«Em que assentaram então os regimes políticos anteriores ao actual? Todos se propuseram modernizar o país. Mas uns tentaram chegar aí reservando o poder a um pequeno grupo iluminado, com exclusão dos demais, e outros através do envolvimento consensual do maior número e da alternância no poder. A monarquia constitucional, entre 1834 e 1910, esteve neste segundo caso. Havia vários partidos, que rodavam no poder de acordo com o rei. O regime caiu porque não podia funcionar sem se pôr em causa a si próprio. Era o rei quem, perante o desprestígio das eleições, accionava a alternância. Mas quando o fazia era invariavelmente discutido e contestado por uma classe política sem reverência dinástica. Mesmo assim, o regime durou mais do que qualquer outro regime nos últimos 200 anos, e assegurou a mais longa época de liberdade e pluralismo. Eis o que representa D. Carlos. A chamada I República, entre 1910 e 1926, e o Estado Novo, até 1974, tiveram isto em comum: chefes de Estado eleitos (directa ou indirectamente) e governantes determinados em usar a força para impedir qualquer alternância no poder. O Partido Republicano não precisou, como Salazar, de censura nem de proibir partidos: preferiu recorrer à "acção directa" de grupos paramilitares, protegidos pelas autoridades, para limitar a expressão e a acção dos adversários (foi a célebre "ditadura da rua"). De resto, excluiu a população do processo político, negando o direito de voto à maioria. Houve republicanos e salazaristas que quiseram outra coisa? Houve. Fizeram coisas benéficas para o país? Fizeram. Mas nenhum dos dois regimes foi capaz de deixar de ser o despotismo de um bando convencido de que tinha o monopólio da razão. A construção da actual democracia em Portugal foi feita não apenas contra o Estado Novo, mas também contra a I República. Dependeu de uma nova cultura política, em que se admitiu o princípio de que a validade das eleições dependia mais das instituições e procedimentos do que das "qualidades" da população. Dependeu também de se ter voltado a reconhecer novamente, como no tempo da monarquia constitucional, que a razão é algo distribuído a mais de uma opinião ou partido. Obteve-se assim um regime aberto a todos, e em que o voto de todos é a base da alternância no poder.Os exclusivismos, porém, deixaram herdeiros frustrados. Há quem ainda não tenha percebido por que é que não é dono desta democracia, tal como o PRP foi dono da I República ou os salazaristas do Estado Novo. Eis o que representam os contestatários da comemoração de D. Carlos.»
Rui Ramos, in Público
19 comentários:
Qual é a ideia dos monárquicos, neste momento? Eleger um rei? A isso chama-se um regime presidencialista e todos temos visto o que pôr demasiado poder nas mãos de um único homem pode fazer.
Ou pretenderão, por outro lado, que, à boa maneira medieval, se realizem torneios ou se escolha el-rei pelo código genético? Eu sei que o país precisa de bom humor, mas...ter um testa-de-ferro que pouco mais faz do que sorver dinheiro em nome do estilo de vida é francamente ridículo.
Espero, no entanto, que não se entenda este post como ataque pessoal a qualquer figura da monarquia ou defesa do regicídio. Convinha, no entanto, não esquecer, antes de apontar abusos exclusivamente ao regime republicano, que a monarquia não tem um historial propriamente pacífico.
"Houve republicanos e salazaristas que quiseram outra coisa? Houve. Fizeram coisas benéficas para o país? Fizeram. Mas nenhum dos dois regimes foi capaz de deixar de ser o despotismo de um bando convencido de que tinha o monopólio da razão."
Acho que comparar um regime que durou uns anos com outro que teve o poder absoluto durante quarenta é, no mínimo, intelectualmente limitado. Em primeiro lugar, os intervalos de tempo considerados, em termos históricos, não tÊm nada a ver uns com os outros.
Aliás se D. Carlos era tão liberal como se pretende, porque permitiu que se instalasse a ditadura de João Franco, e dissolveu as cortes, sem que fossem marcadas novas eleições?
Parece que a palavra "ditadura" serve a todos afinal.
Há sempre a tendência para o Sebastianismo em Portugal...
