9.1.11

CALMA DE MORTE



A morte violenta do cronista e jornalista Carlos Castro, em Nova Iorque, já provocou os habituais derrames. De uma banda, havia um "conto de fadas" inexplicavelmente interrompido, o fatal "agora é que é". De outra, a timidez, a "normalidade" e a "simplicidade" garantidas e comprovadas pela fraternidade viril local. É extraordinário como alguém consegue jurar, sem habitar as virilhas em causa, que este, aquela, o outro ou a outra são isto ou aquilo sexualmente falando. Aos 65 anos, como indicia numa resposta à revista Pública do jornal Público dada por escrito no dia em que foi assassinado, Castro imaginava estar a viver o seu "primeiro momento" de felicidade. E que não haveria segundo como, aliás (isto ele não sabia ou não queria saber), não existia já o primeiro. No olhar calmo do rapaz pairava, afinal, uma calma de morte e a recusa de qualquer "momento" (a mãe, por exemplo, já "garantiu" a heterossexualidade do rapaz mais depressa do que a sua inocência). A psicologia poderá explicar, depois, o ritual primitivo da castração. Felizmente a justiça norte-americana não é como a nossa, mole e complacente. E todas as explicações do mundo jamais poderão afastar a realidade de um crime sem remissão. Almada Negreiros termina Nome de Guerra com um recado metafórico mas realista. Não te metas na vida alheia se não quiseres lá ficar. O rapaz meteu-se na de Castro e Castro meteu-se na do rapaz. E ficaram, os dois, juntos para sempre numa terceira vida em comum - a da morte.

26 comentários:

Anónimo disse...

Parece que uma explicação que inexplicavelmente está a dar é a da culpa dos Morangos com Açúcar (coisa, por sinal, horrorosa).

Karocha disse...

O Carlos, não merecia uma morte como a que teve.
Mas, nos EUA justiça será feita.

fado alexandrino. disse...

Hoje no restaurante assisti estarrecido à abertura do telejornal e aos gulosos cerca de dez minutos dedicados a isto.
O seu post com uma elegância insuperável coloca as coisas nos seus devidos termos e, tenho que ser sincero, chega a comover.
Quem me dera escrever assim.

Anónimo disse...

Este caso e a imagem do post anterior recordam-me outro caso com outro Carlos a fazer o outro papel com outro desfecho numa ilha qualquer das Baleares.

Isabel disse...

Estamos a criar monstros com este culto dos jovens musculados e depilados. Como muito bem foi referido no post, este rapaz tem um olhar assustadoramente vazio que, temo-o, tende a fazer parte de um certo estereótipo pretendido. Faz-me lembrar o tempo em que as mulheres se queriam "mulher-objecto" ou loira burra, sendo que qualquer laivo de inteligência seria nelas susceptível de desvalorização enquanto objecto de desejo. Corpos sem alma é o que demasiada comunicação social vai promovendo. Ser encarado(a) como um animal para exibição física só pode criar estrangulamentos de alma que, nas mulheres, tenderão para o depressivo e suicidário e, nos homens, provavelmente para irrupções brutais da animalidade tão estupidamente valorizada.

Zé Rui disse...

Excelente Post.

Nada mais há a dizer.

Anónimo disse...

Não sei nada de psicologia, nem do "mundo" da moda, nem das drogas.
Pouco sei.
Sei que tenho preconceitos, sobre o que é normal e anormal.
E sei que não está certo um velho debochado, aproveitar-se de um jovem, ainda mal formado (talvez num intercâmbio de favores sexuais por trabalho de modelo).
Sei que não há direito, perder-se a vida do velho, e a do jovem.
Na minha ignorância, parece-me mais um caso de pedofilia, que era notório e público. Mais um abuso continuado sobre jovens, que finalmente acabou em tragédia.
É Sodoma. É Eleusis a mando das putas.

Anónimo disse...

é este o tipo de gente que tem controlado a comunicação social

João Gonçalves disse...

Pedofilia aos 21 anos? E aos 65? Gerontofilia? Enfim.

Marota disse...

