«Somos poucos mas vale a pena construir cidades e morrer de pé.» Ruy Cinatti joaogoncalv@gmail.com
30.4.10
PERFEIÇÃO
O AMIGO DE PENICHE
HONORIS POIA
*segundo comentário, data de 1979, prévia, portanto, ao Gago e ao homenageado. Imagino que seja uma "grande" universidade da mesma maneira que tudo é grande em Portugal.
A "AGENDA"
POLÍTICA CADAVEROSA
A BOLA OU O ESTADO DE NEGAÇÃO NACIONAL
«NUNCA VI PARIS CONTIGO DENTRO»
Vi Roma a arder, e neros vários
bronzeados à luz da califórnia
guardar em naftalina nos armários
timidamente, a lira babilónia;
as capitais da terra, uma a uma,
desfeitas em nuvem e negra espuma,
atingidas de noite no seu centro;
mas nunca vi paris contigo dentro.
E falta-me esta imagem para ter
inteiro o álbum que me coube em sorte
como um cinema onde passava «a morte»;
solene imperador, abrindo o manto
onde ocultei a cólera e o pranto,
falta-me ver paris contigo dentro.
António Franco Alexandre, Duende
29.4.10
O ENTERTAINER CAMARÁRIO
AS RAZÕES DO PAPA
O REMAKE DE LINO
«VERSOS A UMA CABRINHA QUE EU TIVE»
Esta cabrinha colhe
Qualquer sinal de noite
De que a erva se molhe.
Daquela flor pendente
Pra que seu passo apela
Parece que a semente
É o badalinho dela.
Sua pelerina escura
Vela-a da noite sentida;
Tem cada pêlo uma gota,
Com passos, poeira, vida.
De silêncio, silvas, fome,
Compõe nos úberes cheios
Toda a razão do seu nome
E fruto de seus passeios.
Assim já marcha grave
Como os navios entrando,
Pesada dos pensamentos
Da sua vida suave.
E enfim, no puro penedo
De seus casquinhos tocado,
Está como o ovo e a ave:
Grande segredo
Equilibrado.
Vitorino Nemésio, Eu, comovido a oeste (1940)
AS ILUSÕES DA TRANSPARÊNCIA
«De onde vem este fascínio pela transparência? Ele decorre da convergência de três factores: em primeiro lugar, da generalização da infidelidade que acompanha a desenvolta afirmação do individualismo moderno, que sacudiu todas as fidelidades tradicionais, sejam elas ideológicas ou amorosas, religiosas ou políticas. Depois, da "pipolização" mediática, que consagrou na prática o voyeurismo como um direito de saber tudo, transformando assim automaticamente todo o segredo em algo de suspeito. E, por fim, da desafeição dos cidadãos em relação à democracia representativa, em geral vista como indiferente em relação aos seus problemas mais prementes. O fascínio pela transparência vem de que, em todos estes casos, ela compensa um défice de confiança. Mas essa compensação é ilusória porque, ao contrário do que tantas vezes se diz, só há confiança quando, justamente, há segredo. É precisamente o facto de não se saber tudo - na amizade, nos negócios, na política, etc. - que dá sentido à confiança. Confiar é, sempre, acreditar para lá do que se sabe*. O que acontece num mundo em que a fidelidade se tornou descartável e em que a inconstância se transformou num valor social positivo é que a transparência emerge como a mais consoladora - mas também, talvez, a mais enganadora - das respostas às mais variadas formas de desconfiança que atormentam os cidadãos, quer elas se traduzam em insegurança ou em ciúme, em inveja ou em suspeita, em cólera ou em revolta. A força da transparência vem, em boa parte, do que ela esconde: é quando a sociedade da desconfiança triunfa que a exigência de transparência mais se impõe. É por isso que é necessário valorizar o segredo pessoal, a reserva social e a confidencialidade política. Mas fazê-lo ligando esse esforço a uma inequívoca afirmação da responsabilidade, que deve ser feita, mais de informação do que de manipulação, mais de humildade do que de prepotência, mais de respostas do que de escutas. A revitalização da responsabilidade é o único antídoto eficaz para as patologias da transparência.»
