«Somos poucos mas vale a pena construir cidades e morrer de pé.» Ruy Cinatti joaogoncalv@gmail.com
6.2.09
«QUE FAREI QUANDO TUDO ARDE?»
Dezarrezoado amor, dentro em meu peito
tem guerra com a razão. Amor, que jaz
i já de muitos dias, manda e faz
tudo o que quer, a torto e a direito.
Não espera razões, tudo é despeito,
tudo soberba e força, faz, desfaz,
sem respeito nenhum, e quando em paz
cuidais que sois, então tudo é desfeito.
Doutra parte a razão tempos espia,
espia ocasiões de tarde em tarde,
que ajunta o tempo: em fim vem o seu dia.
Então não tem lugar certo onde aguarde
amor; trata treições, que não confia
nem dos seus. Que farei quando tudo arde?
******
O sol é grande, caem co'a calma as aves,
do tempo em tal sazão, que sói ser fria;
esta água que d'alto cai acordar-m'-ia
do sono não, mas de cuidados graves.
Ó cousas todas vãs, todas mudaves,
qual é tal coração qu'em vós confia?
Passam os tempos, vai dia trás dia,
incertos muito mais que ao vento as naves.
Eu vira já aqui sombras, vira flores,
vi tantas águas, vi tanta verdura,
as aves todas cantavam d'amores.
Tudo é seco e mudo; e, de mestura,
também mudando-m'eu, fiz doutras cores:
e tudo o mais renova, isto é sem cura!
Sá de Miranda
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3 comentários:
O sol é grande, caem co'a calma as aves,
do tempo em tal sazão, que sói ser fria;
esta água que d'alto cai acordar-m'-ia
do sono não, mas de cuidados graves.
Ó cousas todas vãs, todas mudaves,
qual é tal coração qu'em vós confia?
Passam os tempos, vai dia trás dia,
incertos muito mais que ao vento as naves.
Eu vira já aqui sombras, vira flores,
vi tantas águas, vi tanta verdura,
as aves todas cantavam d'amores.
Tudo é seco e mudo; e, de mestura,
também mudando-m'eu, fiz doutras cores:
e tudo o mais renova, isto é sem cura!
É bom que alguém se lembre da poesia de Sá de Miranda, porque é um dos grandes poetas da nossa literatura, para além de ser, como ele diz "Homem dum só parecer,/dum só rosto e d'ua fé/d'antes quebrar que volver", coisa que, como sabemos, não é fácil encontrar nos dias que correm. E já ele se queixava da vida na corte...
Já que estamos 'numa' de literatura ...
As SS de herr hitler 'quase' exterminaram os judeus.
O SS de herr Sócrates, um príncipe da oratória, de elegante dialéctica, também 'quer' exterminar: o 'rapaz' não olha a credos.
Os vírus pigmeus são os mais 'venenosos', são mortais.
Obrigado por dar relevo ao poema que eu ontem enviei a propósito de ter-se lembrado de Sá de Miranda. Fico emocionado ao ler o que este português do século XVI escreveu. Os dois poemas são, sem dúvida, importantes para reflexão. Rodrigues Lapa diz que o soneto "O sol é grande..." é um dos mais misteriosos de toda a nossa literatura. E eu, na minha modesta opinião, penso que ele tem toda a razão.
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