Na verdade, Rui Ramos está a fazer o tirocínio para se tornar no próximo alvo predilecto de uma certa gente bem instalada. E tem toda a razão em falar em donos, porque é disso mesmo que temos vindo a alertar. Donos. Donos de lugares cativos e geralmente muito bem remunerados; donos das consciências, através do apertado controlo da comunicação; donos da nossa liberdade de pensar, dizer ou fazer, pela permanente coacção e orquestração de campanhas de todo o tipo desde a difamação, à destruição de carreiras. Dominam devido ao silêncio que infelizmente se tornou desde há muito, no primeiro cúmplice. A democracia parece ser mais forte do que jamais foi, é certo. No entanto, ela própria cria mecanismos tendentes à uniformização e complacência. Quando descuidadamente se levanta um pouco o véu da impunidade, são de imediato encontradas soluções que saciem um pouco a sede de sangue da turba e desta forma, continua tudo na mesma. Temos hoje a internet, os telemóveis, ipods, a tv por cabo, enfim, um manancial imenso de informação, discussão de ideias e porque não?, de encontro de soluções para muitos problemas do nosso tempo. Paradoxalmente, esses meios que a inteligência nos deu, igualmente servem para o escrutínio da verdade de cada um de nós. Através das máquinas, somos escutados, lidos e levados muitas vezes a desistir e calar, pelo natural receio de represálias. A censura existe. Não aquela do lápis azul ou das prisões arbitrárias, mas sim uma outra, muitíssimo mais eficaz e sofisticada. É aquela que, expulsando os descrentes do seu local de trabalho, privam-no da satisfação das suas necessidades primárias, o que nesta sociedade significa, o pagamento da sua renda ou prestação, a ida ao mercado, ou a educação dos seus. É o novo medo, tão poderoso porque profundamente encadeado na sociedade de consumo a que há já tanto tempo nos habituámos. O espiolhar dos blogs ou comentários na web, são talvez, a ferramenta mais preciosa que foi facultada aos novos censores, nem sendo necessária a criação desta ou aquela entidade estatal que se dedique a tão gloriosa tarefa. E isto, porque existirá sempre alguém disposto a arruinar o vizinho e isto, por puro prazer. É a natureza humana no seu pior, não conhecendo fronteiras, cor ou credo. Cuidado.
Daniel: "ditadura", na monarquia constitucional, queria dizer que o governo legislava por decreto e que as Cortes não legislavam. Apenas isso. Não confunda, por isso, a "ditadura" do João Franco com outras.
«(...)um testa-de-ferro que pouco mais faz do que sorver dinheiro em nome do estilo de vida é francamente ridículo(...)».
Ganda pensamento !
E o povo a pagar o cargo do PR e de mais três PR's reformados hum ? Quatro "marmelos" pra sustentar com as respectivas mordomias, e se Deus entretanto não acode ainda vamos ter cinco ... Viva a «Coisa» !
Aqui está o produto da mais insidiosa lavagem cerebral que este país sofreu desde a santa inquisição! A propaganda 1910-74 ainda medra por aí e há quem não se preocupe em abrir um livrinho e ler umas linhas. No nosso tempo, nem isso é preciso, basta procurar o que era a "ditadura de João Franco" na net. Não é que republicana França se fazia o mesmo, para não falar em toda a Europa? Pois então, a explicação é muito simples: quando o parlamento estava fechado - fosse o motivo que fosse -, o governo decretava, para quando da abertura das câmaras (eram duas, a dos deputados e a dos pares do Reino), a legislação fosse discutida e votada. Simples, não é? Fique o nosso amigo a saber, que o tal "ditador" Franco, tinha as famosas eleições marcadas para 5 de Abril e abertas a todos os partidos. No momento do Regicídio, os Progressistas, Regeneradores e republicanos (canalhas, cobardes e assassinos não merecem maiúscula), preparavam afanosamente as listas e os acordos eleitorais. Em liberdade. Dê-se ao trabalho de consultar o tipo de liberdade de imprensa que existia na altura e compare-a com a que temos hoje. Por exemplo, tente escrever uma espécie de esterqueira do género de "o marquês da Bacalhoa" e verá como mordem. Até é simples, basta mudar os nomes e escolher uma localidade no extremo sul do país...
No entanto, as coisas vão lentamente mudando. Quando há umas semanas o actual e os ex-Venerandos foram pelo Expresso convidados para dirigir umas palavras a João Carlos I - por ocasião do seu septuagésimo aniversário - Eanes foi longe. talvez muito longe e poucos disso se aperceberam. É que, na verdade, acaba por tecer um rasgado elogio à instituição conhecida por Monarquia Constitucional. Para o general, garante a independência do chefe do Estado e a união. Tentem ler, vale a pena.
