22.1.11

OS ESTADOS DE ALMA E A REALIDADE

Para não ferir a lei, digamos que regressei do final da campanha do candidato Y a tempo de olhar para a televisão antes da fatal meia-noite. Estava ligada na tvi24 e falava a Constança Cunha e Sá. Do que pude ver nestas últimas semanas, poucos foram os jornalistas e comentadores que não apareceram a, directa ou indirectamente, apelar à abstenção. Munidos do respectivo frasquinho de veneno (consoante fosse maior ou menor o ódio ao candidato Y e a natureza dele: política, pessoal ou de classe, a mais vulgar à "esquerda"), esses jornalistas e comentadores limitaram-se, nas palavras de um leitor, a transformar os seus estados de alma em "realidade" uma vez que as campanhas são feitas para os eleitores ou para certos grupos de eleitores, mas certamente não são feitas para as masturbações elocutórias do comentarismo publicável. Na mesma tvi24, o resumo a que assisti da prestação de dois comentadores residentes que estimo (Santana Lopes e M. M. Carrilho), acabava justamente por se tornar em mais um acto sofisticado de defesa da abstenção do que uma "reflexão" acerca da campanha, sempre com o candidato Y na mira "técnica". É neste contexto de infelicidades que o trabalho diário executado por Constança Cunha e Sá merece louvor. Bem como o artigo que passo a citar, substituindo o nome dos candidatos pelas letras X e Y para ninguém se queixar à CNE.

«Enquanto as sondagens variam entre os mais improváveis resultados, multiplicam-se as almas que apelam à abstenção nas eleições presidenciais. Porque os candidatos não prestam; porque a campanha foi pobre, caricata e falha de ideias; porque o papel do Presidente é irrelevante; porque o regime tem os dias contados – embora se possa dizer que há anos que nos anunciam que o regime tem os dias contados; porque, enfim, qualquer pretexto serve para se exibir uma hipotética superioridade intelectual. Dando de barato que o dia-a-dia desta campanha não foi propriamente dos mais recomendáveis e que ouvir candidatos a sugerir que podem levar um tiro na cabeça ou que a democracia – essa frágil violeta adquirida à custa de muitos sacrifícios e lágrimas – está em perigo, a um passo de ser "mutilada" pela tenebrosa direita, não convida a grandes entusiasmos, convém perceber que, tendo em conta os anos que nos esperam, o próximo Presidente da República não será propriamente "o verbo de encher" em que o querem transformar. Não só as circunstâncias exigem um mandato mais activo, como as dificuldades com que se depara o país fazem com que Belém se transforme num centro decisivo de influência e poder. Sem ir ao ponto de antever um "novo ciclo" – uma antecipação recorrente que dá invariavelmente em nada – limito-me a registar um pequeno pormenor que, para uns tantos, parece ser irrelevante: em plena crise económica, financeira, social e política não é indiferente ter X ou Y na Presidência da República. Aparentemente, esta singular evidência não tem sido fácil de engolir. Principalmente, pela direita, como não podia deixar de ser. Mais do que ser detestado pela esquerda, Y é tolerado pela direita. Uma direita que sempre o viu como um intruso, que não lhe perdoa as origens, que se envergonha do seu "provincianismo" e da sua proverbial "falta de cultura". A direita ou, para ser mais precisa, uma certa direita, que na sua insignificância tem como grande ambição ser reconhecida pela esquerda, faz questão de manter as distâncias em relação a um candidato que, mesmo sem o seu voto, foi o único que lhe deu duas maiorias absolutas e a Presidência da República. Três vitórias que esta gente, coitada, nunca conseguiu compreender.»

9 comentários:

Anónimo disse...

De facto a cidadania do voto que muitos elogiavam vai para muitos anos agora já não vale.

Sabemos para que serve este apelo à abstenção!

Anónimo disse...

Primeiro fiquei danado: Então a adm. da EPAL queria aumentar 5% os ordenados? e o goberno não deixou, claro, pelo esforço comum.
Depois li a noticia: que quem ia ser aumentado ganhava 700 euros... e o goberno nao deixou.
Estas situações lembram-me:"A Radio Moscovo Não Mente"...para logo noutra fequencia "A Radio Moscovo Mente".
Os media tb tem muita culpa nesta salganhada.

Isabel disse...

Até a aparentemente insuspeita Sábado!

fado alexandrino. disse...

para se exibir uma hipotética superioridade intelectual
É aqui que está a explicação.
Acontece que estes intelectuais ainda não perceberam que o centro das atenções no que se refere aos outros intelectuais, no qual modestamente me incluo, se desviou das queridas televisões para os variados blogues de opinião.
É nestes, e este é um deles, onde se vem colher informação e análise.
Quem em seu juízo perfeito vai escutar e ver o Prós & Prós para acrescentar conhecimento?

M. Abrantes disse...

Como seria fácil a escolha nestas eleições, se os problemas do candidato Y se resumissem ao displicente conteúdo do comentário Uma direita que sempre o viu como um intruso, que não lhe perdoa as origens, que se envergonha do seu "provincianismo" e da sua proverbial "falta de cultura".

Bastonário da Ordem dos Otários disse...

Hoje é o famoso dia de reflexação, o que antecede o dia mais inútil das nossas vidas terrenas.

Não era suposto que a fotografia do cavalheiro ao lado tivesse sido retirada para uma gaveta mais discreta?

Anónimo disse...

Estou-me nas tintas para as reflexões da tanga. Já reflecti o suficiente e amanhã vou "pôr a cruz" à frente do nome Aníbal.

O JG, apesar do radicalismo pró-Aníbal, também contribuiu para me convencer, mas foram as historietas das acções, da permuta das casas, da falta da "licença" que me convenceram definitivamente. Para ficarmos mais sossegados, ainda precisamos dele, Aníbal!

Que se lhe faça luz na cabeça e corra com o dito cujo logo que que for conhecida a próxima bandalheira do animal.

PC

joshua disse...

Bravo, Constança!

Cáustico disse...

Não houve uma campanha eleitoral decente. Os candidatos, pelo menos a maioria, dedicou-se apenas a uma batalha de mimos. O estado crítico em que o país se encontra não foi devidamente dissecado nem apresentadas ideias para uma solução rápida da crise. Não se queixem, por isso, do povo, que já está farto de ser vigarizado.