«Sermos contemporâneos do nosso próprio tempo é algo que parece fácil - mas não é. Tudo, de resto, o dificulta: as palavras que herdamos e aquelas que aprendemos dificilmente conseguem apanhar a proliferação de inovações que constantemente se nos oferecem. As histórias que nos contam e os conceitos que nos ensinam resistem mal ao embate com a realidade, cujos aspectos inesperados e insólitos se multiplicam. As imagens que nos cercam impõem um regime de fascínio generalizado, que prende tanto a atenção como bloqueia a compreensão - seja de personalidades, de acontecimentos ou de factos. De tudo isto resulta a generalizada desorientação do nosso tempo: ideologias, filosofias, religiões, todos os sistemas de referência se tornaram descartáveis, opcionais, deixando os indivíduos entregues ao culto mais ou menos narcísico de si próprios, fragilizados e atordoados face a um mundo que parece ter apenas um traço claro e constante - o da sua permanente mudança. É esta situação que conduz à conhecida polarização entre arcaicos e modernos, entre os que defendem todas as mudanças e os que as diabolizam sem excepção. Polarização que, contudo, se revela muitas vezes bem enganadora, como se vê na maior parte dos debates, nomeadamente nos televisivos: os opositores convergem com entusiasmo na incompreensão das mesmas coisas, a querela reduz-se à reacção subjectiva que elas lhes provocam. O foco no eu ("eu" é de resto a palavra que mais se ouve nessas ocasiões) substitui a atenção ao mundo, como se se tratasse de um mero jogo de compères... Para se ser contemporâneo do seu tempo, é preciso outra grelha, são precisas outras lentes, que cheguem ao detalhe dos factos sem perderem a perspectiva dos acontecimentos: numa palavra, é preciso combinar a atenção com o conhecimento, dois bens cada vez mais escassos.»
Manuel Maria Carrilho, DN
3 comentários:
Um tempo desorientado
e com sistemas descartáveis,
neste mundo desbaratado
pelos ideais lamentáveis
É preciso combinar
dois bens indispensáveis,
a atenção luminar
com saberes pensáveis.
Tiro o meu chapéu.
O que é curioso é que Manuel Maria Carrilho contribuiu sem cessar para aquilo que critica.
Quem foi aluno dele sabe bem que é assim. Nas aulas, na actuação pública, nos textos escritos. Ao publicar o primeiro livro de crónicas alterou-as de forma obsessiva para coincidirem com as novas opiniões. A superficialidade ágil do seu "pensamento" é bem um exemplo da falta de atenção. Se repararem bem, para quem era um paladino da argumentação ele nunca argumenta. Lança uns dichotes com alguma agilidade de expressão. Pouco mais.
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