção da "moção de censura construtiva" que - como acontece em Espanha ou na Alemanha, por exemplo - obrigue quem a proponha a apresentar também uma solução de governo. A "colossal irresponsabilidade" que Sócrates apontou, e bem, nesta iniciativa do Bloco, começou, contudo, em Outubro de 2009, com a simulação de negociações em carrossel com todos os partidos. Todos ignoraram então que, como um dia sublinhou Ítalo Calvino, "a obstinação em que assenta o poder nunca é tão frágil como no momento do seu triunfo". Mas ao optarem por um tacticismo de ocasião que a todos parecia convir, estavam na realidade a criar de novo as condições do pântano, de que agora ninguém sabe como, nem quando, se consegue sair.»


VERBOS DE ENCHER

"Derrubar" e "cair" são os verbos da moda na política portuguesa o que, desde logo, a define. Na vida propriamente dita, uma das coisas que não só não cai como se agrava é o desemprego. Isto é que verdadeiramente derruba qualquer um.

16.2.11

AS MARCHAS

O dr. Carvalho da Silva, o "Kim-Il" da CGTP, anunciou a enésima "manifestação nacional", em Lisboa, para o mês que vem. O dr. Silva já organizou milhares de manifestações e, curiosamente, nenhuma impediu coisa alguma ou cortou cerce qualquer catástrofe. A persistência neste folclore, por muito respeitável que seja, banaliza. E aborrece.

A FESTAROLA "LIBERTADORA"



Foto: Reuters

SOARES ERA FIXE


Faz hoje vinte e cinco anos que Mário Soares foi eleito PR. Foi a primeira e, até agora, a única vez em que um Chefe de Estado, neste regime, resultou da votação numa segunda volta. Tratou-se da mais longa e épica campanha eleitoral deste regime. Soares apresentou-se em Julho de 1985, ainda era 1º ministro demissionário do "bloco central", e apenas em 16 de Fevereiro de 1986 a coisa se resolveu contra Freitas do Amaral. Pelo caminho ficaram Lurdes Pintasilgo e Salgado Zenha. O resumo desta "aventura" consta de um texto de Vasco Pulido Valente publicado no livro Retratos e Auto-Retratos e que pode ser lido aqui. Como "jovem" e, à altura, do PSD, integrava o MASP (o "movimento de apoio Soares à Presidência) e fiz o que pude. Estive no Porto, em Alhandra (onde os carros da caravana levaram valentes murros), em Setúbal, andei por Lisboa. Tratou-se da última grande disputa eleitoral do regime já que as maiorias de Cavaco tinham vencedor anunciado. Não me arrependi. All in all, Soares foi um bom PR e as gerações de agora dificilmente entenderão por que o digo (e nem sequer me apetece explicar). Sobretudo porque estão "frescos" o desaire da terceira candidatura de 2006, o inexplicável apoio ao "kim-il-socratismo" e os desvelos "chavistas". Mas naquele dia 16 de Fevereiro de 1986 Soares era, realmente, fixe. E nós, em certo sentido, também.

Adenda (da noite): Lamento que alguns leitores não consigam olhar friamente para estas coisas e se percam em comentários obtusos e previsíveis. Acabam por fazer o papel inverso dos panegiristas ex-validos de Soares, aliás, bem representados por dois deles num fraquíssimo documentário que passou na tvi. Por exemplo, tal documentário não aproveitou cabalmente um depoimento importante para perceber os primeiros anos do regime como sempre seria o de Medeiros Ferreira, o MNE do 1º governo constitucional que, em nome de Portugal, solicitou a adesão à então CEE (sim, sou amigo de MF e já estou em bom tempo para seleccionar os amigos que ficam). De resto, a Soares ficaremos sempre a dever esse gesto político fundador que consistiu precisamente na presença na Europa apesar do que está a acontecer. Parece-me elementar.

