14.7.10

O ÓDIO À IMAGINAÇÃO



O analfabetismo literário traduzido neste post é revelador dos lugares-comuns que vagueiam na cabeça de muito pobre monárquico português. Donatien Alphonse François, mais conhecido por Marquês de Sade, passou a maior parte da vida atrás de grades, vítima da inveja do costume, de inimigos pessoais e de ódios políticos. "Morou" anos a fio na Bastilha, onde, aliás, se encontrava encarcerado (e não "enjaulado" como sugere o subtil autor do post) na data que hoje se comemora em França. Dias antes do "prec" local invadir a prisão, Donatien lançou da janela da Bastilha uns panfletos escritos à mão onde descrevia as degradantes condições a que estava sujeito. Depois dirigiu-se à multidão recorrendo a uma espécie de megafone artesanal. Após ter sido solto, escolheram-no como "presidente" da respectiva "junta de freguesia", dando início a uma campanha anti-religiosa que ajudou a radicalizar a Revolução. Todavia, opôs-se ao "Terror". Quando os seus sogros, responsáveis por muitos dos anos que passou na prisão, foram condenados à morte como contra-revolucionários, Donatien impediu a sua execução. Esta fraqueza custou-lhe, de novo, a liberdade. A jacobinagem mais boçal prendeu-o - era um perigoso "moderado" - e condenou-o à pena máxima. Esperou um ano pela guilhotina. Entretanto acabou libertado com o fim do "Terror" e, daí em diante, viveu na mais horrível das pobrezas. Quando veio Napoleão, Sade não resistiu a escrever uma sátira sobre o corso. Novo azar. Foi condenado a passar o resto da vida num asilo para doentes mentais. D. A. F. de Sade é um grande escritor em qualquer parte ou tempo do mundo. Tout le bonheur des hommes est dans l'imagination, dizia. Tudo o que a maior parte das pessoas, tipicamente, não tem.

15 comentários:

Anónimo disse...

A minha galharda incapacidade em literatura não me permite reinar com Rui Crull Tabosa.
Mais ao meu alcance, e certamente também ao dele, permito-me recomendar-lhe a leitura, em "Notas Contemporâneas", da carta (fenomenal) de Eça a Pinheiro Chagas, intitulada "Brasil e Portugal". Tabosa parece-me uma espécie de brigadeiro ou mesmo um "manique" de trazer-por-casa.

Ass.: Besta Imunda

Anónimo disse...

apoiado!

Pedro Marques disse...

Estou a ler as memórias do editor Jean-Jacques Pauvert, e os capítulos destinados ao julgamento do editor pela publicação de "Juliette" são notáveis, sobretudo os testemunhos corajosos de Jean Paulhan e Georges Bataille. Isto nos "moderados" e supostamente já muito liberais anos 50 e em Paris. Acho realmente de uma enorme leviandade encostar as obras de Sade e um mero panfleto do BE, quando há pouco mais de 50 anos homens podiam ser presos por publicá-lo (e que o digam Ribeiro de Mello da Afrodite e Luiz Pacheco, que o foi de facto).

Paulo Nobre disse...

O Sade faz parte da galeria de horrores da humanidade. O mundo, em nada, absolutamente nada, lhe deve. Minto, aqueles que acham esteticamente estar entre o belo e o sublime um macho a meter o punho e o braço no ânus de outro macho, devem-lhe muito.

Anónimo disse...

O Marquês de Sade, para além do que escreve, não deixou de estar implicado em alguns episódios menos inocentes, como creio que saberá.
Não me lembro já se em 14 de Julho de 1789 estava devida ou indevidamente detido.
Li-o com gosto, como moralista que é. Sempre gostei do modo como poupou a sogra, e tentou promover algum bem, quando pode.
Bem pior do ele foi a sua tetraneta, a Viscondessa de Noialles, que subsidiou o ateu Buñuel.
Monárquico burro e desinformado

Garganta Funda... disse...

Pobres monárquicos, disse e muito bem o Dr.João Gonçalves.

Na verdade, reduzir o «Quatorze Juillet», a tomada da Bastilha e o início da Revolução Francesa com o episódio lateral que o tal post apresenta, é de bradar aos céus.

Como todas as revoluções, a Revolução Francesa teve os seus heróis, os seus mártires e os seus tiranos.

Não devemos esquecer que a Revolução Francesa pôs termo ao absolutismo monárquico e a um regime de servidão que vigorava na França e em quase toda a Europa, e que por muitos bons anos ainda continuou.

A Revolução Francesa é predecessora de todas as revoluções liberais e nacionais da época contemporânea, e que teve como expoente máximo a Independência dos Estados Unidos e a consequente independência de quase todas as colónias da América Central e do Sul.

