Durante uma fase da minha vida o Guincho foi longamente a minha praia. Com ou sem ventania, basta aquele pedaço da serra de Sintra ao fundo, basta aquela água agitada e fria para o mundo ficar de fora. Foi assim faz hoje uma semana. Ninguém, água razoavelmente fria e um secador automático vindo directamente do céu. Talvez daqui a pouco esteja assim. Ou ao contrário. Não importa. Está lá.
Sobre esta praia me inclino.
Praias sei;
Me deitei nelas, fitei nelas, amei nelas
com os olhos pelo menos os deitados corpos
nus côncavos da areia ou dentre as pedras
desnudos em mostrar-se ou consentir-se
ou em tombar-me intentos como o fogo
do sol em dardos que se chocam brilham
em lâminas faíscas de aço róseo e duro.
Do Atlântico ondas rebentavam plácidas
e o delas ruído às vezes tempestade
que em negras sombras recurvava as águas
me ouviram não dizer nem conversar
mais do que os gestos de tocar e ter
na tépida memória as flutuantes curvas
de ancas e torsos, negridão de pêlos,
olhos semicerrados, boca entreaberta,
pernas e braços se alongando em dedos.
Aqui é um outro oceano.
Um outro tempo.
Miro dois vultos na silente praia
pousada rente à escarpa recortada abrupta
que só trechos de areia lhes consente:
dois corpos lado a lado corno espadas frias.
Ainda que desça a perpassar recantos
onde se acolherão mais corpos nus,
é um outro oceano, um outro tempo em outro
diverso em gente organizado mundo.
Ambíguos corpos, sexos vacilantes,
um cheiro de cadáver, que ao amor não feito
concentra de tristeza e de um anseio
de matar ou ser morto sem prazer nem mágoa.
Aqui mesmo de olhar-se um qual pavor gelado
pinta de palidez o rosto que sorria,
o corpo que se adiante ao gesto desenhado.
E nem mesmo de outrora e de outros mares
se atrevem a deitar-se imagens soltas
que uma vez alegria acaso tenham sido.
Se aqui nasceram deuses, nada resta deles
senão a luz mortal de corpos como máquinas
de um sexo que se odeia no prazer que tenha
e mais é de ódio ao ver-se desejado
Jorge de Sena, Sobre esta praia... Oito meditações à beira do Pacífico, 1977, in Poesia III.
Clip (e a lembrança do Guincho) daqui.
Sobre esta praia me inclino.
Praias sei;
Me deitei nelas, fitei nelas, amei nelas
com os olhos pelo menos os deitados corpos
nus côncavos da areia ou dentre as pedras
desnudos em mostrar-se ou consentir-se
ou em tombar-me intentos como o fogo
do sol em dardos que se chocam brilham
em lâminas faíscas de aço róseo e duro.
Do Atlântico ondas rebentavam plácidas
e o delas ruído às vezes tempestade
que em negras sombras recurvava as águas
me ouviram não dizer nem conversar
mais do que os gestos de tocar e ter
na tépida memória as flutuantes curvas
de ancas e torsos, negridão de pêlos,
olhos semicerrados, boca entreaberta,
pernas e braços se alongando em dedos.
Aqui é um outro oceano.
Um outro tempo.
Miro dois vultos na silente praia
pousada rente à escarpa recortada abrupta
que só trechos de areia lhes consente:
dois corpos lado a lado corno espadas frias.
Ainda que desça a perpassar recantos
onde se acolherão mais corpos nus,
é um outro oceano, um outro tempo em outro
diverso em gente organizado mundo.
Ambíguos corpos, sexos vacilantes,
um cheiro de cadáver, que ao amor não feito
concentra de tristeza e de um anseio
de matar ou ser morto sem prazer nem mágoa.
Aqui mesmo de olhar-se um qual pavor gelado
pinta de palidez o rosto que sorria,
o corpo que se adiante ao gesto desenhado.
E nem mesmo de outrora e de outros mares
se atrevem a deitar-se imagens soltas
que uma vez alegria acaso tenham sido.
Se aqui nasceram deuses, nada resta deles
senão a luz mortal de corpos como máquinas
de um sexo que se odeia no prazer que tenha
e mais é de ódio ao ver-se desejado
Jorge de Sena, Sobre esta praia... Oito meditações à beira do Pacífico, 1977, in Poesia III.
