20.11.09

CRÓNICA IMAGINÁRIA SOBRE UM PAÍS VIRTUAL, UM REGIME VIRTUAL E UMA AUTORIDADE VIRTUAL

«Não há arquivo no mundo que não estabeleça um prazo de espera para consulta dos papéis de Estado de, pelo menos, 20 anos. Não porque se possam descobrir indícios de ilegalidade ou ilicitude nos ditos papéis, mas porque a sua publicação influenciaria com certeza a política contemporânea. Se isto é verdade para o passado, é por maioria de razão verdade para o presente. Por muito que doa à espécie de virtude hoje triunfante, o acto de governar exige uma certa secrecidade. Nenhum primeiro-ministro sobreviveria à divulgação do que pesou (ou não pesou) nas decisões que toma e, sobretudo, ao conhecimento geral das manobras pouco saborosas, a que a necessidade o obriga, e da gente pouco recomendável que tem de ouvir ou mesmo, às vezes, com que se entender. Isto sempre foi evidente para quem estava de dentro e para quem estava de fora.O eng. Sócrates foi apanhado por uma escuta a falar com Armando Vara. Claro que fortuitamente, ou seja, a escuta não se destinava a recolher informações sobre ele, mas sobre Vara. De qualquer maneira, dezenas de pessoas ficaram a saber sobre ele o que em nenhuma circunstância deviam saber e como de costume chegaram aos jornais rumores - não autentificados - que o prejudicam. Uma lei sensata mandaria selar imediatamente a gravação e, se por acaso existissem indícios de alguma actividade criminosa do primeiro-ministro, determinaria que ele respondesse pelo que fizera (ou deixara fazer) no fim do seu mandato. A lei vigente junta o pior de dois mundos. Cria suspeitas que não resolve e, de caminho, diminuiu a principal autoridade de que os portugueses dependem. A oposição acusa Sócrates de não dar explicações ao país sobre o que alegadamente disse na escuta a Armando Vara. Não percebe, ou percebe demasiado bem, que a mais leve explicação abriria um precedente perigoso. Dali em diante, o primeiro boato com uma aparência de plausibilidade forçaria o primeiro-ministro a justificar, como culpado presuntivo, cada movimento e cada palavra, que directa ou indirectamente transpirasse para a televisão ou para a imprensa. O Governo acabaria por se transformar, como de resto já se transformou, numa feira contínua e num escândalo gratuito. É inteiramente legítimo tentar remover Sócrates de cena. Não é legítimo, nem recomendável arriscar nessa querela a própria integridade do regime.»

Vasco Pulido Valente, Público

12 comentários:

Anónimo disse...

VPV teme a queda do regime. O medo que a reformazinha não lhe chegue na velhice, é próprio da idade. Frágil, sinto-me frágil.

Unknown disse...

Os franceses têm esta prática e os italianos têm tentado implementá-la.
Os ministros do Miterrand andam agora pelos tribunais. O Chirac também. Não é bonito de ser ver a "deblacle" e a "solitude" daqueles que conheceram "la grandeur" imperial que a França dá aos seus governantes.

Helena Matos

ana laura disse...

O que é medonho é fazerem de nós estúpidos. Haja alguém que, herói da Pátria, publique as escutas! Entretanto, feliz ou infelizmente, não temos nenhum Pierre Béregovoy em Portugal, com desfecho diferente, obviamente, acabou com a vida para não falar de miterrand e seus amigos.

Anónimo disse...

Nem parece do VPV!!!!! O Sócrates não é o regime.

O que o REGIME NÃO PODE E NÃO DEVE TOLERAR é um socrates em Primeiro Ministro.ESSA TOLERÂNCIA É FRAGILIZA O REGIME E O ENFRAQUESSE.

O GARANTE DA CONSTITUIÇÃO É O PRESIDENTE DA REPÚBLICA .Onde está ele?????????? esse tem que ser apiado no fim do mandato por NÃO TER CUMPRIDO AQUILO QUE JUROU CUMPRIR E FAZER CUMPRIR.

ZÉ POVINHO

Anónimo disse...

Pois claro. Mas o crime de chantagem que está publicado na Sábado e que vai de encontro à tipificação do crime que levou à extração de pelo menos uma certidão em Aveiro, é uma acusação pública e não uma escuta. Mesmo assim não há abertura de qualquer processo, como aconteceria de imediato se a tão apreciada constituição (exemplar no mundo, dizem alguns) fosse cumprida e feita cumprir. Provavelmente o PGR nunca conhecerá essa acusação porque está a tratar de questões muito mais importantes do que a manutenção do estado de direito.

Anónimo disse...

O que VPV afirma faz todo o sentido num estado de direito com regular funcionamento.
Não é o caso de Portugal.

Anónimo disse...

Se um Primeiro Ministro pelas suas declarações indiciar que está cometer um crime ou que o vai cometer quer dizer que a Justiça não intervirá, mesmo que esteja em funções? parece ser isso que VPV defende.

Anónimo disse...

É necessário que a justiça faça o seu trabalho, e sem medo. Se isso tivesse acontecido não tínhamos chegado a este triste estado de onde dificilmente sairemos. Sócrates força o derrube do seu governo porque conhece o eleitorado do país e sabe que uma "boa" razão para se vitimizar o pode levar a outra maioria absoluta com poder para apagar, de vez, todas as provas que o acusam. Não é bom sistema forçar a sua queda desse modo. No caso, a fraca justiça é que está a ser o busílis da questão.

Anónimo disse...

«Não é legítimo, nem recomendável arriscar nessa querela a própria integridade do regime.»
Porque não?
Estará o Regime assim tão recomendável?
Duas semanas antes de certo 25Nov, tive um percepção semelhante.
A bem do Regime (?)
Bmonteiro

Alves Pimenta disse...

Pelos vistos, até o VPV já aderiu à linha editorial do novo diário do Governo (em competição cerrada com o do "amigo Joaquim")...
Haja paciência.

Anónimo disse...

Imaginemos que um Juiz ordena escutas telefónicas a um sujeito que é suspeito de patifarias, por azar um primeiro-ministro tem uma conversa com esse indivíduo, e se verifica que também este tem rabos de palha, deve o Juiz destruir essa prova só porque se trata de uma figura de estado?
Responda quem souber
Cps
S. Guimarães.

edinis disse...

oxalá o juiz de Aveiro seja o nosso Garzon!