Os monárquicos portugueses são uns pobres coitados de espírito, não muito diferentes no argumentário dos seus adversários, os palavrosos republicanos aka jacobinos.

Anónimo disse...

O comentador "garganta funda" não conhecerá nada da história da Inglaterra?

rui a. disse...

A 14 de Julho de 89, o homem já não estava na Bastilha. Fora transferido, na noite de 3 para 4, para Charenton, donde será libertado somente no ano seguinte.

Cumprimentos,

RA

Manuel disse...

O comentador "garganta funda" pensa que a revolução francesa foi "predecessora de todas as revoluções liberais e nacionais da época contemporânea, e que teve como expoente máximo a Independência dos Estados Unidos"!
Formidável!

João Pedro disse...

Eu não sei como é que anda a memória cronológica do Garganta Funda, mas a Independência da América ocorreu ANTES da Revolução Francesa e influenciou alguns dos que se tornariam o sector "moderado", como Lafayette. E é bom que se diga que o período que começou a 14 de Julho de 1789 também teve responsabilidades em muito regime totalitário.

Anónimo disse...

Caro senhor,
O comentário do Rui peca pela leviandade que trata o marques de sade, uma figura perversa e representativa de tudo o que ia de mal na França do fim do Antigo Regime, ele foi a apoteose da depravação moral e sexual e da falta de bons costumes da altura.
Foi contra ele e demais que surgiu o liberalismo.
A Revolução Francesa, na fase da tomada da bastilha, pretendia a monarquia constitucional, não o Prec.

Ass. Um Monárquico Borguês e Liberal

Zé Dias da Silva disse...

Já me ri bastante.
A revolução francesa (que aconteceu em 1789)foi a «predecessora de todas as revoluções liberais e nacionais da época contemporânea, e que teve como expoente máximo a Independência dos Estados Unidos» (que aconteceu, esta, em 177).
Gostei.

Zé Dias da Silva disse...

Faltou-me um algarismo.
Onde se lê «177» deve ler-se «1776».

Garganta Funda... disse...

A Revolução Francesa foi a «mãe de todas as revoluções liberais» da época moderna.

A Revolução Americana, e a consequente independência de treze colónias britânicas na América do Norte, agrupadas mais tarde como EUA, foi muito influenciada pelas ideias revolucionárias em curso na França pré-revolucionária e pelo contributo teórico dos filósofos franceses iluministas, principalmente Jean Jacques Rousseau, autor aliás, da frase que ficou sempre associada à Revolução: Liberdade, Igualdade e Fraternidade.

De facto a Independência Americana é anterior à própria Revolução Francesa, mas isto não invalida que o ambiente pré-revolucionário francês não tenha contribuido para a Revolução Americana, pois foram os republicanos franceses os principais aliados dos republicanos americanos que lutavam contra o domínio inglês.

A Revolução Americana (1776) e a Revolução Francesa (1789) devem ser consideradas revoluções gémeas com o fim de libertarem os seus territórios e os seus povos do jugo colonial ou do jugo do absolutismo monárquico.

A Revolução Americana influenciou e fomentou a independência de todas as colónias europeias nas Américas, e até mais tarde noutros continentes.

A Revolução Francesa teve influência directa no Velho Continente, contribuindo para a queda de regimes monárquicos absolutistas e medievais e abrindo o Continente ao liberalismo e ao constituicionalismo, apesar de muitas lutas, guerras civis e guerras entre potências.

Num aspecto global a Revolução Francesa foi a mais importante, pois foi através dela que a Europa começou a conhecer a Liberdade, a Democracia e a Cidadania, e sendo à época a Europa o continente mais evoluído, é um dado adquirido que estas ideias contaminaram todo o Mundo, principalmente os domínios e as colónias das potências europeias.

Não fosse a Revolução Francesa, muitas monarquias nem sequer teriam mudado, pois estavam muito bem habituadas a pôr a canga em cima dos seus servos e súbditos.

Aliás, quem defende a monarquia nestes termos, mesmo em termos «constituicionais democráticos», não deve regular bem da cabeça e não passam duns servos de Deus que ficam extasiados e confortados sabendo que têm num qualquer «presépio» uma «família real», mesmo que não passam de indíviduos com um QI não muito distante de qualquer outro símio da savana africana.

Senhores monárquicos: sois uns tristes, não me importava de ser o vosso Rei e assentar o meu trono em cima das vossas cabeças de atum!

Anónimo disse...

"Bem pior do ele foi a sua tetraneta, a Viscondessa de Noialles, que subsidiou o ateu Buñuel."

Pelo contrário: em boa hora o fez. A melhor homenagem ao Sade no cinema são os primeiros minutos do "L'Age d'Or" (e muito do que o Buñuel fez depois seria aplaudido de pé pelo Sade).