O Público em papel dedica duas páginas a uma coisa que intitula "redefinição da social-democracia é central para o futuro dos partidos socialistas europeus". O "empurrão" para o texto (de São José Almeida) é a mudança no cargo de secretário-geral do PS e os protagonistas do mesmo são "personalidades do PS que foram críticas de José Sócrates". Com o devido respeito pelas "personalidades" em causa (duas delas, aliás, são minhas amigas), a tão esperada "refundação" do PS (Mário Soares), avistada pelo lado teórico dela, mais parece um regresso ao passado doméstico do que uma preocupação genuína com o futuro da social-democracia. De facto, o PS, entre 1974 e 1976, estabeleceu-se cá dentro e lá fora como o partido epígono dos congéneres europeus, tivessem eles a designação de "socialistas" ou de "social-democratas". Soares impediu a filiação, desejada por Sá Carneiro, do então PPD na Internacional Socialista e entreteve-se a "denunciar" o "reaccionarismo" do homem (bem com a sua intermitente "loucura") pelo estrangeiro. O líder do PSD percebeu e exercício mas chegou a propor Belém a Soares, em 1976, e só com o desempenho político e governativo de 76 a 78 concluiu pelo rompimento com a menor veleidade de entendimento com Soares e o seu "sonho mexicano". O PPD/PSD acabou por se forjar em casa, sem complexos ideológicos. Menos de cinco passados sobre o 25 de Abril, Sá Carneiro, com Freitas do Amaral e os Reformadores, conduziu o centro-direita ao poder sem demasiados estados de alma. A história do PS daí em diante é conhecida. Sá Carneiro desapareceu tragicamente, Soares regressou para chefiar o "bloco central" que morreu às mãos de Cavaco - Cavaco retirou-lhe quaisquer veleidades de apropriação exclusiva do programa social-democrata graças, também, à entrada na Europa promovida pelo primeiro -, Guterres e os seus "estados gerais" só apareceriam dez anos depois e, em 2004, chegou Sócrates que triunfou pelas circunstâncias ocorrentes e em nome de um pragmatismo incolor e absolutista que durou seis anos, desertificando o partido, anulando-o. O PS descaracterizou-se ao ponto de o país, a 5 de Junho último, não o reconhecer. Nunca teve o monopólio da social-democracia porque, apesar das filiações e das amizades internacionais, a social-democracia, em Portugal, sempre foi como o cozido: é "à portuguesa". Cavaco Silva, por exemplo, fez mais pelo reformismo (a "matriz" social-democrata e não o "estado social" que é coisa que dá para tudo e para nada) do que anos e anos de "ideologia", fosse ela a do punho ou a da rosa no ar. Das seis "personalidades" escolhidas pela jornalista São José Almeida, quais é que são social-democratas? Ana Gomes? Manuel Alegre? Carrilho leu e trouxe o filósofo social-democrata americano Richard Rorty a Portugal e foi o único ministro da Cultura "reformista" do regime. Medeiros Ferreira levou-nos para a Europa, como MNE, e em nome da flexibilização do sistema económico e da evolução do sistema político, fez um acordo com Sá Carneiro em 1979 que permitiu alargar a base de apoio "reformista" da então AD. Em 2011, o PS - à semelhança dos homólogos europeus e extra europeus - deixou de ter o monopólio dos valores da "igualdade" e da "solidariedade". Pelo contrário, foram justamente partidos equivalentes europeus - e o PS de Sócrates - que mais contribuíram para "enterrar" os referidos valores, para excitar o "individualismo" e o "mercado" nas suas mais repelentes facetas e para diabolizar o Estado enquanto manifestação equilibrada de soberania e autoridade democráticas junto de uma sociedade dita civil que só se sabe emancipar nos livros e na retórica reivindicativa de dois ou três negócios florescentes. Os pobres ficaram mais pobres e os ricos ficaram mais ricos depois das terceiras, quartas e quintas "vias" socialistas europeias. E a vida das pessoas foi objectivamente puxada para baixo. Isto é um facto. Não é uma ideologia.
