11.2.10

«A PURA FACHADA DE ACTOS FORMAIS»


«Como escreveu Montesquieu, se há experiência eterna, é a de que "todo o homem que tem poder tende a abusar dele". Se Montesquieu tem razão, e os últimos séculos deram-lha, o maior desafio que a democracia enfrenta é sempre o do abuso de poder. E, para o evitar, ela só tem, na verdade, uma arma, a do pluralismo dos partidos e dos media. Isto mesmo foi assumido pela UNESCO com a aprovação da Declaração de Windhoek, em 1991, e reforçado com a Declaração de Dakar, em 2005. Só o pluralismo garante a expressão dos diversos valores que atravessam uma sociedade, e qualquer passo que se dê no sentido de limitar o pluralismo é um passo no caminho errado: o do enfraquecimento da democracia. É por isso que é cada vez mais importante garantir a independência do poder político face ao poder económico. Nesta independência joga-se não só (como a crise que vivemos tem mostrado) a sua capacidade para fazer face aos problemas do mundo de hoje mas também a sua credibilidade. Mas o pluralismo, ao contrário do que se diz tantas vezes, não é só ameaçado pelo abuso de poder. Ele é também atingido pela cada vez mais frequente mercantilização da informação, a que tantas agências de comunicação se dedicam, envenenando o espaço público com a disseminação de factos inventados, notícias encomendadas e outras distorções, sobrepondo os interesses particulares ao interesse geral. É por isso bom lembrar a ideia de Stuart Mill, para quem a democracia é sempre um combate contra os "interesses sinistros" que desprezam o bem público. Também neste ponto se vai reconhecendo, nomeadamente na União Europeia, que tem havido graves falhas de regulamentação, nomeadamente quando a actividade dessas agências incide sobre bens públicos, como indiscutivelmente é o caso da informação. Mas um perigo ainda maior espreita as democracias de hoje: ele surge da convergência das tendências atrás referidas, isto é, quando o abuso de poder se casa com a mercenarização da informação, dando forma a um instrumento de condicionamento dos cidadãos, que reduz a vida democrática a uma pura fachada de actos formais. Este perigo tem sido identificado por vários reputados cientistas destas matérias. M. Schudson designou como "parajornalismo" essa amálgama de informação, assessoria política, relações públicas, organizadores de eventos, etc. E J.L. Missika apontou a cada vez mais frequente "co-produção" (a expressão é dele) de acontecimentos políticos, como a melhor ilustração desta inédita e intolerável cumplicidade. Para a democracia, é vital contrariar estas tendências. E, para o fazer, como diz este último autor, só há um caminho: o de lembrar que o único fundamento da regra maioritária é que todas as opiniões são equivalentes e que "estar exposto a pontos de vista contraditórios é uma condição sine qua non da vida democrática".»

Manuel Maria Carrilho, DN

1 comentário:

radical livre disse...

cada vez mais as novas formas de escravidão são o motor desta republiqueta nacional-socialista onde os ratos devoram os contribuintes.

ainda acabamos em addictus ou escravos por dívidas

o pm itinerante não assiste à manif onde
o "sol brilha para todos nós"