O Caso de castração e homicício é para mim bizarro, não pela homosexualidade, mas só pela diferença de idades. Nesta história macábra quem mais me dó dá, é o Renato, e isto por ser mãe dum jovem nesta idade. Eu também conheci em tempos uns velhos nojentos, amantes de carnes jovens e se tivesse chegado tão longe como o Renato, é possível que também lhes tivesse cortado o charuto. Querem ajudar a juventude, que o façam, mas não exijam que estes lhes consolem sexualmente. Se querem aventuras sexuais que as tenham, mas com gente da idade deles. Quem anda à chuva molha-se. É lógico que estou contra todo o tipo de homicidio, mas da mesma forma, estou contra a sexualidade entre velhos ricos e jovens, sejam eles hetero ou homo. Mas este Sr. acreditava que um jovem daquela idade estava apaixonado por ele? Perna curta, gordo com uma barriga mais gorda que ele e de cara ainda mais feia que o resto. Que nojo beijar aquelas beiças. O Senhor em questão contribuiu muito para o grau de conhecimento da Senhora Dona Pimpona Jardim, Malvina Caneças e outras grandes personalidades que muito ilustram o nível de vida portugues. Só tenho pena de viver no estrangeiro e não ter tido a oportunidade em acompanhar este jornalismo de qualidade.

João Gonçalves disse...

A Marota viverá entre bárbaros?

Karocha disse...

Isabel

Vivi no mundo da moda, não me considerei nunca mulher objecto, nem suicidária nem depressiva, aliás geri muito bem a minha carreira!
Nunca me meti em drogas nem outras coisas...
E quem pense que o mundo da moda é fácil está errado, trabalhei horas sem fim eu e as minhas colegas da época, como pode ver na minha página pessoal.
Quando havia industria de moda em Portugal é claro!

Bartolomeu disse...

Infelizmente, para o O Carlos Castro, não houve um Deus-ex-machina que na hora descesse ali... ali àquele hotel, àquele quarto, àquela hora, ao horror daquele funesto momento colocando a ordem como manda o bom estilo de quem escreve fantasias para o "povo", diga-se: sonhar!

Sem querer ser vulgar, uma vez que não é momento para tal e este lamentável acontecimento merece o nosso mais profundo respeito, retire-se desta máxima popular a lição:

"Quem brinca com crianças acorda mijado!"

Virgilio Nogueiro Gomes disse...

Caro João,
Muito bem o teu texto. Esperemos pela justiça EUA. Virgílio

Anónimo disse...

Quer-me parecer que o miúdo agiu em legítima defesa, contra agressões sexuais intoleráveis. Contra o abuso e violação da sua integridade física e intelectual.
Os miúdos da Casa Pia é que não tiveram maneira nem poder para se defenderem.
Os monstros andam por aí à solta.
Bem à vista, nas televisões.
Apaparicados e protegidos.

Anónimo disse...

Ao que consta,foi o "miúdo" de 21 anos que procurou o C.Castro,e o acompanhou em passeios a Londres,Madrid,etc,antes deste a N.York. Pelo que se vê nas fotos, a sua musculatura era mais do que suficiente para se defender de qaisquer "agressões" do flácido Castro. Mas a brigada que já trabalhou com sucesso na Casa Pia está pronta para invocar pedofilias,sofrimentos,e só falta erigirem o tal Renato como herói. Aguardemos.

m.a.g. disse...

No meio de toda esta sordidez, o que apavora são os comentários alocados no preconceito, de gente que se considera o arauto da moralidade e dos bons costumes, quando situações semelhantes acontecem invariavelmente nos "imaculados hetero".

Anónimo disse...

Caso típico no mundo "artístico", em que uma das partes procura subir na vida através da outra em troca da cedência de "prazer". Só que os contornos do caso, pelo factor de ser claramente um crime homofóbico e contra um idoso, ainda por cima, farão com que a Justiça norte-america seja impiedosa. A opinião pública tuga, que está à espera que haja extradição, para que o "menino" (que sabia muito bem o que queria e o que fazia) viesse para o pé da "mamã", e fossem encontradas não sei quantas atenuantes, como é costume nesta palhaçada de país, vai ter um choque com a Justiça de um país anglo-saxónico.

O "top model" da prisão perpétua não se livra, e só não estará sujeito à pena de morte porque o Estado de Nova Iorque já não a aplica. Queira Deus que ao menos nenhum jornalista americano se interesse pelo caso e vá a Cantanhede ou qualquer terreola dessas que ainda pensa que aterrou no Irão, ou coisa do género.

Anónimo disse...

