24.10.03

INCONFORMADO E RARO

Manuel Maria Carrilho tem um pequeno livro, assaz interessante, O Que é a Filosofia, que começa com esta frase provocadora: "É rara, entre nós, a palavra dos filósofos". Lendo-o, percebe-se que, mais do que tentar explicar o que é a filosofia, Carrilho apresenta uma perspectiva sobre a filosofia, muito assente na crítica ao seu lastro mais tradicional, o "metafí­sico" e "intemporal", e convicta das vantagens da contingência e de mais "mundos" lá dentro. É assim na filosofia, deve ser assim na política. Isto vem a propósito do claro afastamento de Carrilho em relação à direcção PS/Ferro Rodrigues. A sua altiva e "rara" palavra, embora límpida e objectiva, dificilmente colhe no terreno partidário básico. Carrilho, sozinho, constitui-se como uma "elite", e isso raramente gera "amor" nos militantes e nas direcções partidárias, normalmente votadas ao autismo satisfeito. Já tinha sido assim quando foi ministro da Cultura e em relação a Guterres. Ainda hoje a sua sombra paira, sorridente e irónica, no actual "museu de cera" instalado no Palácio da Ajuda, dirigido por Pedro Roseta e Amaral Lopes. A "carta aberta" que Carrilho dirigiu aos socialistas revela a sua maneira de ver as coisas, fiel, aliás, à formação académica e às suas efectivas "afinidades" filosóficas. É óbvio que não será completamente entendido nem apoiado. As "circunstâncias ocorrentes" e o irrealismo político do acossado secretário-geral, continuam. Entre a "espada" e a "parede", o novo "dilema" de Ferro, o PS voltou a escolher o abismo. Quanto a Carrilho, espero apenas que continue do "bom lado", inconformado e raro, o único que interessa verdadeiramente.

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