17.2.09

DESTRUIÇÃO E DERROTA


Parece que cada vez mais portugueses andam no psiquiatra e a comprimidos. Não admira. Num país onde não abunda a imaginação, em que vigora o mais rigoroso "amiguismo" e no qual a ambição cega não raras vezes substitui a inteligência e o esforço, dificilmente alguém se aguenta sem outra coisa qualquer. A sociedade actual nutre um profundo desprezo pelas emoções embora desenvolva "teses" e mais "teses" sobre a chamada "inteligência emotiva" que apresenta como um bem "democrático". Não se pode pedir às pessoas que sejam "racionais" quando, praticamente vinte e quatro horas por dia, vivem rodeadas de gente sem palavra e sem honra. Nunca a expressão "mundo cão" foi tão realista apesar de ofensiva para os nossos mais certos amigos. A fragilidade de tudo abana até o mais vigoroso optimista. Enfrentar a complexidade não diminui ninguém. Pelo contrário. Numa das poucas coisas interessantes que Hemingway escreveu, jaz aquela célebre frase: um homem pode ser destruído mas não pode ser derrotado. Esta anomia colectiva e pessoal em que vegetamos destrói-nos, de facto, mas não nos derrota. Para aqueles que a "vida material" abandonou, fica a certeza "nietzschiana: "o que não me mata torna-me mais forte."

9 comentários:

Daniel Santos disse...

"Não se pode pedir às pessoas que sejam "racionais" quando, praticamente vinte e quatro horas por dia, vivem rodeadas de gente sem palavra e sem honra. Nunca a expressão "mundo cão" foi tão realista..."

Nem mais!

caozito disse...

Com o agravamento das condições sociais, devido ao alastrar da já bafienta crise, está na altura do venerável Constâncio do bp "alertar" para a contenção de salários ... dos outros.

Recordista, incontestado, de prognósticos 'certeiros', o ilustre e insubstituível banqueiro prevê que o desemprego aumente durante o ano, devido à débil situação empresarial e de que derivam os 'modernos' "despedimentos colectivos".

A minha última (e frágil, diga-se) esperança é que esses "despedimentos colectivos" tenham algo de MUITO positivo: atinjam este governo que desgoverna ... e que esse tal de Vasco, do jugular, apanhe os cacos.

Anónimo disse...

Todos os dias, quer na rua, quer na rádio ou na tv, deparo-me com um país triste e um povo conformado e humilhado.

Voltámos ao "portugal a preto e branco" dos anos cinquenta onde a canga e a fatalidade são o pão- nosso-de-cada-dia.

Penso que foi o rei dum pequeno país, o Butão, situado nas faldas dos Himalaias, que disse um dia, e "a contrario" do economicismo vigente, que estava mais empenhado
na "felicidade interna bruta" do seu povo.

Ora, nós, por esse índíce devemos estar no fundo da tabela.

Até os colombianos, com guerra civil e gangues de droga, são dez vezes mais felizes do que nós.

Algo está errado entre nós.

Até tenho uma explicação: muitos países, alguns bem pobres, têm governantes que governam a favor do seu povo; enquanto aqui os nossos "governantes" deliciam-se diáriamente a governar contra os portugueses, a mentir, a aldrabar e a esfolar o pobre contribuinte.

Anónimo disse...

Citando o genial Friedrich Nietzsche:

"Odeio as almas estreitas, sem bálsamo e sem veneno, feitas sem nada de bondade e sem nada de maldade."

Dedicado a algumas "almas penadas" que arrastam os pés na blogosfera situacionista e contentinha com a nossa má-sorte.

Anónimo disse...

Parabéns, J.Gonçalves!
O seu "post" define, com a habitual perspicácia, as causas do mau estar geral que se instalou na sociedade portuguesa, e que a vai corroendo e afundando...
Enquanto as abantesmas que se apoderaram do País não forem corridas, a pontapé e à bengalada, daqui para fora, Portugal não pode aspirar a ser um lugar de paz e de trabalho, uma sociedade justa e ordeira.
Anelamos pelo dia em que esta súcia de ineptos e de corruptos seja banida do País!

joshua disse...

Assiste-me uma desesperada loucura e bebés ao colo todos os dias, enquanto escrevo escravo e escarro: não andamos muito longe de que as pedras da avenida façam as vezes das gentes sem guarida.

Aladdin Sane disse...

É que, com tanta (e cada vez mais) gente ensandecida à nossa volta, a tendência por vezes é "go with the flow".

Anónimo disse...

Concordo e sinto o mesmo, antipático João Gonçalves. Mas devo dizer que penso que este "mundo cão" é obra de nós todos. A classe política e as nossas "elites", são o espelho de "nós", enquanto povo. Em última análise, somos nós todos que lhes permitimos serem dirigentes e membros destacados da sociedade. A eles entregamos o governo da nossa vida colectiva e fazemos deles exemplos a seguir.

Vivemos "rodeados de gente sem palavra e sem honra", na rua, nos transportes públicos, no carro ao lado do nosso na fila de trânsito, no supermercado ... Somos todos ávidos a exigir o que nos é devido mas somos os primeiros a tentar fugir às nossas obrigações e responsabilidades.

Até às nossas obrigações e responsabilidades mais fundamentais tentamos escapar: por ser mais fácil e cómodo, substituímos por géneros a "árdua tarefa" de EDUCAR e transmitir VALORES aos nossos filhos (roupas de marca, telemóveis topo de gama, consolas e respectivos jogos, carros, etc., tipo menino exige aos berros, menino tem ... A professora diz que o menino vai ter má nota porque não trabalha o suficiente? Vamos lá à escola dar-lhe um correctivo para ela não voltar a humilhar a criança...); por ser mais fácil e cómodo abandonamos os nossos velhos num qualquer lar de idosos, que lá há quem seja pago para os aturar, ...

(será de estranhar que aos 70 anos levemos uns "tabefes" do nosso petiz mais novo, entretanto com 35 anos, que apareceu lá em casa com a namorada depois do jantar, a exigir mais dinheiro?)

Não nos respeitamos e não respeitamos os outros. Não nos damos ao respeito de respeitar os outros e as suas opiniões. Afirmamos hoje categóricamnete uma coisa e amanhã fazemos o seu contrário, se isso nos der jeito. Não conseguimos ver para lá do fundo da nossa carteira ou conta bancária.

As "teses democráticas da inteligência emotiva" justificam o nosso egocentrismo, a nossa real (não teórica) falta de Solidariedade à qual se poderia chamar também Humanismo.

Hoje entende-se que um homem pode ser derrotado desde que não seja destruído, pelo menos acho que seria a conclusão de Zaratustra ao anunciar a chegada do Homem Superior, aos sub-homens do país das maravilhas da Alice, perante a "miséria moral e material do sítio".

P.S. - acho que isto já esteve pior. Pelo menos há hoje mais gente a por "o dedo na ferida".

Anónimo disse...

"Numa das poucas coisas interessantes que Hemingway escreveu, ...". AHAHAHAHAH. Impagável.