Quando, antes e depois do livro de poesia Dedicácias, Jorge de Sena - e recorro a Sena por o conhecer melhor enquanto poeta, correspondente e ensaísta, mas posso chamar o Assis Pacheco, o Nemésio da Marga ou outros - muita gente se indignou pela crueza vernacular de alguns versos, não podiam imaginar que o "caralho" para onde, vezes sem conta, remetemos tanta dessa gente, acabaria por fazer, literalmente, jurisprudência no Tribunal da Relação de Lisboa. Trata-se de um «um sinal de mera virilidade verbal», uma «muleta oratória» não desprestigiante para quem a sofre. Sumariando: «Segundo as fontes, para uns a palavra “caralho” vem do latim “caraculu” que significava pequena estaca, enquanto que, para outros, este termo surge utilizado pelos portugueses nos tempos das grandes navegações para, nas artes de marinhagem, designar o topo do mastro principal das naus, ou seja, um pau grande. Certo é que, independentemente da etimologia da palavra, o povo começou a associar a palavra ao órgão sexual masculino, o pénis. E esse é o significado actual da palavra, se bem que no seu uso popular quotidiano a conotação fálica nem sequer muitas vezes é racionalizada. Com efeito, é público e notório, pois tal resulta da experiência comum, que CARALHO é palavra usada por alguns (muitos) para expressar, definir, explicar ou enfatizar toda uma gama de sentimentos humanos e diversos estados de ânimo. Por exemplo “pra caralho” é usado para representar algo excessivo. Seja grande ou pequeno demais. Serve para referenciar realidades numéricas indefinidas (exº: "chove pra caralho"; "o Cristiano Ronaldo joga pra caralho"; "moras longe pra caralho"; "o ácaro é um animal pequeno pra caralho"; "esse filme é velho pra caralho").Por seu turno, quem nunca disse ou pelo menos não terá ouvido dizer para apreciar que uma coisa é boa ou lhe agrada: “isto é mesmo bom, caralho”. Por outro lado, se alguém fala de modo ininteligível poder-se-á ouvir: "não percebo um caralho do que dizes" e se A aborrece B, B dirá para A “vai pró caralho” e se alguma coisa não interessa: “isto não vale um caralho” e ainda se a forma de agir de uma pessoa causa admiração: "este gajo é do caralho" e até quando alguém encontra um amigo que há muito tempo não via “como vai essa vida, onde caralho te meteste?”. Para alguns, tal como no Norte de Portugal com a expressão popular de espanto, impaciência ou irritação “carago”, não há nada a que não se possa juntar um “caralho”, funcionando este como verdadeira muleta oratória. Assim, dizer para alguém “vai para o caralho” é bem diferente de afirmar perante alguém e num quadro de contrariedade “ai o caralho” ou simplesmente “caralho”, como parece ter sucedido na situação em apreço nestes autos. No primeiro caso a expressão será ofensiva, enquanto que, ao invés, no segundo caso a expressão é tão-só designativa de admiração, surpresa, espanto, impaciência, irritação ou indignação (cfr. Dicionários da Língua Portuguesa da Priberam e da Porto Editora 2010). (...) Será menos própria numa relação hierárquica, mas está dentro daquilo que vulgarmente se designa por “linguagem de caserna”, tal como no desporto existe a de “balneário”, em que expressões consideradas ordinárias e desrespeitosas noutros contextos, porque trocadas num âmbito restrito (dentro das instalações da GNR) e inter pares (o arguido não estava a falar com um oficial, subalterno, superior ou general, mas com um 2º Sargento, com quem tinha uma especial relação de proximidade e camaradagem) e são sinal de mera virilidade verbal. Como em outros meios, a linguagem castrense utilizada pelos membros das Forças Armadas e afins, tem por vezes significado ou peso específico diverso do mero coloquial.» Vá lá. Ainda há soldados.
5 comentários:
Além da variante 'carago' (tão frequente na boca dos nortenhos, como se sabe), ouvi muitas vezes, no Minho, a expressão 'carai', com o mesmo significado.
Anónimo de há pouco que estranho o que Sena fazia por aqui.
Entretanto, li o post até ao fim. Tem razão.
Um Acórdão do caralho que veio foder toda a puta da tradição jurisprudêncial e mais os merdosos dos Principios de Direito.
A partir de hoje vou passar a substituir a mesureira expressão "douta" por caralho, p.expl. "douta senença" por "caralho da sentença".
Nos recursos termino com :
Assim se fará a habitual puta de Justiça! ou, mais simples: JUSTIÇA CARALHO!
No fundo é linhguagem de caserna jurídica!
E houve aquela minhota, que numa visita presidencial,
exclamava para o PR (Eanes):
há meu presidente do c...
JB
Ainda há soldados, mas poucos!
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