AS ONDAS


Pela primeira vez em muitos anos temos um governador do Banco de Portugal que, aparentemente, não existe para tapar o sol com uma peneira. Apesar das peneiras que persistem e da realidade. «Entre os raros que ainda velam o fogo, a maioria isola-se nos seus túneis. Provavelmente, o menos que podemos dizer desta situação é, sem dúvida, que não se trata de uma época favorável às grandes sínteses. (Sloterdijk)» Parece que entretanto se anunciam ondas com dez metros na costa portuguesa. Umas quantas de trinta que engolissem isto de vez e não se perdia nada.

15.2.11

NOTÍCIAS DA PERIFERIA DA GERMANIA



Boa pergunta, a de Medeiros Ferreira. Fora a parte da "confiança" porque se há alguma entidade política que, claramente, não merece pingo dela é o governo a quem foram (e estão a ser) dadas todas as condições para governar (o PSD até devia votar contra o BE em vez de se abster porque, como disse Passos, ainda é tempo de o PS governar). Quanto ao Bloco "de gauche", o famoso dia 10 de Março marcará o irreversível declínio desses herdeiros do PSR, da UDP e de meia dúzia de ex-comunistas despeitados. Qualquer esquerda que "confie" em gente desta laia, condena-se ao fracasso. Manuel Alegre, por exemplo, até pode explicar em livro como a mínima intimidade com o Bloco prega imediatamente o primeiro incauto a uma tábua.

Foto: Die Walküre, Wagner. Opéra Bastille, Paris. Junho de 2010.

É MESMO ASSIM


Algumas reverências da "direita" viram há tempos em Luís Amado uma "hipótese" para o lugar de Sócrates. Amado, cuja perspicácia política é praticamente nula, levou-as a sério e, pior do que isso, levou-se a si próprio a sério. Cada frase sua era vista como um oráculo (o que diz tudo acerca das elites políticas caseiras) e, sobretudo, como um putativo ataque a Sócrates. Como lhe competia, Sócrates não permitiu que o sapateiro fosse além da chinela. E Amado ficará para a pequena história como um esquecível MNE, mero burocrata executante de mandatos superiores. Ora o nosso Amado esteve presente num Conselho de MNE's da União Europeia no qual foi apresentada uma moção de condenação às perseguições religiosas. Os representantes dos vinte e sete estados-membros apenas "mantiveram uma troca de pontos de vista sobre a liberdade de religião e de crença porque cinco países membros, entre os quais Portugal, vetaram a moção. Há matérias acerca das quais a correcção política deixa de o ser para passar a alarvidade política. Levar a laicidade ao extremo de "igualizar" coisas que não são, de todo e historicamente, equivalentes, limitando a liberdade religiosa por omissão, fica mal a qualquer pessoa de bem. Mas a um pusilânime não fica nem bem nem mal. É mesmo assim.

E NÃO SE PODE EXPORTAR?


Ontem furtei-me à D. Fatinha Campos Ferreira. Preferi ler porque percebi que se preparava grossa propaganda, isto é, da mais palonça que costumeiramente brota daquela sublime cabecinha. Todavia, um leitor acompanhou o féretro até ao fim e, olhando aos antecedentes, não há motivos para duvidar da sua palavra. «A dona fatinha dos prós, está feliz e isso é que importa.É vê-la com o residente Basilio export-import, falar de sapatos e de toalhas turcas e igrejas classificadas que até os chineses compram. Quem disse que Portugal não é um País exportador? Dona Fatinha deve integrar o almanaque-futuro-próximo deste regime ao nível das senhoras do movimento nacional feminino que acreditavam no salazar. Ela é toda situação e a madame de uma casa portuguesa, com certeza. Noites de fado e paródia, as segundas-feiras da madama na televisão dos 300 milhões por ano.» Uma querida, portanto. A exportar.

14.2.11

CESURAS

A moção de censura anunciada por Louçã e pelos seus (um não assunto como quase toda a política portuguesa actual), a avaliar pelas reacções de uns quantos afins (de Louçã e dos seus), é mais uma moção de cesura do que outra coisa qualquer. Mas Louçã está quase tão contente com ela como Sócrates com o "crescimento" anão, em 2010, de uma economia manifestamente em recessão. Duas demagogias que se completam.

