3.2.10

«TÃO ESTÚPIDOS QUE PARECEM GENTE»


Anteontem de manhã vi um cão castanho, labrador retriver, espojado na rua virado para a loja onde estava a dona. Olhei-o, levantou-se e, à sua maneira, sorriu-me abanando a cauda. Depois regressou à vigilância. Há muito tempo que não estava com uma pessoa assim, conversacional apesar de presa a uma árvore. A minha morreu-me há meses e nunca mais consegui conversar com alguém. De uma carta de Fernando Pessoa a Francisco Cabral Metello, datada de 31 de Agosto de 1923. «Espero que a paisagem com que v. presentemente conversa lhe arranje um diálogo que o entretenha. Nem sempre acontece, não é verdade? Há árvores, pedras, flores, rios que são tão estúpidos que parecem gente.»

10 comentários:

Anónimo disse...

Deixem apenas que lhes transcreva duas coisinhas pequeninas que acabei de ler nas paredes de uma cidade deste país.

A primeira:

"O meu pai nasceu hoje
num país que está a morrer,
a minha mãe
é uma puta espacio-temporal
e eu... um artista de variedades"

A segunda(nem de propósito):

"Há umas criaturas que,
caminhando pela rua,
parecem mesmo pessoas"

Rita

Anónimo disse...

Não sou grande apreciador de Pessoa, mas que ele tinha razão, lá isso tinha. Que saudades da minha "pessoa"!!!!!

Anónimo disse...

E não é que Fernando Pessoa tinha razão?

Nuno Castelo-Branco disse...

Chegou o momento de abrires a porta da tua casa a um abandonado. As Ligas dos Animais arranjam-te logo companhia. A minha gataria veio toda da rua e não me arrependo nem por um momento.

Minhoto disse...

Eu tenho uma cadela rafeira e um gato que vieram da rua e estou muito contente com eles, mete-me muita pena ver os bichos abandonados e quando tenho condições não consigo resistir.

Anónimo disse...

Como eu o compreendo. Nunca me passou pela cabeça ser possível ganhar tanta estima por um animal...irracional.
Cumprimentos
D.O.

Anónimo disse...

Nunca como agora está este ditado tão actual: " Quanto melhor conheço os homens, mais eu gosto de animais "
Cps
S. Guimarães

ana disse...

«I have known so many people, but it seems I have known nobody at all.» GORE VIDAL

Anónimo disse...

Texto impressionante, com uma mensagem muito forte.

Literariamente só um génio como Pessoa podia ser o pai desta obra.

J. Costa

Combustões disse...

Genial ! Sem pinga de pose literária e bom, muito bom.