28.4.10
O SENTIMENTO DE UM OCIDENTAL (REFODIDO)
«ISTO DURA ENQUANTO SE PUXA. MAS DEPOIS CAI E VOLTA TUDO ATRÁS»
FARSA
UNA VOCE POCO FA
CADA MACACO EM SEU GALHO
Adenda: A "cena", em versão "Iô Pan! Iô Pã" e "pão de ló molhado em malvasia", pode ser lida aqui com ilustração a condizer.
«CLAREZA»
A MORTE DO FACTO
EQUILÍBRIO
REMORSO DE TODOS NÓS
Ó Portugal, se fosses só três sílabas,
linda vista para o mar,
Minho verde, Algarve de cal,
jerico rapando o espinhaço da terra,
surdo e miudinho,
moinho a braços com um vento
testarudo, mas embolado e, afinal, amigo,
se fosses só o sal, o sol, o sul,
o ladino pardal,
o manso boi coloquial,
a rechinante sardinha,
a desancada varina,
o plumitivo ladrilhado de lindos adjectivos,
a muda queixa amendoada
duns olhos pestanítidos,
se fosses só a cegarrega do estio, dos estilos,
o ferrugento cão asmático das praias,
o grilo engaiolado, a grila no lábio,
o calendário na parede, o emblema na lapela,
ó Portugal, se fosses só três sílabas
de plástico, que era mais barato!
Doceiras de Amarante, barristas de Barcelos,
rendeiras de Viana, toureiros da Golegã,
não há "papo-de-anjo" que seja o meu derriço,
galo que cante a cores na minha prateleira,
alvura arrendada para ó meu devaneio,
bandarilha que possa enfeitar-me o cachaço.
Portugal: questão que eu tenho comigo mesmo,
golpe até ao osso, fome sem entretém,
perdigueiro marrado e sem narizes, sem perdizes,
rocim engraxado,
feira cabisbaixa,
meu remorso,
meu remorso de todos nós...
Alexandre O'Neill, Feira Cabisbaixa
27.4.10
OS DEGRAUS DA ESCADA
ERASED (act.)
Adenda: A semana passada também "desapareceu" o "sitemeter" (esteve um dia inteiro a zeros) que me vi obrigado a repor. Mistérios da informática porventura dos EUA.
Adenda2 (de dia 28): Hoje "calhou" a vez ao Mar Salgado.
CIRCO SEM PÃO
UMA COMISSÃO EM TEMPOS SOMBRIOS
«Acho [as comissões] fastidiosas e inúteis. (...) Primeiro, os deputados-inquisidores que participam na comissão são na sua maioria jovens, portanto, com pouca experiência, salvo, obviamente, algumas excepções (...) Mota Amaral - que é um político lúcido, experiente e, do seu natural, prudente e moderado -, também começa a sentir-se desconfortável na posição em que se encontra. O que é que resultou até agora de positivo - depois de tantas intermináveis audiências - para o progresso da justiça e para um melhor conhecimento dos factos alegados pelos acusadores? Alguém é capaz de responder, com objectividade? Não creio. Mas há uma coisa que julgo não poder evitar-se, depois de tantas horas de audiência: o desinteresse do público e o desprestígio dos deputados participantes (ao contrário da publicidade que julgam merecer) e do Parlamento, que lhes cumpre, em princípio, defender. Por isso, apoiei a decisão do primeiro-ministro de não comparecer na comissão.»
26.4.10
ESCASSEZ EM EXCESSO
NO LIMITE DA LEGALIDADE
OS VIVAÇOS DO 25
A "MANIF" DO "25 DE ABRIL SEMPRE"
Vista por um leitor.
