14.8.10

SENA DIRIGE-SE AOS SEUS CONTEMPORÂNEOS ESCRAVOS MENTAIS

Quem assistiu ao filme - era disso que se tratava - de Joana Pontes acerca de Jorge de Sena ficou a saber por que é que nunca o aceitaram de volta, depois de "abril" (com minúscula porque é um momento de pequeninos), no "meio". O "meio" aqui é sobretudo a universidade e os "colegas" de escrita que, em 69, a todos designou por "oficiais", quer os do regime, quer os da oposição. Sena, em correspondência vária, tratava-os invariavelmente por putas. Imagino que seja essa a sua real dimensão técnica e humana. Ainda hoje. Joaquim Manuel Magalhães, à altura mero assistente na faculdade de Letras, sugeriu a admissão de Sena ali - o engenheiro e o catedrático das ditas letras no Brasil e nos EUA - mas o "prec", na pessoa do estimável Jacinto do Prado Coelho e dos "braço no ar" revolucionários, recusou-lhe a entrada com a desculpa de que só os que tinham "lutado contra o fascismo" podiam franquear as portas do Campo Grande. Logo Sena que toda a vida, e apesar de ter conhecido a "cor da liberdade", sempre sentiu na pele o que era (e é) o fascismo político, de costumes, social e cultural que persiste, como uma canga, neste país de escravos mentais que é a única coisa de jeito que sabemos ser e fazer.

Podereis roubar-me tudo:
as ideias, as palavras, as imagens,
e também as metáforas, os temas, os motivos,
os símbolos, e a primazia
nas dores sofridas de uma língua nova,
no entendimento de outros, na coragem
de combater, julgar, de penetrar
em recessos de amor para que sois castrados.
E podereis depois não me citar,
suprimir-me, ignorar-me, aclamar até
outros ladrões mais felizes.
Não importa nada: que o castigo
será terrível. Não só quando
vossos netos não souberem já quem sois
terão de me saber melhor ainda
do que fingis que não sabeis,
como tudo, tudo o que laboriosamente pilhais,
reverterá para o meu nome. E mesmo será meu,
tido por meu, contado como meu,
até mesmo aquele pouco e miserável
que, só por vós, sem roubo, haveríeis feito.
Nada tereis, mas nada: nem os ossos,
Que um vosso esqueleto há-de ser buscado,
Para passar por meu. E para os outros ladrões,
Iguais a vós, de joelhos, porem flores no túmulo.

10 comentários:

De nihilo nihil disse...

Por falta de atenção e conhecimento pensei que a "inveja" era manifestada pelo filho e não pelo pai Prado Coelho.

m.a.g. disse...

Sena foi mais um proscrito, entre outros, "vítima" dos famigerados atavismos e pruridos de esquerda e de direita que, quanto a mim, paralelamente às religiões apenas cimentam invejas e ódios.

www.angeloochoa.net disse...

J.G.:
Não nos venham com a de que Sena queria ser reintegrado na Marinha para a cá regressar, como o terá feito sentir a Eanes quando a a Guarda veio falar de... Camões -- como não poderia deixar de ser. Em entrevista de então à nossa tv terá da doída amargura do não regresso se dado contas. Pois Aguiar e Silva que tardiamente embora o «reconheceu» alto até os mais altos cimos da investigação camoneana era asssistente -- e foi meu prof -- de Costa Pimpão que em minudências de escriba se perdia a recuperar o legítimo canon do textual camoneano d'os lusíadas. Só quem ler os pormenores estatísticos de frequências de expressões e palavras por Sena elaborado se aperceberá da gigantesca carga de trabalho do Jorge Sena em «uma canção de Camões». Mas isso de nada vale no «reino da estupidez»... Vi Sena uma boa meia hora na cooperativa livreira unitas à rua da sofia em Coimbra anos 60 e só pelo modo como cruzava os brraços um sobre outro se me deu logo a conhecer como um acossado, como acossado foi zeca depois laureado e infelizmente morto e este vosso 'choa que conheceu iinternamentos compulsivos e toda a perseguição das ruas do Porto e outras -- e não era mania da perseguição não como quereriam psiquiatras -- era a canalha das putas da pide e da polícia de costumes no seu esplendor de infames. Incómodo ou nojo era o mínimo com que um cristão pacífico poderia arrostar nesses tempos de treva.
Os académicos, como os apelava Almada, mais não faziam do que perpetuar a estagnação vil reinante e instilá-lo por métodos que não «poderão sequer ser bem descritos» na expressão de Sophia, amiga e correspondente desse como tanto e tanto injustiçado Sena.
A puta que pariu estes gnomos sem condão!
Inscrevam-se, inscrevam-se na «sociedade (argentina) dos filhos da puta»!