CADÁVERES ESQUISITOS


Gabriela Canavilhas deve imaginar-se a primeira ministra da cultura de Portugal. Vai daí, cavalga as suas próprias trapalhadas em torno da indefinição estutária dos teatros nacionais e "projecta" uma "rede" de teatros municipais, projectada ainda ela estava longe de sonhar com o cargo. Também "promove" um "fundo de apoio à internacionalização" da cultura portuguesa, com a preclara fundação edp, como se nunca antes tivesse havido apoios para isso. Os organismos sob a tutela política de Canavilhas, de uma maneira geral, são uma espécie de cadáveres em férias de qualquer função "cultural" ou de uma qualquer e vaga ligação da "cultura" com a sociedade. Os teatros nacionais vagueiam na maior das indiferenças e no maior dos equívocos em matéria de produção artística. Não há ópera e o São Carlos vegeta no esplendor da sua insignificância periférica depois de se ter aproximado do melhor que se faz Europa fora. Os museus definham, paupérrimos e envergonhados. Canavilhas é apenas mais um mandarim do marketing rasca num governo cheio deles.

O MAR POR UM CANUDO


Portugal tem duas fronteiras. A marítima, que em tempos idos nos proporcionou venturas, e a terrestre com Espanha que facilitou a perda da soberania na ordem externa a partir de 1580. Este "dado" histórico foi recentemente actualizado e a fronteira terrestre praticamente desapareceu, prolongando-se até à Alemanha. Aliás, ambas as soberanias, interna e externa, fora os ademanes institucionais decorrentes do exercício do voto, apresentam-se mais retóricas do que outra coisa qualquer. A costa portuguesa deu-nos, por consequência, muitas alegrias até o governo de Sócrates, pela mão do iluminado Pinho, lembrar-se das pacóvias manobras de propaganda que respondem pelo nome de "west coast" e "allgarve". Com isto, a dita costa passou a ser vista mais como a "ocidental praia" da Europa centrada na Alemanha e menos como um país a ser levado a sério. O tropismo começa logo na própria costa e cá dentro de casa. Sabe-se agora que o governo desligou os radares de vigilância de costa e que a mesma é assegurada por cinquenta binóculos e vinte câmaras portáteis. Tanta "modernidade" e é preciso olhar o mar por um canudo. É a tragédia de um "choque tecnológico" ridículo que, sem mais, acaba morto na praia.

13.2.11

MODO DE INTERPRETAR


«Eu exprimo-me livremente e acho que faz parte da liberdade de todos os militantes afirmarem se são ou não são candidatos no momento em que eles quiserem dizer se são.» Isto foi o que Manuel Maria Carrilho disse ontem na tvi. A partir daquilo que ele disse, a interpretação mais divulgada nos "órgãos" é a de que Carrilho praticamente se instituiu candidato a secretário-geral do PS. Interpretar consiste em produzir conjecturas ou cálculos sobre as intenções dos outros. Neste caso, não interpreto. Apenas constato que Carrilho não costuma andar a toque de caixa de ninguém. Isso, de certeza, ele disse.

OS TEMPOS DO "TRANS WORLD"



Saudades de um tempo sem globalização mas com "trans world". (Daqui)