DA VIDA INTELECTUAL PORTUGUESA
UM TRIO INFELIZ
Adenda (mail de leitor):
«Em 1971 vi, em Santarém, que é a minha cidade-berço, inaugurar uma legítima estátua em bronze ao mui-corajoso Pedro Álvares Cabral - fronteira ao hospital da Misericórdia e numa avenida honesta e rectilínea. Já no fim do séc. XX vi, numa visita aos meus progenitores, essa estátua ser substituída - no mesmo pedestal Estado Novo - pela de Salgueiro Maia (enquanto que o navegador Pedro era remetido para um qualquer depósito, "à espera"). Nos alvores do séc. XXI vi pedestal-e-estátua-de-salgueiro desaparecerem, enquanto que a honesta e rectilínea avenida era deformada, por uma utilíssima obra camarária, numa rotunda em forma de cona velha. Mais recentemente, vi a estátua de Salgueiro reaparecer à entrada do povoado, junto a um chaimite, sem pedestal e sem letras, e democraticamente colocada ao nível do passante - que assim pode colar auto-colantes, cuspir, bater, tirar fotografias cómicas - reduzindo assim Maia à categoria de boneco de feira. De Cabral nunca mais ouvi falar. Santarém-e-Moita arvoram, à entrada, o lema "Uma história de liberdade" num dístico já desbotado. Ontem Sócrates foi lá dar mais um golpe, distinguindo o município com mais três instituições inventadas e inoperantes; uma delas feita à medida de moita-e-mesquita. Sinistro.»
Adenda2 (outro mail de outro leitor):
25.4.10
O LIMITE
Chamarei os velhos que foram
No bosque humano
Eu velho agora
novo para eles
No tronco antigo
de Neanderthal.
Faremos todos uma fogueira
Dos dentes deles às rosas novas
No meu quintal
Da Faculdade
Do Mundo ter idade
(Sem limite a idade, claro:
O Mundo não,
Que esse é finito na expansão).
-«É bom não pôr limites à Misericórdia divina»
Disse um Papa velhinho
A quem exígua prece
Votava uns anos mais
Como é próprio da Caixa de Descontos
Dos pequenos mortais
Tudo deperece,
desaparece...
Nasci ainda ao sorriso de Leão XIII:
Cá me vou, como os mais.
No bosque humano chamarei os velhos que foram
As rosas que são
vermelhas
alvas
azuis
amarelas
Dobradas rosas singelas
Minhas cordas de viola
alto rosal de som.
Chamarei os velhos que foram
Em lá sostenido
em si natural
A quem não quer chorar seu mal.
Chamarei os velhos que foram:
Envelhecer é tão afinal
Entre roseiras e fogueiras
(Talvez feriado nacional)
E então prefiro o mi bemol,
Eu novo eterno tomando sol
Com os velhinhos comigo a par.
Em dó sostenido, para não chorar.
in Limite de Idade (1972)
«ODIUM THEOLOGICUM» OU A OUTRA COISA
CADEIRAS
O HOMEM DO LEME
O REGIME DA "LIBERDADE BASTANTE" OU O PAÍS FALIDO DO RESPEITINHO ETERNO, 2
Adenda: Grande discurso desmistificador do rapaz do hífen, o Aguiar-Branco. Finalmente. Segue-se o Joãozinho Soares que é sempre um bom momento para um tipo se lavar.
O REGIME DA "LIBERDADE BASTANTE" OU O PAÍS FALIDO DO RESPEITINHO ETERNO
«Nenhuma verdadeira revolução trouxe a ninguém nada de bom. A revolução francesa atrasou o desenvolvimento industrial do país, criou 70 anos de instabilidade política e, com Napoleão, pilhou e arrasou a Europa inteira. A revolução russa conseguiu parar a evolução do império para uma sociedade burguesa e semicivilizada, fez morrer dezenas de milhões de pessoas na guerra civil, nas purgas e nos "campos de trabalho" e acabou por instalar uma das tiranias mais violentas da história. E mesmo no nosso pequeno Portugal a revolução republicana, que hoje discretamente se comemora, trouxe uma república intolerante e terrorista, que, pela sua desordem e fraqueza, introduziu a longa ditadura de Salazar. A outra face do equívoco é a de que o "25 de Abril" não passou de um pronunciamento militar, que o Partido Comunista e alguns loucos desirmanados tentaram transformar numa revolução. Se o programa do MFA se limitasse, como devia, a dois fins legítimos - descolonizar e, assim que possível, convocar eleições -, Portugal provavelmente não teria passado pela irresponsável aventura do PREC, que desfigurou o Estado e paralisou a economia. Com a revisão constitucional de 1989, 14 anos depois, voltámos pouco a pouco a uma certa espécie de "normalidade", insegura e precária. Mas nem por isso nos livramos dos velhos vícios da ditadura e do PREC. A regularidade e o realismo, que as circunstâncias gritantemente pediam, degeneraram na improvisação e no conflito. De qualquer maneira, agora existe um Estado providência (imperfeito, evidentemente) e, quer queiram quer não, existe liberdade bastante.»
