17.1.08

OS NOVOS FASCISTAS

Sobre os "intelectuais" da Sapienza de Roma - cavalgaduras encarnadas em alunos e professores -, José Manuel Fernandes, no Público, diz o essencial. É destes filhos da puta "progressistas" que devemos ter receio. Eles são verdadeiramente os novos fascistas.


«O tempo dá por vezes razão aos que parecem não a ter mais depressa do que os próprios se atreveriam a esperar. Há uma semana, nas páginas do PÚBLICO, Rui Tavares atacava Vasco Pulido Valente por este ter sugerido, na sua expressão, que "a Igreja é capaz de ter de viver novos tempos de clandestinidade". O que era obviamente ridículo. E impensável. Nem uma semana passou sobre esse texto e acabamos de assistir não à "passagem à clandestinidade", mas a algo igualmente impensável: em Roma, na sua prestigiosa Universidade, crismada "La Sapienza" (A Sabedoria), um grupo de professores mobilizou um protesto que conseguiu levar o Papa Bento XVI a declinar o convite para falar na sessão inaugural do ano lectivo. Porquê? Porque consideraram que o convite a um dos grandes intelectuais europeus da actualidade - uma qualidade que só por cegueira se pode negar ao antigo cardeal Ratzinger - era "incongruente" com a laicidade da universidade. Ou seja, um cidadão de Roma e do mundo, um bispo que se distinguir como académico, viu serem-lhe barradas as portas do que devia ser um templo da ciência em nome de um princípio sectário e de um preconceito que levou um grupo de cientistas a deturparem o que tinha dito num passado já longínquo. Na sua arrogância consideraram mesmo o homem que manteve uma polémica aberta e elevada com Habermas como sendo "intelectualmente inconsistente". Ernesto Galli della Loggia, editorialista do Corriere de la Sera, ele mesmo um defensor dos princípios da laicidade, escrevia ontem que o gesto dos professores, poucos mas com responsabilidades, traduzia "uma laicidade oportunista, alimentada por um cientismo patético, arrogante na sua radicalidade cega". Uma laicidade que não hesitou em seguir o mesmo caminho dos islamitas radicais que tresleram o famoso discurso de Ratisbona, deturpando-o e descontextualizando-o, para atacarem Bento XVI. E Giorgio Israel, um professor de História da Matemática que se distanciou dos seus colegas, explicou que estes tinham construído o seu caso a partir de "estilhaços de um discurso" realizado pelo então cardeal Ratzinger em Parma há 18 anos. O processo foi muito semelhante ao de Ratisbona: em vez de notarem que o Papa citava outrem para a seguir marcar as suas distâncias, pegaram nas palavras do autor citado - em Parma o filósofo das ciências Paul K. Feyerabend - para, atribuindo-as a Bento XVI, considerarem que este dava razão à Igreja na sua querela com Galileu. O sentido do discurso de Parma, prosseguia o mesmo Giorgio Israel, era exactamente o contrário da caricatura que esteve na origem do protesto: afirmar que "a fé não cresce a partir do ressentimento e da recusa da modernidade".Mas que universidade é esta, que cidade é esta, que Europa é esta, que fecha as portas a alguém como Bento XVI, para mais com base numa manipulação? Não é seguramente a que celebra não apenas a tolerância, mas a divergência, a discussão em busca da verdade. E que por isso não aceitou sequer ouvir o que o bispo de Roma lhe tinha para dizer. E que já sabemos o que era, pois o Vaticano já divulgou o discurso. Como este Papa nos tem habituado, era, é, um grande texto, uma extraordinária aula onde o teólogo e o professor, unidos num só, discorrem sobre o papel da Igreja e o da universidade, que, "na sua liberdade face a qualquer autoridade política e eclesiástica, encontra a sua vocação particular, essencial para a sociedade moderna", a qual necessita de instituições autónomas de interesses ou lealdades particulares, antes dedicadas à "busca da verdade". Evoluindo entre referências modernas (John Rawls e Habermas) e clássicas (com destaque para o "pouco devoto" Sócrates, que elogia e defende), socorrendo-se de Santo Agostinho e S. Tomas de Aquino, Bento XVI escreveu um texto que, devemos admiti-lo, seria uma afronta para os seus detractores. Por possuir a abertura e a universalidade que são o oposto do seu sectarismo anticlerical. Por defender que "o perigo do mundo ocidental é que o homem, obcecado pela grandeza do seu saber e do seu poder, esqueça o problema da verdade. E isto significa que a razão, no fim do dia, acabará por se vergar às pressões dos interesses e do utilitarismo, perdendo a capacidade de reconhecer a verdade como critério único". E alcançar a verdade implica questionar - mas não ignorar - as certezas de hoje. E um Papa, na universidade, não vem para "impor a fé de cima, pois esta é antes do mais um dom da liberdade". No tribunal de "La Sapienza" foi um Papa que quiseram colocar no lugar de Galileu, e foram cientistas que fizaram o papel do acusador de então, o cardeal Roberto Bellarmino, porventura mostrando ainda menos compaixão. Mas nisso, infelizmente, não andam sozinhos. Já repararam como, entre nós, vai por aí um debate sobre Pacheco Pereira e Vasco Pulido Valente terem chamado "fascista" a Sócrates, o que nenhum deles chamou. Como, de resto, nem o próprio António Barreto chamou, pois o seu raciocínio completo é: "Não sei se Sócrates é fascista. Não me parece, mas, sinceramente, não sei. De qualquer modo, o importante não está aí. O que ele não suporta é a independência dos outros, das pessoas, das organizações, das empresas ou das instituições." Como é mais sexy discutir o "fascismo", ilude-se o que o próprio autor considera ser "o importante" - o que é mais depressa chicana política do que debate intelectual, perdoe-se esta franqueza, que só pode ser tomada pelo que é: um desafio a recusar o mau exemplo de "La Sapienza".»

