16.9.10

DECLÍNIO E QUEDA DE UM TEATRO DE ÓPERA




Há trinta e três anos, em Paris, morria Maria Callas. Escuso-me sublinhar quem foi. Em 1958, cantou La Traviata em São Carlos, altura em que o São Carlos tinha um director que é coisa que, desde a remoção de Paolo Pinamonti pelo governo da maioria absoluta socialista, nunca mais teve. Ignoro - e não me apetece saber quem é - o nome do que actualmente passa por tal. Este programa é um sinal do ponto de quase não retorno a que chegou o teatro lírico nacional. O único. Trata-se de uma falácia onde passam por "óperas" coisas que não temos a certeza que o sejam. Pelo menos não o são no sentido em que estamos habituados que sejam. De repertório, o São Carlos apenas assume uma Carmen em Junho ou, com benevolência "não repertoriana", um Janácek e um Humperdinck. Há Keil a abrir - seguramente por conta do nefando centenário - e umas parvoíces apelidadas de "contar uma ópera". Gabriela Canavilhas apadrinhou isto tudo com o seu sorriso levezinho e indiferente. O São Carlos, quando era vivo, recebeu os melhores intérpretes líricos do mundo. Aliás, faziam questão em vir cá. Agora o São Carlos prefere "contar" óperas em vez de as cantar. A saída do alemão Dammann augurava melhores dias. Puro equívoco. Callas desapareceu duplamente.

7 comentários:

floribundus disse...

a flor do miosotis usa-se como emblema da Maçonaria Inglesa com a designação de 'forget-me-not' (Vergissmeinnicht).
é que o São Carlos lhe exige.

o esquecido D. Fernando II conheceu nele, a sua 2ª mulher, a futura Condessa de Edla.

Anónimo disse...

«...o nefando centenário».
Já não é nada mau como justo adjectivo.

MINA disse...

De facto, vendo esta programação, conclui-se que ela nada tem a ver com a programação normal de qualquer teatro de ópera de uma capital europeia, ou mesmo de uma cidade mais modesta.

A ópera é um espectáculo caro, mas isso não invalida alguma imaginação e uma optimização de recursos.

As temporadas da Companhia Portuguesa de Ópera do Teatro da Trindade, da ex-FNAT, usando a prata da casa (cantores portugueses), apesar de algumas limitações vocais, eram mais apelativas que este programa do São Carlos.

Nada me move contra os checos, que parece serem a prioridade, mas o que se vê é a programação de uma orquestra e não de um teatro de ópera. Então Verdi, Wagner, Mozart, Strauss, Puccini, Rossini, Donizetti, já não existem? Valha-nos a Providência.

Marques disse...

O Fonseca Benevides morreu a tempo,pois se tivesse que continuar a sua história do "Real Theatro de S.Carlos" sofreria um ou vários AVCs paralizantes. E depois,não é só a pobreza da programação,é tambem a lenta destruição de um genuino gosto pela ópera que existia em Lisboa(mais do que em Madrid,onde agora felizmente viceja) e que alem das supostas élites,que não incluiam os "galinheiros",se prolongavam na verdadeira ópera popular do Coliseu em que por preços irrisórios se ofereciam algumas das melhores récitas do S.Carlos,com os mesmos cantores e com imenso sucesso num público variegado,à italiana. E não venham os imbecis de serviço falar em gostos elitistas e dispendiosíssimos,quando vemos a crescente popularidade da ópera não só em Madrid,Valência,Barcelona (onde sempre se manteve a tradição do "Liceu")mas no resto do planeta como se vê pela proliferação de cantores asiáticos,latino-americanos,afro-americanos,etc. Felizes os que,como dizia o outro,tiveram a sorte da "douceur de vivre" de poder ouvir não só a Callas uma vez,mas muitas vezes a Caniglia,o Gigli,o Gobbi,o Bechi,o Vinay, e depois as Cossottos,as Nilssons,as Stich-Randalls, o Corelli,o Kraus,e tantos outros. Julgo que é definitivamente uma época que se encerra,embora os sinais do desenlace já se vissem há alguns anos. Requiem pelo S.Carlos no dia do fim da Callas. Bom epitáfio.

PSC disse...