Vasco Pulido Valente, Público
FOGUETÓRIO
24.4.10
"DIAS DA MÚSICA"?
Clip: Gustav Mahler, Final da Sinfonia nº 2, "Ressurreição". LPO. Leonard Bernstein
UMA MODIFICAÇÃO
KUNG NO SEU LABIRINTO
UM ACTO DE JUSTIÇA POÉTICA
«Era em Praga, num dia de sol e o dr. Cavaco, ainda primeiro-ministro, estava sentado num muro da cidade velha. Muito bem-disposto, resolveu dar uma espécie de conferência de imprensa improvisada. A certa altura, um jornalista perguntou se a República Checa podia entrar na União Europeia dentro de seis meses, como tinha anunciado. E o dr. Cavaco respondeu, com o seu sorriso condescendente e petulante de "bom aluno", que não podia. Essas coisas, explicou ele, em grosso, eram muito mais complicadas do que, na sua inocência, os checos julgavam. Mas, naturalmente, iam aprender. Agora o dr. Cavaco voltou a Praga e o Presidente Vaclav Klaus manifestou em público o seu espanto pela serenidade com que Portugal vivia na sombra de um défice tão assustador. Portugal, segundo Klaus, devia andar "nervoso". Este comentário, manifestamente pouco diplomático, foi um acto de justiça poética. Quando administrou a sua lição àquela pobre gente, saída do comunismo e, ainda por cima, eslava, o dr. Cavaco não sabia nada sobre a República Checa. Não sabia que a Boémia era o centro industrial do Império Austro-Húngaro. Não sabia que tanto Hitler como a URSS o haviam cuidadosamente conservado e alargado. E não sabia (porque não olhou para um mapa) que geograficamente a República Checa ocupava uma posição privilegiada na Europa. Hoje, para perpétuo vexame do dr. Cavaco, o Skoda passou a ser um carro vulgar em Portugal, o Presidente Klaus exibe um défice trivial e uma balança de pagamentos positiva; e o nosso Professor vigia, inerme, de Belém, um país periclitante, à beira da falência. Moral da história? Por um lado, que não é muito boa ideia perorar sobre o que não se percebe. E, por outro, que o "desenvolvimento" cavaquista partiu desde o princípio de premissas falsas. Portugal chegou ao "25 de Abril" sem uma verdadeira "revolução industrial" e sem um verdadeira "revolução burguesa". O liberalismo, político ou económico, nunca passou de uma ideologia minoritária, estranha a uma sociedade, no fundo, camponesa e a uma classe média, dependente de um Estado hipertrofiado e centralizador. Esperar que o dinheiro da "Europa", a política do betão, o ensino de massa e as privatizações conseguissem o milagre de a "modernizar" não passou de uma ilusão e de um erro. Quando se raspa o "novo português", que o dr. Cavaco tanto contribuiu para fazer, o que fica é o português indigente e finório, à procura de um bom "negócio". O défice e a dívida, que nos perseguem desde o século XIX, não reapareceram por acaso.»
Vasco Pulido Valente, Público
UM POEMA
C’est toujours imprévue la folie qui te prend.
Me méfiant de toi je vois ce qui se passe,
Et la queue du soleil t’encule heureusement.
Vitorino Nemésio, Caderno de Caligraphia e outros poemas a Marga.