José Domingos disse...

Claro, que os "lutadores anfascistas", vivem deste mito. Um dogma,que não resiste a uma investigação mais profunda.
Esta esquerda, autenticos donos da revolução e agora comissários
politicos,onde abunda a incompetência e o compadrio, autenticos comensais, conduziram o país, ao estado actual.
A escritora Patricia Pinheiro, conhecia, esta malta de gingeira.
Ou como dizia o Senhor Jorge de Sena, umas putas.

Ana Gabriela disse...

João, o poema revela tanta mágoa e revolta, que prefiro pensar que Sena foi mais feliz nos States do que aqui seria, para compensar essa ideia terrível de uma universidade fechada. É inadmissível que lhe tenham roubado (porque é um roubo) a possibilidade de dar aulas no seu país.
Também por isso não percebi a trasladação para cá. Porquê voltar e logo agora? Pessoalmente, não gosto de ver movimentar quem descansa. Também me fez impressão o que fizeram ao Fernandinho.
(Mas isto são as minhas "idiossincrasias"...)
Ana

Anónimo disse...

Sena, sempre ele, leal a si próprio, frontal, verdadeiro e contundente como poucos. Sena fez e continua a fazer muita falta ao Portugal de depois d'Abril.

Ele proferiu um discurso cáustico e severíssimo num determinado Dia de Portugal para o qual foi convidado de honra, cujo ano não fixei, talvez por volta de 1976/78? Os donos da revolução julgavam que ele ia fazer um discurso laudatório, apologético do regime mas saiu-lhes o tiro pela culatra. Porque eu própria estava convencida que os políticos d'então eram pessoas íntegras e honestas, achei inclusivamente que ele estava a ser um tanto injusto (imagine-se!, ele que pelo contrário estava a ser mais do que justo e muito antes do tempo) não prestei a devida atenção às suas assertivas palavras nem ao seu alto valor discursivo. Fiz mal. Mas recordo-me vagamente que elas foram duras como punhais dirigidas directamente aos políticos e ao regime e que os devem ter deixado apoplécticos. Como era possível tal desaforo da parte de um convidado de honra?! A fúria terá sido de tal ordem que nunca mais foi convidado para manisfestações oficiais pelos pseudo democratas donos do país e ignorado pela intelectualidade situacionista. Creio mesmo que a partir daí foi votado ao ostracismo por parte do regime "democrático", motivo (penso eu) do seu regresso aos Estados Unidos.
Gostaria imenso de ler esse discurso e até de guardá-lo. Sena foi profético antes do tempo. Hoje sim, é caso para compreender o exacto valor de cada palavra então proferida e do discurso no seu todo, sinónimo daquilo em que os políticos e o país se tornaram.
Se algum leitor ou mesmo o autor deste Blog, seu admirador incondicional, me puder dizer onde posso encontrar esse extraordinário discurso - na Internet ou n'alguma livraria - ficar-lhe-ia muito grata.
Maria

Nota: Há alguns anos um leitor de um outro Blog deu-me um endereço electrónico onde poderia (talvez) encontrá-lo, mas por motivos diversos não fui logo pesquisar e infelizmente não tomei nota do mesmo pelo que se perdeu no tempo.

João Gonçalves disse...

Cara Maria, encontra-o no livro Dedicácias ( que ilustra o outro post sobre o Sena) da editora Guerra & Paz, por exemplo.

Manuel Brás disse...

Adaptação de duas quadras:

Essas marcas intemporais,
facilmente recordadas,
são tumefacções viscerais
de éticas enfadadas.

Num país adoentado
tão difícil de se tratar,
fica assim retratado
muito do nosso mal-estar.

Anónimo disse...

Nem sabe quanto lhe estou agradecida.
Mas não só por esta preciosa informação. Também pelos excelentes escritos que aqui diàriamente vai deixando. Como, entre muitos outros, os vários sobre Jorge de Sena.
Maria

Anónimo disse...

Já agora,e para variar da habitual tonalidade cáustica,poderei dar uma palavrinha de aplauso à série de programas em que foram comentados Sena,Sophia,Agustina ,Cruzeiro Seixas e outros que não vi. Dentro das limitações do material disponivel da nossa TV,penso que não foram nada mal,embora saiba que qualquer elogio é aqui mal recebido. Imagine que até gosteva que repetissem os programas, para gravar,daqui a uns tempos. Desculpe estar a ocupar tempo e espaço sem dizer pèssimamente de "tudo e de todos",mas às vezes calha...