«Será que Manuel Alegre acredita, de facto, em tudo o que diz de si próprio e do mundo? Numa semana em que se falou tanto de Cavaco, talvez valha a pena examinar este candidato da "esquerda". Comecemos pelo que ele não é. Não é o candidato do PC, porque é ostensivamente o candidato do PS e de Sócrates. Não é, no fundo, o candidato do PS e de Sócrates, porque é o candidato do Bloco. E não é, tanto quanto se percebe por um protesto ou outro mais severo, o candidato incondicional do Bloco inteiro. O que lhe fica, fora Louçã e meia dúzia de socialistas desirmanados, não chega para o levar a parte nenhuma, a não ser provavelmente a um grande desgosto. De resto, pouco se tem visto e o país não mostrou até agora um especial entusiasmo pelo género de salvação que ele promete. Isto, aparentemente, não o abala. Anteontem, andou pela Beira a distribuir uma curiosa profecia. "Se eu perder", preveniu ele o PS, "perdemos todos". Não bastava ao misérrimo PS o peso da crise, o peso da dívida, o peso do défice e o peso do nosso bem-amado primeiro-ministro. Alegre também o carregou agora com o fardo, não inconsiderável, do seu apetite por Belém. O PS, presumo, está espalmado; e já não consegue respirar. Mas nem a falta de audiência (50 melancólicos militantes) dissuadiu Alegre de fazer ameaças. A direita, acha ele, quer a maioria (absoluta, claro), o Governo e o Presidente para "desmantelar o Estado social". O que o leva de repente a brandir a iminência desta horrível catástrofe perante o assombrado povo de Lamego ninguém ainda conseguiu saber. De qualquer maneira, Alegre sente o perigo. O perigo de Cavaco, mais precisamente, que só pensa em "fomentar" o retrocesso civilizacional através do cálculo (económico?), do politicamente correcto (?) e da "manobra", com certeza maquiavélica e secreta, de alguns comentadores. Se um tal ogre prevalecer, acaba o ensino público, acaba o Serviço Nacional de Saúde e acabam, evidentemente, as "conquistas de Abril". Que resistência ele prepara a este "ataque da direita" Alegre não revela. Não se pronunciou sobre o orçamento ou sobre a greve geral (suponho que para não irritar o PS). E, apesar do futuro apocalíptico que espera a pátria, o silêncio paira. Manuel Alegre poupa as palavras como nunca as poupou. Só não nos poupa a figura triste de uma candidatura sem sentido ou destino.»
Vasco Pulido Valente, Público
1 comentário:
lapidar.
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