29.10.03

SOPHIA

Já aqui trouxe a sua poesia mais do que uma vez. A distinção conferida por um prémio limita-se a realçar a permanente elegância, distinta e altiva, da sua letra. Sem mais, fica uma poesia de há anos, mas, como é próprio das palavras maiores, a ler sempre.

Porque

Porque os outros se mascaram mas tu não
Porque os outros usam a virtude
Para comprar o que não tem perdão
Porque os outros têm medo mas tu não

Porque os outros são os túmulos caiados
Onde germina calada a podridão.
Porque os outros se calam mas tu não.

Porque os outros se compram e se vendem
E os seus gestos dão sempre dividendo.
Porque os outros são hábeis mas tu não.

Porque os outros vão à sombra dos abrigos
E tu vais de mãos dadas com os perigos.
Porque os outros calculam mas tu não.


Sophia de Mello Breyner Andresen

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