Quanto à estafadíssima anedota dos dinheiros a pagar ao Palácio, comparem o orçamento com o qual o rei de Espanha tem que se governar (8 milhões de Euros), com a pobreza franciscana que campeia por Belém: uns irrisórios e escabrosos 16 milhões na MESMA moeda. É que os espanhóis são muito mais pobres que os lusos cá da praça. E tudo isto, sem contarmos com os três "ex" e respectivas assessorias, locais de faina, etc, etc. O Laffayette tinha razão quando clamou que a monarquia era a melhor das repúblicas.
O Nuno Castelo-Branco pode barafustar o que quiser que a pele daqui deste lado é dura...
Sinceramente gosto da forma como o tuga que passa a vida a discutir o penalte do domigo anterior, quando é contrariado começa logo a dizer que o adversário não lê o que devia.
Para sua informação, o tema até me interessa, e tenho uma grande admiração pela figura de D. Carlos e acho que uma morte é sempre uma tragédia, somando que era uma personagem muito inteligente.
A informação que escrevi, retirei-a de um livrinho intitulado "Breve historia de POrtugal" por Oliveira MArques. Se é bom ou mau , não sei até ver ainda não encontrei erros.
Também acho interessante que se compare o Rei de Espanha com o PR português. Que eu saiba o Rei de Espanha não tem poder efectivo nenhum (não tem funções governativas) logo o seu orçamento resume-se à criadagem e pagamento de jantares, viagens etc. O presidente português tem funções executivas e isso custa dinheiro.
Cumpriimentos
P.S. Ao João Gonçalves agradeço a sua correcção, é de facto pertinente.
Daniel Azevedo :
Um rei poderia ter, pela Constituição, exactamente os mesmos poderes executivos do que actual PR. Um rei prepara-se durante a infância e adolescência, quando não já na vida adulta, para as tarefas que lhe serão confiadas pela Nação. Hoje, custar-nos-ia três ou quatro vezes menos do que a Presidência. Mas a questão nem é essa. Trata-se de um representante do topo do Estado e da Nação e que não é eleito por facções partidárias nem está enredado na plutocracia vigente. Como é que um Presidente é o Presidente «de todos os portugueses» se é eleito por metade do eleitorado e sendo que este nem sequer esgota a Nação ?
De metafísca política estamos todos cansados e fartos ... não é mesmo ? Que medo tem esta República que até no artigo 288 b) exclui, como nenhuma outra Constituição na Europa, a forma monárquica da Repúblca ? De que é que têm medo ? Eu digo-lhe ; têm medo de perder a corrupção institucionalizada e a «república dos Juízes». É o que é, ou não é assim ?
A propósito do sectarismo republicano de que fala Rui Ramos, aqui vai um pequeno exemplo da definição de democracia do dono da Primeira Republica - Afonso Costa.
http://cartasportuguesas.blogspot.com/2005/02/preparao-das-eleies.html
Isto não vem nos livros de História que passam no Exame Prévio do Grande Oriente Lusitano
Caro Daniel Azevedo
Um livro de História da primeira republica escrito por Oliveira "GOL" Marques tem tanto crédito como teria uma "História do III Reich", escrita por Adolf Hitler e Joseph Goebbels.
"Como é que um Presidente é o Presidente «de todos os portugueses» se é eleito por metade do eleitorado e sendo que este nem sequer esgota a Nação ?"
Tenho muitas vezes esta discussão com um amigo meu que partilha da sua falta de "fé" na capacidade de se ser eleito por "todos".
Onde está escrito que por uns não quererem votar que o presidente é menos legítimo? Foram eleições livres assim como o acesso ao cargo (quem quiser pode candidatar-se).
"Trata-se de um representante do topo do Estado e da Nação e que não é eleito por facções partidárias nem está enredado na plutocracia vigente."
As facções partidárias são as várias correntes de pensamento que existem, é o indivíduo que é corrupto e que abusa precisamente porque os que estão a baixo nada fazem.
Um Rei na sua essência está acima do cidadão, pelo nascimento e isto é uma ideia profundamente injusta.
E é por isso que, na minha opinião, um regime presidêncial é mais democrático em absoluto. Agora pode alegar que o Rei, por não ter nada para fazer, custa menos. POsso aceitar isso.
Caro Luís Bonifácio
"Um livro de História da primeira republica escrito por Oliveira "GOL" Marques tem tanto crédito como teria uma "História do III Reich", escrita por Adolf Hitler e Joseph Goebbels."