Clip (e a lembrança do Guincho) daqui.
10 comentários:
nos anos 50 adorava esta praia porque podia apanhar banhos de sol todo 'pelacho' como diziam no alentejo do meu tempo.
nas outras de Cascais tinhamos de usar duas peças e havia peixe aranha.
um amigo morreu de desatre de automóvel onde está uma cruz junto ao farol
Perdidamente...
Poesia de Florbela Espanca
Ser poeta é ser mais alto, é ser maior
Do que os homens! Morder como quem beija!
É ser mendigo e dar como quem seja
Rei do Reino de Áquem e de Além Dor!
É ter de mil desejos o esplendor
E não saber sequer que se deseja!
É ter cá dentro um astro que flameja,
É ter garras e asas de condor!
É ter fome, é ter sede de Infinito!
Por elmo, as manhãs de oiro e de cetim...
É condensar o mundo num só grito!
E é amar-te, assim, perdidamente...
É seres alma, e sangue, e vida em mim
E dizê-lo cantando a toda a gente!
Muito de acordo, João Gonçalves. É um sítio de encontro fantástico entre o verde, o azul,o vento e a areia cor de baunilha.
É um recanto mais para Portugueses que deixam o canto mais ocidental para quem nos visita.
PSL
Como é diferente o Guincho. Porque é de mais difícil acesso e porque não é convidativo para os amantes do calor de torradeira e de águas paradas de malária. O comboio conduz democraticamente os delinquentes às vulneráveis praias da linha; a marginal e respectivas ligações facilitam o acesso mecânico a outros delinquentes-graduados e à rasquice suburbana remediada e disfarçada de gente. O Guincho é o fim da estrada - periférico, extremo, vasto e deserto, mal-equipado de cervejolas e arrotos. E depois o cenário grandioso e agreste, de que o Sr. Dr. gosta, faz mal às cabeças vagas que permanentemente buscam pontos-de-referência vulgares e seguros: sambalhada e brasileirices, barracas, Passadeiras escaldantes, bares de chinelo, lixo visual e anúncios, música pimba ou promotora de massacres sociais.
A dona clara, na sua pluma de hoje, descreve uma sua aventura à beira-mar - mas internacional, como é evidente. Tem medo de explicitamente extraír "incorrectos" silogismos do episódio, mas deixa que o leitor os tire. Até pretende isso. Como quem, tipicamente à esquerda, procura que os outros alertados façam alguma coisa, de modo a que ela possa retomar a sua vidinha - nacional e internacionalmente - em segurança e conforto. Já não acredito. A dona clara, como muita gente, vive na saudade secreta e envergonhada de outros tempos; tempos em que os meios materiais e o esclarecimento bastavam para seleccionar ambientes e era tudo virgem; tempos em que a separação das classes, feita ao corte-de-faca, conferia aos burgueses abastados e aos intelectuais a possibilidade de desfrutar de zonas demarcadas; em que não era preciso ser incrivelmente rico para se estar tranquilo. Pois bem, esse mundo acabou, e a sociedade que nela se movimentava é defunta.
Hipocrisia.
Ass.: Besta Imunda
Também gostava, mas estou a 2 253 km de distância. Tomar banho em lagos de água doce e sem ondas não é a mesma coisa. Que sortudos são vocês aí em baixo.
O Guincho é fantástico, o poema de Jorge de Sena também. Não posso dizer o mesmo de quem o frequenta, burgueses endinheirados, encarniçados que nem lagostas, com cheirinho a Aramis, a arrotar postas de pescada sobre o "estado da nação".
Mas o Guincho não tem culpa, dos burgueses que por lá andam.
Ass: Romão
eheheh JG.
As histórias que eu tenho do guincho com a minha canzoada, eram três, para não falar dos homens a nadarem ao contrário ;-)))
O João Gonçalves diz que no Guincho, «com aquela água fria o mundo fica de fora»; mas devo dizer-lhe que eu, no Guincho, tenho sempre é a experiência contrária: com a água fria o meu mundo encarquilha-se e o que quer sempre é ficar para dentro. Talvez fosse por isso que «os homens nadavam ao contrário», Karocha! Mas a paisagem é linda, sim senhor; e a escassa companhia existente na praia é um bem inestimável.
sempre convencida ea dar um ar da graça que não tem.....a D.KAROCHA
Anónimo das 11:52 PM
Vá-se Catar
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