13 comentários:

João Gante disse...

Eu acreditei sinceramente que as palavras eram de Ratzinger...A modalidade de deturpação de discursos arrisca-se a ser medalhada. Não se pode, de facto, negar a inteligência do intelectual do Papa, e até a sua "elegância" (quase sibilina ao ouvido, diga-se) ao manter discussões - comum, aliás, a quase todos os funcionários do Vaticano. Mas, a bem do equilíbrio e liberdade que se clama, não se devia esquecer, também - e isto sem recuar muitos anos - que é a própria igreja católica que muitas vezes mente, exclui e discrimina. Até com prejuízo dos seus crentes (vide as campanhas contra os preservativos em África).
No entanto, concedo, tudo isto cai em favor da regra de honra de ouvir, em solo igual, o adversário. Agora, não se use o argumento dos abusos de uns quantos laicos - de facto, "versas" de inquisidores - para mascarar os erros (intencionais) da própria igreja.
Como nota: a discussão igreja/ciência ainda se mantém activa, so as declarações são datadas. De qualquer forma, o boicote à visita do papa não é correcto

Ângela disse...

Assino por baixo.
A História é cíclica e vamos mesmo assistir a uma Santa Inquisição da Ciência sem limites à Igreja, ou a qualquer outra Instituição, que pugne por limites éticos e racionais às "experiências" desses Dr.s Jekyll que rapidamente se transformam em Mr.s Hide...
Infelizmente, com prejuizo para todos...

Anónimo disse...

Estes débeis mentais seguem a mesma linha "progre"zapaterista :ataque à Igreja Católica e "alianças de civilizações" com o islamismo mais arcaico e reaccionário.
Onde Sampaio não tem o menor pejo em marcar presença...

Anónimo disse...

Uma grande vergonha para a Universidade de Roma !

lusitânea disse...

Eu acho que certos frentistas deveriam ser sujeitos a provas de vida em locais que apregoam como as oitavas maravilhas.Assim deveriam estagiar uns anos no mundo islâmico para depois nós vermos se materiam o seu acérrimo e taridor comportamento, que passa por baixar e mais grave fazer baixar a cueca quer seja nos "lenços", no laicismo favorecedor de outros,no abrir de portas de par em par quando na volta do correio, isto é lá fora, na casa dos outros, é tudo como eles mandam e pasme-se ninguém refila!
De facto vivemos tempos que julgo que a civilização do antecedente não enfrentou.Espero que me engane mas normalmente estas coisas levam a maus resultados, por darem sinais enganadores a quem de facto e na minha opinião quer dominar a nossa cultura ocidental.

impensado disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
VANGUARDISTA disse...