Com essa me calou!
Se o dito historiador não é isento em relação ao assunto não sei, tomo a sua apreciação como fundada.
No entanto como diz Umberto Eco no início do Nome da Rosa: "Mas vivemos nunc per speculum et in aenigmate e a verdade, antes de face a face, manifesta-se por traços (ai, quão ilegíveis) no errar do mundo, de modo que devemos decifrar-lhe os sinais fieis, mesmo onde nos parecem obscuros e quase tecidos de uma vontade de todo tendente ao mal."
Cumprimentos
Se o "mais alto" representante da nação pode ser escolhido a votos porque é que todos os cargos públicos e políticos não podem ser seleccionados entre outros candidatos? Porque há nomeações? Não será este regime uma cópia preversa da monarquia? E já agora para quê eleições? Imaginemos o ideal: tira-se à sorte, como no euromilhões, e assim – de forma democrática – qualquer um pode ser "presidente de todos os portugueses"! Sem manhas!
«(...)Onde está escrito que por uns não quererem votar que o presidente é menos legítimo? Foram eleições livres assim como o acesso ao cargo (quem quiser pode candidatar-se)(...)».
Olhe, duas coisas:
1 - Não se trata dos que não querem votar. Trata-se dos que votaram em um candidato que não foi eleito.
Como é que «junta» ambos os eleitorados no «Presidente de todos os portugueses» ? Deve ser um grande «passe de mágica» do Sr Luís Matos não é verdade ?
2 - Quem quiser pode candidatar-se ? Isso é o maior mito da República e nem sequer vale a pena discuti-lo.
Exactamente como também os partidos políticos não devem apoiar nenhum candidato à Presidência para que o Presidente não reflicta os compromissos com a plutocracia. Hoje, já nem isso escondem debaixo do tapete, tal é a desvergonha.
E já agora ; o Presidente Jorge Sampaio, no segundo mandato, descontando a abstenção e os votos do seu oponente foi rigorosamente eleito com 24% do eleitorado. Vinte e quatro por cento ! Representou o quê e quem ? Todos os protugueses ? Deixa-me rir ! Um Rei pode ter exactamente os mesmos poderes e a mesma actividade política do que o actual Presidente da República. Representar genuínamente todos os portugueses é uma questão de Símbologia da Pátria e essa não é reductível ao escrutínio e às dialécticas da res-pública.
Mas oiça, viva a «Coisa», viva.
Caro Daniel Azevedo.
Sobre a história da Primeira republica aconselho o volume correspondente da História de Portugal coordenada por José Matoso.
Ao Daniel Azevedo, queria dizer apenas duas coisas:
1- Não tive qualquer intenção em ofender fosse quem fosse e quando me insultam directamente - coisa que não fiz - , limito-me a encolher os ombros. Estamos (ainda) em democracia.
2- O outro nosso amigo, teve razão com a analogia História do III Reich/dr. Goebbels. E isto, porque o A.H. d'Oliveira Marques era uma boa pessoa, mas completamente obnubilado por uma coisa que jamais existiu, isto é, aquela primeira república de sonho que alguns quiseram impingir a um povo pouco interessado em informar-se. No entanto, houve quem fizesse bem pior. Se quiser ler um dos mais escabrosos panfletos de medíocre propaganda e engano, tente obter a história da república de Raúl Rego. Isto sim, é um monumento a desonestidade.
Se a problemática republica-monarquia se resume a uma questão de aritmética , posso dizer que se o presidente Sampaio representou 20% dos portugueses, um rei não representa ninguém pois ninguém o escolhe. Nasce alguém que por esse único motivo vai representar o mais elevado cargo da nação. Sinceramente, se é de simbolos da nacionalidade que POrtugal precisa, temos muitos monumentos.
Há algo de muito errado no argumento de que o presidente representa 20% da população. SE formos por aí então ninguém representa ninguém.
Quanto à plutocracia; diga-me lá o que o Rei podería fazer contra isso? Estamos a falar de uma ilusão.
Em resposta ao Nuno Castelo-Branco, queria dizer que penso não o ter ofendido mas se o fiz peço desculpa.
Nesta galáxia de alter-egos que é a blogosfera, por vezes excedemo-nos e temos tendência para disparar em todas as direcções, porque são mais os trogloditas intelectuais com quem nos deparamos do que pessoas realmente inteligentes e dispostas a trocar opiniões de uma forma civilizada.
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