À ATENÇÃO DO IDEALISMO ADOLESCENTE EM MODA


«Não percebo por que razão os políticos divagam e os jornais se entusiasmam. Não chegou o delírio democrático depois da queda do muro e do colapso da URSS, para perceber que uma insurreição popular não leva forçosamente a uma democracia? Nem sequer chegou o exemplo português de que um pequeno partido, com influência ideológica e bem organizado, pode facilmente corromper os militares e tomar conta do Estado? Os manifestantes da praça Tahrir, um conjunto heterogéneo de descontentes, conseguiram de facto correr com Mubarak. Mas porque o Exército (nestas coisas, a Força Aérea e a Marinha não contam), que era o árbitro desde o primeiro momento, o abandonou. Foi o Exército que uniu a oposição e que, em última análise, tinha os meios de agir. Por muito que doa ao idealismo adolescente em moda, civis sem armas não derrubam ditaduras. Barak Obama disse logo que a "revolução" (?) do Egipto o inspirara. Também, segundo consta, inspirou a Liga Árabe, o Irão, o Hezbollah e o Hamas. Isto devia dar que pensar a Obama e à "Europa". Infelizmente não deu. Até a pobre Suíça, com a sua prudência, congelou as contas de Mubarak. Ninguém no Egipto vai agradecer à ingenuidade do Ocidente e, sobretudo, ninguém espera que eleições livres (a mezinha do costume) refaçam um regime e uma ordem civil tolerável. Em primeiro lugar, não há - e tão cedo não haverá - partidos democráticos. Em segundo lugar, há a Irmandade Muçulmana, cujo nome fala por si (apesar da mansidão que ultimamente exibiu). Em terceiro lugar, há 80 milhões de habitantes, na maioria miseráveis, dispersos por um país sem fim. No meio disto, e presumindo a mais do que provável (se não inevitável) interferência do Irão, como imaginar que se resolveria fosse o que fosse com eleições? O único resultado seria quase com certeza o alargamento e o reforço da "Irmandade Muçulmana". O Ocidente continua a persistir que a democracia ("a liberdade") é uma fórmula política. O pior é que não é - é uma forma de civilização, que mesmo na Europa levou dois séculos de conflito, interno e externo, para se impor e que exige a existência prévia de uma cultura "iluminista" (de qualquer espécie: francesa, inglesa ou alemã...) e de um Estado decididamente secular. Se o Egipto, que nunca pertenceu, nem temporariamente, ao mundo democrático se sair deste aperto com uma ditadura militar, menos brutal e menos corrupta do que a de Mubarak, já é uma sorte. Uma grande sorte.»

Vasco Pulido Valente, Público


Nota: Entretanto, o PREC egípcio já fez as primeiras vítimas. O Museu do Cairo foi vandalizado pelos "revolucionários democráticos" e desapareceram pelo menos três peças de valor inestimável fora as tradicionais peripécias da pura e estúpida destruição. Aquela gente não muda a sua natureza pelo simples facto de ter o focinho no facebook e acesso à internet. Os milhares ou milhões de manifestantes que tão túrgidos derrames têm provocado ao "ocidente" - entre nós, é ler os jornais ou os blogues para se perceber até onde pode chegar a idiotia colectiva - constituem uma sociedade que não se distingue propriamente pelo "progresso" intelectual, pelo cosmopolitismo dos costumes ou pelo respeito do "outro". A mania que se pode exportar a democracia para todo o lado (os EUA fomentam democracias e ditaduras à vez) releva da mais pura ignorância, aquela que, aos poucos, vai enterrando uma certa "ideia de ocidente" à custa da tolice multicultural.

A NAVE DOS LOUCOS


Há oito dias, directamente de Luanda, Marcelo declarou o governo morto. Ou seja, "criou" um "facto" político que consistiu na abertura do concurso público das moções. Podem ser de censura mas nada impede que o governo possa "concorrer" com uma de confiança. O dr. Louçã (parece que, afinal, é mais ele e menos o BE) já anunciou a inscrição na primeira modalidade com um mês de antecedência. Jerónimo está morto para o fazer, o senhor "95%" do CDS também e Passos, com alguma sorte, deverá guardar-se para melhor ocasião (convém que alguém mantenha um módico de lucidez). Esta noite, o referido Marcelo fará a síntese da primeira fase do concurso e anunciará a segunda. E assim sucessivamente. Imagino que, visto de fora, este edificante espectáculo contribua para o bem estar da credibilidade externa desta coisa.