A obsessão pelo “politicamente correcto” adultera a verdade e aliena as mentes, mesmo aquelas de onde se esperava alguma lucidez.
Mas na verdade, a sociedade actual deixou-se no maior logro cultural da humanidade.
A “sapiência” actual , na sua quase totalidade, é composta por ex-estalinistas (o que quando alguma vez se foi jamais se deixa de ser!) agora neo-liberais, que ascenderam ao poder da cátedra, não pela inovação, irreverência ou rebeldia, mas através de comportamentos “politicamente correctos” que aprenderam nos seus tempos “vermelhos”, pelo que trazem a falsidade na sua génese.
Os comportamentos desta maralha não é fascista, pois não têm coturno para tanto.
São tão só ovelhas tresmalhadas do estalinismo!

João Gante disse...

Zapatero até pode ter uma atitude sobranceira face à igreja, mas as suas medidas promovendo a igualdade de direitos não têm por que ser condenadas.
Sinceramente, os comentários a este post - e o próprio post, diga-se - parecem-me deliberadamente ignorantes da cegueira partilhada tanto pelo movimento Sapienza como pela Igreja Católica. Os habituées deste e outros blogs, tão acutilantes e prontos a desmascarar mentiras, fariam bem em não esquecer que raramente se encontra tolerância nas palavras da igreja, mas pelos vistos há momentos para meias verdades e consequentes meias conclusões. Pessoalmente, o melhor ensinamento que retiro desta situação é a de que o extremar de posições conduz a posições extremas. E chegar a esta conclusão não deveria sequer depender da crença religiosa.

Paulo Carvalho disse...

As instituições mais antigas da Humanidade, como é o caso da Igreja Católica, que já passou por tanto e fez passar outro tanto a outros, é no tempo que corre uma luz de esperança para o Homem, mas há gente deveras interessada em calar a voz da Razão.
Eu, que não sou católico praticante, não vejo a Igreja Católica unicamente como doutrinadora da fé, vejo-a, principalmente, como âncora de valores morais e éticos, que estão muito para lá da religião. Valores que fazem parte da génese humana, mas que muitos rejeitam, porque são ditos e divulgados pela Igreja Católica.
Triste tempo, este nosso, que renega e promove ataques soezes contra a única religião, que apesar de tudo, está na vanguarda da Humanidade e que é, ainda o garante da civilização ocidental.

João Gante disse...

Na vanguarda da...Garante da civilização...Veja notícias, sinceramente...Há mesmo demasiada unilateralidade neste tema, a maioria dos comentários parece de um adepto de futebol. E eu condeno a atitude da universidade Sapienza (?) veementemente, mesmo como ateu. Nenhuma religião pode estar na vanguarda da humanidade, simplesmente porque todas elas são dogmáticas e, remetendo as suas crenças para a própria criação do homem, incapazes de propriamente (e não só a nível quase institucional) aceitar outra visão. Dir-se-á que é normal. Mas é essa a razão porque devemos ter um estado laico. Melhor dizendo, neutro.

Anónimo disse...

O "Ceropatatero" aqui ao lado,alma inefável de "progre"peninsular,conseguiu que a Espanha actual esteja a viver o ambiente de 1934.
"À bon entendeur..."

Carlos Medina Ribeiro disse...

O que se refere neste "post" não é novidade.
Seja porque o tempo não dá para tudo, seja por má-fé, ou simplesmente por iliteracia, é frequente vermos pessoas a debitar patacoadas - atacando outras por palavras que não foram ditas.

Esse fenómeno está muito bem ilustrado por Scott Adams, o criador de Dilbert que, numa célebre tira, põe o "heroi" a contactar com os elbonianos, um povo de imbecis que se julgam muito perspicazes.

O quadrado final dessa tira pode ser visto [aqui], onde um desses idiotas proclama:
«Escrever é fácil. Um dia esperamos também saber ler».
.

Nuno Castelo-Branco disse...

Na História reconhecida pelos fazedores das verdades dos nossos tempos, existem dois tipos de pessoas que não podem beneficiar de inteligência própria. De facto, aos prelados e aos soberanos, exige-se apenas o escrupuloso cumprimento de cerimoniais de antanho, o estadão que impressiona e a acefalia. No caso de aparecer um arrivista mitrado ou coroado, este ou aquele bem se arrisca a ser emboscado numa esquina de um Terreiro do Paço qualquer, não importa em que cidade ou em que país. Não se trata de uma discussão sexy, mas de facto, como são variadas as cambiantes do fascismo. Remete-nos logo para a disputa Estaline/Mussolini acerca do cadáver do Sorel.