19.9.10

A LITERATURA NÃO ENDIREITA O ÓRGÃO ESPIRITUAL DO HOMEM


Muita gente - académicos, prémios Nobel ou da Betesga, escrevinhadores simples e "complexos", ensaístas a sério ou a brincar, etc., etc. - morreu sem chegar a uma conclusão acerca do "é" da literatura. Aliás, pelo mundo fora, milhares de pessoas continuam atrás dele e a prova consistente disso mesmo reside em outros tantos milhares de livros que revelam (brilhante ou irrelevantemente) essa busca. Por isso é mais verosímil dizer do referido "é" da literatura aquilo que ele não é. Aparentemente foi o que Nabokov conseguiu dizer em meia dúzia de palavras que antecedem o livro da foto (Desespero, ed. Teorema, 2010), das quais Ana Cristina Leonardo deu ontem nota na recensão que elaborou para o Expresso. «Não tem comentário social a fazer, não traz mensagem nos dentes. Não endireita o órgão espiritual do homem nem mostra à humanidade a saída justa. Contém muito menos "ideias" do que qualquer um desses ricos romances populares tão histericamente aclamados na curta câmara de eco entre o aplauso e a vaia.»

6 comentários:

joshua disse...

Canso-me de o dizer à f. ou ao Pitta, mas um não me publica os comentários e o outro já não os admite, o que, convenhamos, é muito pouco democrático e moderno.

Anónimo disse...

"O órgão espiritual do homem" está murcho, flácido, borbulha, patético, escondido timidamente entre a penugem, a meia-haste, pobremente caído de lado; na meia-idade; e precisando de laboriosas e bizarras fantasias para dar um ameaço ou um simulacro de rigidez. Quando tudo à volta é caos e decadência (as nossas mediocres vidas) a "literatura" resente-se disso e produz banalidade. Já nem na adversidade as Ideias nascem; "Elas" agora gostam mais de mundos calmos e previsíveis; os produtores de ideias já não são dados à boémia e à vida precária - mas sim dados à tranquilidade, à prosperidade, a poltronas cómodas de veludo e ao uso de conceitos e adjectivos fofos e confortáveis como sofás. Sem uma Ordem dominante e endinheirada para criticar e escarnecer, não há como propôr novidade e rebeldia. Já não há disso. Acabou com o fim do Ocidente.

Ass.: Besta Imunda

Ana Cristina Leonardo disse...

João, obrigada pelo link (que vai parar directinho, pelo menos por agora, ao VPV que ainda não emoldurei mas quase...).
-:)

Daniel Gonçalves disse...

"O Desespero" de Vladimir Nabokov já tinha sido editado em Portugal em 1991, pela Editorial Presença, Colecção Aura, portanto não é novidade em Portugal. A grande injustiça, também cometida com outros vultos da Literatura Mundial, foi não ter sido atribuído um Nobel a Nabokov.

Anónimo disse...

Nabokov, onde quer que ele esteja, agradece certamente a Deus (cuja serena face contempla) não ter sido armado cavaleiro dessa ordem-de-mérito-da-politiquice-correcta-e-do-flato-fácil, que é o nobel da literatura. Com ele estão muitos milhares de homens lúcidos, desde os alvores da escrita cuneiforme, lá para a Assíria e a Suméria. A maior parte, como gratificação em vida, só teve sofrimento e privação; e estavam disso conscientes.

Ass.: Besta Imunda

Ana Cristina Leonardo disse...

Daniel, por acaso, vem com uma nova tradução (o que está assinalado no meu texto)