Mas será que nunca mais nos livram desta corja infame que nos (des)governa? Vergonha das Vergonhas! Que nojo!Porque não vão para a Antártica ou para a Terra do Fogo com uma caixa de fósforos e pouco mais?Que alívio seria para Portugal e todos os Portugueses pôr esta "gentinha" fora daqui nos próximos 100 anos!

Anónimo disse...

Pois, desta vez bateu no fundo. Ultraperiferia. Renascera algum dia esta fenix que ainda e dos poucos da sua epoca que nao arderam? Quando perceberao a licao que se pode tirar de Madrid Valencia e Barcelona de atrair outros publicos,favorecendo o tu
rismo, com impacto na economia?
Carlos F

Bartolomeu disse...

Caro Marques,

Toma-se boa nota por conhecer a obra de F. Benevides ainda que revele desconhecer largamente o seu conteúdo. Na realidade, o F. Benevides não teria AVC nenhum nem muito menos sentiria espanto, muito menos se soubesse que o São Carlos estava para fechar em Dezembro próximo para não mais abrir. No seu Real Theatro de S. Carlos de Lisboa reside igualmente um levantamento minucioso de crises artísticas e administrativas vividas nos primeiros 100 anos do teatro descritas pelas causas, números, nomes e apelidos. Factos que não nada ficam atrás deste (antes pelo contrário) ensinando ser este um momento cíclico como/entre tantos outros.

Dando uma pequena imagem dessas ocorrências, e para a consciência da gravidade dos assuntos, em resumo de F.B, o pique da primeira crise vivida foi há rigorosamente 200 anos, e, tendo começado no contexto das Guerras Peninsulares, durou de 1808/1818. Uma outra crise, desta, mais longa e profunda, ocorreu curiosamente há rigorosamente 100 anos tendo começado a 05 de Outubro de 1910. Mal visto politicamente, como sinónimo de expressão e representação monárquica, procedeu-se ao encerramento geral do teatro (também por falta de finaciamento e a degradação da sala/teatro) abrindo ocasionalmente sem temporadas regulares durando este interregno até 1946 - quando se restaurou e reabriu o teatro. Passou então em 1910 a ser o Coliseu de Lisboa a sala de ópera/espectáculos da cidade por ser menos elitista e mais adequada à representação republicana, assegurando-se assim, no âmbito privado do Sr. Covões, o papel que antes pertencera ao São Carlos. O maior contributo, como bem referiu, foi o facto da cidade (massas, povo, toda a gente/pessoas) gozar “de um genuíno gosto pela ópera”. Como conta o R. Vieira Nery em resultado desta educação, até as classes operárias sabiam identificar as árias da Traviata. Desta função resultou a tradição do São Carlos fazer uma récita popular nesta sala (consultar a biografia do Dr. Mário Moreau sobre o assunto – Coliseu dos Recreios: Um Século de História).


Já agora, conhece a razão do sucesso do São Carlos nos anos pós-guerra? Dada a neutralidade nos tempos do conflito, o São Carlos era um dos únicos teatros europeus que não tinha sido destruído permitindo condições de actuação. Na realidade, não havia dinheiro nesse tempo, nem nunca houve, mas o facto de Lisboa ser escala entre Itália e a América do Sul (vulgo o Colon de Buenos Aires ou o teatro do Rio de Janeiro) permitiu que as brilhantes companhias do Gigli/Caniglia/Bechi se apresentassem por cá a título e condições excepcionais e por essa razão, o Dr. José de Figueiredo sempre gozou de boa fama. O declínio começou com o fim das viagens marítimas e das companhias de ópera. E repare, as grandes estrelas dos anos 70 e 80 nunca cá cantaram. Exceptuam-se P. Domingo, no Otello, e J. Carreras, um concerto acompanhado de piano. Luciano Pavarotti esteve apenas indiciado para vir cantar um Edgardo nos anos 60, quando era ainda desconhecido. Já agora faço nota das tais condições excepcionais para o tenor Alfredo Kraus que por cá actuava com um cachet muito abaixo do seu valor de super-star, precisamente pela Traviata de 58 que o catapultara para a fama.

Sabendo ainda que o F.Benevides é uma obra rara, tendo eu a felicidade de possuír um exemplar autêntico, disponibilizo apenas este link da obra, da B.N.P.:

http://purl.pt/799/1/

Bem-haja