27.8.10

A "JUSTA PARTE"


«A confiança depende de uma compreensão clara do passado. Na América, em Inglaterra, até em França, os jornais discutem sem parar este ponto vital. Aqui é o que se vê: pouco mais que lamúrias. Quem se lembra, muito simplesmente, de perguntar: que erros se fizeram? Quem os fez? Quando? Com que consequências? A polémica fútil em que se tornou o debate público português parte desta ignorância (ou desta abstenção) geral. A vida não começou anteontem, ou, pelo menos, com a advento de Sócrates. Talvez tenha começado com Cavaco, continuado com Guterres, com Barroso e Santana e acabado agora (provisoriamente) com Sócrates. Mas se não se der a cada um - e a cada partido - a sua justa parte, não nos livramos de repetir a história deste melancólico e frustrado regime.» Isto escreve Vasco Pulido Valente no Público. Só que o nosso "passado" - aquele que nos conduziu ao malogro e às fantasias de hoje - não começou agora sendo o "agora" estes trinta e tal anos de democracia formal. Cada momento "heróico" da nossa ainda mais heróica história foi sempre mais um ponto de chegada do que um ponto de partida. Por exemplo, 1640, 1820 ou 1974, todos anos "de esperança" e de "libertação", deram no que foram dando. O último, então, não fosse dar-se o caso da Europa (o verdadeiro 25 de Abril "estrutural"), limitar-se-ia à instauração de uma farsa e à perpetuação de uma das mais medíocres nomenclaturas que a história de Portugal jamais conheceu, diga-se, em seu favor, indistinta das que, em geral, mandam no mundo e na sociedade que é genericamente a mesma (bronca) onde quer que se viva. Eanes garantiu que isto não se afundasse logo às mãos de meia dúzia de irresponsáveis. Soares "meteu-nos" na Europa e Cavaco "meteu" a Europa cá dentro, com décadas de atraso, como Pulido Valente explicou numa entrevista a Maria João Avillez. O resto pouco interessa. São personagens tão menores e esquecíveis quanto estimáveis. O facto de algumas delas terem chegado onde chegaram diz mais sobre nós do que sobre elas. Fomos nós que repartimos o mal pelas aldeias - "a justa parte" - escolhendo umas e eliminando outras e vice-versa. Temos tudo o que merecemos.

8 comentários:

floribundus disse...

a divida pública subiu em flecha partir de 1974 e exponensialmente depois de 95.
hoje comi falta de liberdade ao pequeno almoço.
vou almoçar charlatanice de feira.
ao jantar como o impresso do pagamento do irs.

joshua disse...

Os últimos dez anos assistiram a um assalto sem pudor e sem precedentes ao Estado. Sócrates significa as últimas e mais decisivas dentadas.

Temos de melhorar e ampliar a nossa capacidade de escrutínio dos poderes "eleitos" o que equivale quase a mudar de natureza, guerra civil que nunca tivemos.

Alexandre Carvalho da Silveira disse...

Em Portugal, todos os regimes justificaram os seus fracassos, com os regimes anteriores; para não ir mais longe, durante anos no pós 25/4/74 a justificação do nosso atraso eram os anteriores "48 anos de obscurantismo".
36 anos depois da reimplatação da Democracia, embora crescendo, continuamos a marcar passo, senão mesmo a regredir em relação aos nossos parceiros europeus.
Deve haver uma explicação para isto acontecer.
Na minha modesta opinião, o grande debate que devia estar a acontecer em Portugal neste momento, é porque é que isto aconteceu, e como poderemos como povo da Nação mais velha da Europa, dar a volta a esta fatalidade que parece ter caido sobre nós: nunca conseguirmos ser um país desenvolvido.
Não serve de consolo dizer-se que em 2008, antes da crise, os portugueses viviam melhor do que em 1970, por exemplo, porque em 1970, viviam melhor do que em 1930, ou 40 ou 50.
Quase quatro decadas depois, os Portugueses não teem desculpa por não terem conseguido dar o grande salto em frente.

S.C. disse...

Mas dói cada vez mais!

Anónimo disse...

Excelente texto, bravo.

Merkwürdigliebe

Anónimo disse...

É isso! Sem tirar, nem pôr.

Anónimo disse...

Sim. Muito bem exposto. A amnésia voluntária e ignara é-nos adversa e perpétua-nos historicamente na pequenez mental, tão agradável aos protagonistas deste círculo/circo-vicioso. À minoria conscenciosa e empenhada, o sofrimento imerecido. À maioria indiferente e apaticamente rasteira, o gozo pobre de uma vida banal e fatal. Para se sofrer é preciso estar consciente.

Ass.: Besta Imunda

Anónimo disse...

A pergunta que normalmente faço a mim próprio,é se haverá razão para se comemorar o centenário da república.
Em todos estes anos, exceptuando um ou outro político, que por circunstâncias várias ou por manifesto talento, fugiu da mediania,
não vislumbramos nenhum rasgo de lucidez e golpe de asa em quase todos os que, por ideologia pura ou por intermédio da partidocracia, se alcandoraram ao poder.
É realmente preocupante que, passados 36 anos, não tenha aparecido um político que deixasse marca indelével, e que mostrasse obra que orgulhasse todos os vindouros.
A mediocridade tem sido apanágio de mais de um quarto de século. Portanto , não admira que a nova geração se tenha alheado completamente da política.
Os actuais partidos, deviam ter nos seus estatutos, algo que obrigasse os novos aderentes a um curso intensivo de cidadania, respeito pelos valores cívicos, e acima de tudo, promover o desprendimento material e mais amor pela coisa pública. Só assim se criaria um espírito de confiança, entre eleitos e eleitores.
Possivelmente nos próximos tempos
será utópico pôr tudo isto em prática, já que, o país está atolado de oportunistas e corruptos.
Cps
Scaramouche