23.4.10
UM REGIME DE PAPEL
«CABEÇA PARA BAIXO, RABINHO PARA O AR»
(...) Vou lendo o Portugal dos Pequeninos e acompanhando as tuas hortaliças. Como não estar atento a um país tão catita como o nosso, que paga ao fémur da Medeiros as suas estiradas até Paris e ao papa-figos da PT para bater punhetas ao capadócio que nos governa, esse que assina casas que parecem enchovias (...), para não falar da canzoada da oposição, do louro Coelho (porra, mas quantos Coelhos há nesse país?), dos pistoleiros do PP... Também vou lendo o Massagista Pitta, o nosso glande clítico litelálio, para me informar e por graça, e o Peixe-Cão Viegas... É tudo malta que não pode ser levada a sério, é para levar na desportiva, cantarolando e rindo: «todos os patinhos sabem bem nadar, cabeça para baixo, rabinho para o ar». Porque enrabados por enrabados, pelo menos que seja achincalhando.»Adenda: Filipe, não seja piegas. O mal da nossa chamada literatura (e actividades comerciais adjacentes, prolongáveis em jornais, revistas, rádios e televisões) é este excesso de lamechice autocomplacente. Lá por sermos amigos deste ou daquela - mesmo até por isso - não devemos tratá-los como atrasados mentais ou criancinhas desprotegidas da sorte. A ironia e a polémica nunca fizeram mal a ninguém. Pelo contrário, à conta da "bondade", aceitamos sempre qualquer dedo enfiado onde menos se devia esperar acomodá-lo. É tempo de passarmos a ferro estes preconceitos respeitosos, atentos e veneradores e de evitar viajar em circuito fechado. Senão temos de ir buscar ao baú o poeminha da Natália Correia, destinado aos venerandos do tribunal plenário que lhe proibiram a Antologia, e relembrar que a poesia (leia-se, a blogosfera) é para comer.
POSTAL PARA O 25 DE ABRIL
Eduardo Cintra Torres, Público
22.4.10
DA CERTEZA DOS CEMITÉRIOS
PERDOA-ME ET. AL.
EM NOME DE NADA
FALAR VERDADE ACERCA DE UM FRACASSO
UM ESCRIBA NO PORTUGALÓRIO
UM SOCIALISTA SEM AS MÁS ILUSÕES
«Tal como na vida existe muitas vezes uma ilusão biográfica, que consiste em olhar para o que nos acontece como se fizesse parte de uma história cujo fim já se conhece, também na política existe uma ilusão comemorativa, que leva a celebrar os acontecimentos como se, quando eles ocorreram, já se soubesse que destino os aguardava. E, contudo, nada é mais falso. A estas ilusões há que - como Sartre aconselhava - opor a força da contingência na história e da liberdade na vida. Ninguém é dono do sentido dos acontecimentos, ele está sempre em aberto e sujeito às relações de força que, conforme as circunstâncias da mais diversa natureza, ora valorizam um aspecto ora outro: o "espírito" do 25 de Abril de 1974, que se celebra no próximo domingo, é este ano certamente muito diferente do que foi em 1975, em 1986 ou em 2004, por exemplo. Por isso, talvez seja preferível olhar para alguns factores que mudaram completamente o estado do mundo e da pátria desde então. Olhemos para três deles, escolhidos pelo seu significado e pelas suas consequências. Em primeiro lugar, para o desaparecimento das polarizações ideológicas tradicionais. Depois, para a substituição do sentimento de progresso pelo de declínio, com base numa matriz de desconfiança que se generalizou nas sociedades ocidentais. Por fim, para a transformação estrutural da própria política, que tem hoje pouco que ver com aquilo que a caracterizava há trinta ou quarenta anos. Quanto ao desaparecimento das polarizações ideológicas, ele não significa apenas, como se costuma dizer, o fim da oposição capitalismo/ /comunismo, que se associa à queda do Muro de Berlim. Ela significa bem mais do que isso, uma vez que o que o que aconteceu foi que as ideologias deixaram de ser "visões do mundo" capazes de estruturar as sociedades, de motivar as comunidades, de federar os cidadãos ou de alimentar as suas convicções. E, no seu lugar, instalaram-se o indivíduo, o consumo e os media, que se constituíram no quadro de referências nucleares da contemporaneidade. É isto que explica que nenhuma verdadeira alternativa ao capitalismo tenha entretanto surgido no horizonte, nem mesmo quando o capitalismo se aproximou da catástrofe com a avassaladora crise que eclodiu em 2008. É que, como diz Aristóteles, é preciso opor para pensar: sem polarizações que estruturem o pensamento e a acção, o