Almoçar na arcada do Martinho do mesmo nome é uma experiência quase mística. Não por causa do seu mais célebre frequentador, mas por poder ver passar aquele «arremelgado idiotismo» que Botto imortalizou em versos tão duros quanto certeiros ao contemplar o féretro de Pessoa. Assessores governamentais, solenes bestas, novas e velhas, pessoal político de circunstância, avestruzes reluzentes nos seus fatos catitas ou em cima de saltos altos não menos reluzentes e não menos catitas comprados nas caves do metro, eis a fauna, por entre turistas, que cruza o lugar do qual o nosso maior ironista do século XX avistou todos os cais do mundo como «uma saudade de pedra». Só mudaram os idiotas arremelgados.
9 comentários:
Cruzes, Canhoto, que ele há por aí cotovelos que doem como dentes, camano!
E se calhar até rangem, também...
Tadinho do anónimo. Faz parte dos ditos, não é verdade? Isso suscita cá uma dor de seja o que for que não imagina.
Por mais que mudemos de posto-de-observação (PO), seja o Martinho, seja a Mexicana, seja a tasca da minha rua, seja a sala-de-espera da Segurança Social do Areeiro (recomenda-se...), poderemos sempre observar os tipos, os típicos, os encaixáveis, os classificáveis, os exemplares-de-colecção.
Observar o povo pobre e de expressão alvar é tão penoso, Dr. Gonçalves, como observar esses funcionariozecos mascarados que descreveu tão bem. Em certa medida é até mais enjoativo o Martinho; pois toda essa cambada desfila em estilo esperando enganar-se a si própria e com isso enganar os circunstantes. É como assistir aos arrotos televisivos e parlamentares de pinto de sousa e dos seus peões-de-brega.
Ass.: Besta Imunda
Apreciei, sobremaneira, a redundância certeira "Assessores governamentais, solenes bestas..."
~Há tempos, quando voltei a Lisboa no Verão, sentei-me na esplanada a tomar um refresco. Ao meu lado, um casal de alemães furiosos porque o empregado barrigudo lhes quis impingir não sei quantos euros de entradas que em que eles nem tocaram. Há coisas que não mudam, de facto. Só mesmo numa chafarica de novos-ricos e burlões (a origem é a mesma) é que estas coisas passam por normais. Para os outros, passam como ladroagem. Dada a relutância do empregado em alterar a conta, o casal não foi de modas: descontou o preço a mais, deixou o valor correcto, pegaram nos filhos e foram-se embora nas calmas.
Há dias, fui lá almoçar, porque me deu jeito. Os pratos nem são caros, mas em compensação o serviço é péssimo e tive de pagar €14 (catorze euros!) por uma garrafinha de tinto da casa (Rimor, imagine-se!).
Nunca mais me vai dar jeito, é claro.
Olhe JG, idiota eu sei que sou, por razões familiares continuo a viver nesta chafurdeira. Arremelgado e completamente tratado como atrasado mental fiquei quando tomei conhecimento da diminuição de pena do Isaltino Broeiro , continuidade no poleiro e que neste país compensa sempre ser rúfia.
Ó Die Mânner, mas você ainda não percebeu que Portugal é um caso único? Uma terra abençoada onde há corrupção mas ninguém é corrupto? O povo gosta destes da natureza contraditória deste mistérios, ou não seja o mistério a base da crença: "É trafulha, mas deixa obra". Tudo passa, desde que pague o indulto: "deixa obra".
Em vez de perorar contra os assessores governamentais,uns melhores outros piores,mas todos parecidos quaisquer governos que sirvam,porque não publica em excertos "folhetinescos" o "Provincianismo Português" do nosso homem? De resto é evidente que se ele fosse vivo hoje,ou se por aí houver alguem semelhante, não se irá instalar no Martinho,mas noutro local discreto e tranquilo que os filisteus anos depois iriam igualmente infectar.
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