A notícia da morte, em condições horríveis, de Carlos Castro, suscita-me, num primeiro momento, horror, a que se segue um sentimento de compaixão por duas vidas que se perdem: a de um homem já idoso que vivia uma última ilusão amorosa; a de um rapaz com a vida pela frente que, de certo modo, também morreu no acto nefando e irremediável que praticou. Que dor para as famílias de ambos!
Imagino que o cronista social - que nunca apreciei particularmente - estivesse a viver um deslumbramento semelhante ao que alguns homens de certa idade sentem por companheiras muito mais novas - pensemos no exemplo de Charles Chaplin, que aos 54 anos enamorou-se da filha do dramaturgo Eugene O`Neill, tinha ela 17 anos, com quem se casou, nascendo 8 filhos dessa relação. Entre nós, temos o actor Carlos Areia, que se passeia pelas revistas do coração com a sua namorada de 18 anos, tendo ele já 66. Curiosamente, não ocorre a ninguém classificar estes casos, entre casais heterossexuais, similares aos de actrizes de Hollywood que se relacionam com rapazes muito mais novos, como situações de pedofilia! E bem, pois um rapaz de 21 anos, como é o caso do homicida de Carlos Castro, não é uma criança impúbere, sendo totalmente descabido e despropositado falar-se em pedofilia numa situação como a que está em causa.
Porventura, ao deslumbramento do idoso pelo jovem, que é uma forma de exorcizar a própria decrepitude, associou-se o deslumbramento do jovem pelas oportunidades que aquela relação lhe poderia proporcionar. Especulando, imagino que o jovem Renato vivesse um violento conflito interno a respeito da sua sexualidade e do relacionamento que manteria com Carlos Castro - ou pelo menos, quanto às expectativas que este teria quanto a esse relacionamento. A fazer fé no que vem noticiado, a violência extrema exercida contra Carlos Castro, na sua morte e posterior castração - que a psicologia poderá ajudar a compreender - parece-me ser a expressão violenta de um sentimento de asco por si próprio e de auto-restituição de uma virilidade que se sente amputada.
A verdade, porém, é que se o jovem se sentia desconfortável - ou passou a sentir-se, em dado momento - com a situação, bastava-lhe dizer NÃO. Alguém imaginará que um idoso de 65 anos, com menos de 1,70, poderia obrigar um rapaz de 21 anos e 1,85, universitário, a fazer o que fosse contra a própria vontade?
Como diz o João Gonçalves, todas as explicações do mundo jamais poderão afastar a realidade de um crime sem remissão...
Faça-se, pois, Justiça.
Mas não me cabendo julgar, não deixo de me compadecer: são duas vidas que se perdem; são familiares e amigos em sofrimento.
Por isso, felicito o João Gonçalves pelo seu texto lapidar, tão diferente de alguns que tenho lido na NET e que me horrorizam pela insensibilidade que revelam.
Parabéns.

Anónimo disse...

Felicicitações ao Anónimo das 4.20,tão lapidar como o do autor do blogue,mas aprofundando um pouco mais a questão,nas suas conotações psicológicas e sociais. Espero que não seja excepção no atoleiro que nos espera (e de que já se vêm afloramentos)resultado dos preconceitos,marialvismos e manipulações habituais.

Karocha disse...

O JG fez um post notável como é seu apanágio e, o anónimo das 4:20 um comentário notável!

joshua disse...

Juntou-se a morte à vontade de morrer fosse da morte pequena fosse da única e irremediável.

zazie disse...

Como gosto de ser justa só posso dizer que este foi o melhor comentário que li sobre o assunto.

Igualmente o das 4.20h.

Cáustico disse...

Crime é crime. Não sejam, neste caso, invocadas atenuantes.
Mas Carlos Castro, e outros como ele, simplesmente me metem nojo.

Nuno Castelo-Branco disse...

De facto, vivemos outros tempos. O sr. L. Visconti não pegaria neste guião, para uma espécie de "Morte em Veneza". Isto puxa muito a neo-realismo, onde a barraca é substituída por um hotel "four stars".

Isabel disse...

Karocha,
Ao contrário do que parece pensar, nada tenho contra o mundo da moda que, aliás, me fascina.Vi há pouco o filme de Tom Ford "Um Homem Singular" e pareceu-me ter o dedo sublime, a sensibilidade dos grandes criadores de arte. O que lamento é a pobreza mental que se instala em todos os campos do nosso país, moda incluída.O belo (para quem aprecie o género) homicida parece-me, pelo menos nas imagens que vão passando, alguém que usa pouca roupa e que ilustra menos a estética criativa do que a estética da musculação. Lamento sinceramente o mal-entendido quanto à profissão que certamente exerceu com a dignidade que se adivinha no seu discurso.