25.3.07

EUROPA


Para comemorar os cinquenta anos do Tratado de Roma, encontram-se em Berlim todos os basbaques que dirigem presentemente a Europa. Os "pais" da ideia devem dar voltas nos respectivos túmulos quando se vêem representados por tanta nulidade política e humana. Já são vinte e sete e, se a loucura turca o permitir, qualquer dia só param na Rússia. Com aquele ar atrevido de miúdo a meio caminho entre a Cova da Piedade e Bruxelas, o presidente da Comissão Europeia desfez-se em entrevistas e "ideias" para garantir o seu lugarzinho na "história". Ultimamente "agarrou-se" ao ambiente como se não estivéssemos todos mortos a prazo, apesar das milionárias conferèncias do sr. Gore. Por cá, não houve luminária esclarecida ou analfabeta que não "botasse" discurso ou prosa sobre a Europa. Do "rapto" mitológico até ao governo sem rosto de Bruxelas, o regime esteve e há-de estar bem representado durante o dia nos jornais e nas televisões. Por isso me apetece escrever sobre Francisco Lucas Pires. Lucas Pires foi meu professor e, atrevo-me a dizer, alguém com quem sempre mantive uma enorme cumplicidade intelectual. Conheci-o aos dezoito anos e despedi-me dele, sem o saber, horas antes da sua estúpida morte em 1998. Foi nele em quem votei nas primeiras eleições para o Parlamento Europeu, em 1987, no mesmo dia em que Cavaco Silva arrebatava a primeira maioria absoluta. Nessa altura Pires já tinha sido presidente do CDS - o Paulo Portas, nos corredores da Católica, em 83, exibia com orgulho o seu "liberalismo" através de um auto-colante com o rosto de FLP colocado na lapela- e era, com sucesso, o nosso bem preparado deputado europeu que trouxe a Lisboa os seus amigos do PPE para essa campanha. FLP era um homem de pensamento e, enquanto tal, produziu provavelmente a única mais-valia que o CDS teve nesse campo - o saudoso "grupo de Ofir" - a que também pertenceu o José Adelino Maltez. No PREC, forneceu ao partido uma teorização sobre a constituição ideal ("Uma Constituição para Portugal"), escreveu artigos para uma das melhores revistas de pensamento político da época, a "Democracia e Liberdade", e dava aulas com uma lucidez adivinhativa e tímida própria dos melhores. Nunca foi um político de acção ou de intriga e, como tal, não escapou à tortura das novas e das velhas nomenclaturas do regime e do seu próprio partido. Gostava mais dos homens do que apreciava as suas "arrumações" partidárias concretas e isso foi-lhe fatal. Foi finalmente deputado europeu pelo PSD e alvo do escarninho público de muitos alarves que transformaram o CDS em PP e o PP num circo, bem como de muitos inquisidores de pacotilha cheios de esqueletos no armário. Até Portas arrebatou um orgasmo televisivo contra ele num daqueles seus frenéticos momentos de falso moralismo político. Ontem, ao limpar uma estante de papéis e de jornais inúteis (de vez em quando há que deitar fora partes definitivamente mortas da nossa vida), apeteceu-me reler o livrinho de Lucas Pires na colecção "O que é", neste caso, a "Europa", com um prefácio de Eduardo Lourenço (Difusão Cultural). E ocorreu-me a falta que homens como ele fazem à nossa medíocre vida pública, tão poluída por tantos arrivistas e ignorantes esquecíveis. FLP tratou de "pensar a Europa" num momento em que, cá dentro, toda a gente se preparava para se servir dela. Homens como ele não têm "herdeiros". A gente que se bamboleia entre cá e lá em nome da burocracia de Bruxelas, não lhe alcança sequer os calcanhares. Francisco Lucas Pires chegou cedo demais e partiu cedo demais. Nunca o chegámos a merecer.

8 comentários:

Aladdin Sane disse...

Aplaudo.

António P. disse...

Também aplaudo e apesar das divergências ideológicas com Francisco Lucas Pires também sinto " a falta de homens como ele fazem à nossa medíocre vida pública"

batuta disse...

Muito bem. Que bom ter-me lembrado deste amigo afável, inteligente e disponível para um ideal, sem um cheque à frente.

Anónimo disse...

Belo Post. Foi uma grande figura da nossa vida pública, Francisco Lucas Pires.

Anónimo disse...

Excelente post. Em meados dos anos 80 viajei com Lucas Pires de Évora(colóquio sobre a presença islâmica em Portugal) e Lisboa,e discutimos toda a viagem problemas vários e importantes relativos às competências dos nossos Ministérios respectivos (ele titular e eu noutro nivel). Impressionou-me a qualidade do seu raciocínio,e sobretudo a sua honestidade intelectual,o que me fez pensar (para mim)que não teria grande carreira politica neste magnifico país. Não me enganei,e acompanho o autor do blog na saudação à sua memória.

Anónimo disse...

Aqui está uma homenagem justa a um Homem de bem que muita falta faz à vida política portuguesa e à Europa

Anónimo disse...

Participei nos trabalhos do Grupo de Ofir e o Prof José Maltez não pertencia ao Grupo. Terá sido convidado para uma das sessões. Daí a fazer parte do Núcleo duro...
FLPires não está vivo mas há documentação que ilustra e muito ainda vivos

Anónimo disse...

Participei desde o inicio no Grupo de Ofir e informo que o Prof Adelino Maltez não fez nunca parte do núcleo central. Foi convidado para uma sessão e isso não faz dele um membro do Grupo de Ofir.
FLPires não está vivo infelizmente para Portugal. Há documentação sobre o grupo e pode ser consultada e verificar a veracidade das minhas declarações