fatalismo e a resignação impõem-se quase inevitavelmente. Sintomático disso é o facto de governos de todo o mundo, fosse qual fosse a sua natureza política, terem reagido do mesmo modo à crise: injecções de fundos públicos para salvar os bancos, planos de relançamento para sustentar a actividade económica e medidas sociais para atenuar os seus efeitos. Como observou Pierre-Antoine Delhommais no Le Monde, "no Japão, em Espanha, na Alemanha, em França, em Itália, na Suécia, trabalhistas, conservadores, liberais, comunistas, sociais-liberais, Bush, Obama, Sarkozy, Merkel, Brown, Zapatero, Strauss-Kahn, Putin, Hu Jintao, todos adoptaram respostas de política económica à crise rigorosamente idênticas." (22.03.2010) O segundo factor emerge naturalmente desta situação. Pressente-se que as elites se e nos enganam, o que leva a que as expectativas de progresso vão sendo soterradas por uma desconfiança que cresce constantemente no meio da desorientação geral. Tudo nos antípodas do optimismo de 1974, consolidando - e é o terceiro factor - uma imensa transformação da política que, por sua vez, se alimenta de várias razões. Entre elas, destaca-se a globalização, que transferiu o poder para uma escala que escapa às políticas nacionais, reduzidas a uma inesperada impotência. Destaca-se também o "distributivismo" orçamental, que se deixou apanhar nas teias de uma cidadania cada vez mais consumista e na tenaz das exigências de curto prazo, que alimentam a "servidão voluntária" do nosso tempo. E destaca-se ainda o voluntarismo sem noção da história ou da complexidade da sociedade, que se ilude pensando que a política tudo comanda e que é tudo uma questão de determinação.»
Manuel Maria Carrilho, DN
21.4.10
UMA MANCHA
Que eu pelo rosto angélico apertava
Não fiquei homem não, mas mudo e quedo,
E junto dum penedo outro penedo."
Os Lusíadas, Canto V
Aquela deputada-actriz ou actriz-deputada que se senta significativamente na "comissão de ética", a D. Inês de Medeiros, com um parecer de um consultor jurídico da AR (quem?) e com um despacho favorável do dr. Gama nele aposto, vai ter as suas viagens semanais Paris-Lisboa (em executiva?) pagas pela dita AR, mais as ajudas de custo, com a alegação de que a menina, coitadinha, vive em Paris onde já residia quando o PS a convidou para ornamentar as listas. Exemplares, como sempre, os nossos representantes políticos. E depois não querem que o sr. Asdrúbal e respectiva prole - o homem-médio contribuinte que paga isto tudo e que contribui para o famoso crédito mal parado - não vá a Cancun a prestações que fica a dever ao banco. Gama andava relativamente bem mas, de repente, lembrou-se da seita a que pertence (e que fundou) e à qual, como um pequeno adesivo de caixa de prontos-socorros, se associou, em versão independente e politicamente nula, a referida proto actriz. Uma mancha no seu mumificador currículo presidencial parlamentar.
Adenda: Informa um leitor (via JN) que a dita actriz fazia parte de um "mostruário" de alegados famosos que podiam ser úteis a uma empresa (a PT) e a um partido (o PS) em campanhas publicitárias. Para além dela, o "estudo" incluia Figo, a menina Patrocínio e Mourinho, aparentemente o único que demonstrou algum tino. Isto tudo foi revelado pelo sr. Penedos júnior ao parlamento a quem o camarada não-sei-quê Soares, da PT, encomendou a "parte" jurídica da coisa. Que asco que esta gentinha latino-americana do mais rasca que há desperta.
Adenda2: A coisa não podia deixar de ter o dedo do extraordinário Lello que, na sua condição de presidente do conselho de administração da A. R., possui "voto de qualidade". Devia ser a esta "qualidade" que o preclaro Sampaio se referia. Isto é pior que os "irmãos Metralha" porque tem uma "capa" institucional para esconder a falta de vergonha.
SAMPAIO E A "QUALIDADE"
20.4.10
GUTERRES
RIDÍCULOS
UM DESASTRE ANUNCIADO
COMO NÃO DEVEMOS SER
Adenda: Este pormenor da pastilha elástica também contribui para o "prestígio". Um qualquer porque é uma palavra cara às gentes do regime como o que lá a colocou. Lembra pormenor idêntico, só que passado, se a memória não me trai, numa varanda. O filme era O Último Tango em Paris, de Bertolucci, e o Lino da varanda era Marlon Brando. Pelo caminho da coisa, a "comissão" ainda chega à parte da manteiga.