7 comentários:
Só posso concordar com esta análise. No entanto, José Sócrates conduziu os destinos do país como o devia ter feito, como, aliás, lhe foi exigido pelas instâncias internacionais das quais dependemos. Implementou muitas das reformas que já vinham sendo adiadas desde os tempos de Cavaco Silva, como por exemplo, a introdução dos genéricos, a constituição da ASAE, polícia regulamentadora das actividades económicas ligadas à restauração e distribuição, a criação das unidades de cuidados continuados e paliativos, o processo da avaliação dos professores que parece ainda estar em vigor, etc..... Penso que, efectivamente, o PS tomou agora o seu rumo, com José Seguro. E penso também que José Sócrates deveria pensar em criar um partido político, ideologicamente conotado com a social-democracia, uma vez que o PSD irá necessariamente enveredar pela corrente liberal. José Sócrates não é perfeito, é humano, mas apresentou-se como um político honesto, empenhado e consciente. Estou certa que se ele viesse a formar um partido, 50% dos militantes do PS segui-lo-iam. Assim como eu, que me associaria à militância política pela primeira vez...
o socialismo 'adormeceu' o zé povinho.
a conclusão está patente na expressão latina:
«dormientibus, ossa» ou
«para os que dormem, sobram os ossos»
Por mim, o peiésse pode-se f... e desaparecer, como o peiésse italiano. Há razões para isso.
PC
Caro João,
A razão é muito prosaica e pode resumir-se na famosa frase de Margareth Thatcher: "[They have] run out of other people's money".
Ora sucede que o drama para qualquer família socialista (de "rosto humano", como M. Soares gostava de sublinhar) é que só voltará a haver algum dinheiro para redistribuir caso se deixe voltar a emergir o capitalismo. Refiro-me ao sistema que compensa, com o adequado nível de lucros correspondente, o empreendedor bem-sucedido mas também que castiga com as perdas e mesmo com a bancarrota, o falhanço e a incompetência ou, simplesmente, o azar.
Até os suecos, na antecipação da (primeira?) grande crise do séc. XXI, perceberam que tinham ultrapassado os limites. Havia que recuar. Fizeram-no, na década de 90, e estão hoje a salvo. Os alemães também (SPD , CDU/CSU e FDP), mais ou menos na mesma altura. Daí a raiva daqueles outros que, nada tendo feito para endireitar as suas economias, apontam agora a falta de “estatura” a A. Merkel pelos seus problemas que eles próprios criaram.
O "revisionismo", que na minha juventude tinha uma conotação muito negativa pois propunha uma reinterpretação das "Escrituras", é uma actividade a que muitos mais se deviam dedicar. Talvez assim percebessem que a razão de ser da crise em que estamos mergulhados não se deve ao triunfo do "neoliberalismo" (que raio de coisa será esta?) mas antes a um excesso crónico de despesa pública que nos atirou ao tapete, de um e outro lado do Atlântico. Não acreditam? Olhem para a série temporal que ilustra a evolução do peso da despesa pública no PIB e o consequente disparo da dívida pública (grosso modo, o somatório dos défices orçamentais passados).
Fernanda Valente
Se acha que o grande canalha conduziu os destinos do país como devia ser feito, porque não se prontifica a pagar a dívida que ele deixou e que nós temos de pagar?
Entende que ele devia criar um partido político? Parece-me que sim, onde se acoitassem todos os canalhas, todos os aldrabões deste país.
Onde viu honestidade no grande canalha? Talvez nem no olho do ...
Se fundasse um partido, 50% dos militantes do PS segui-lo-iam. Sim todos os aldrabões que fazem parte de semelhante quadrilha.
Caro João Gonçalves:
Também li o artigo que menciona e senti-me embaraçado pelo chorrilho de disparates que essa "reserva" do PS disse. Tirando Carrilho e Ferreira, o que sobra são 4 criaturas que se limitam a proferir inanidades esquerdistas. Ana Benavente, então, é de bradar aos céus. Se foi isto que sobrou no PS para lá de Sócrates, Seguro está tramado.
Muito bem escrito, descrito, recordado e analisado. O PS agora-parcialmente-de-Seguro não tem qualquer estratégia, não sabe por onde começar, só soube usar chavões e ideias pífias (ou seja, expectáveis neste marasmo de correcção flácida...) e não faz ideia - além do Poder - do que pretende realmente. O mais natural é não pretender nada, a não ser governar por puro desejo de obter empregos. Como qualquer partido 'do arco' hoje. Os outros podem, tranquilamente, dedicar-se à fantasia - sua vocação e seu papel que o Estado lhes dá (no fundo, PCP, CGTP e BE são apenas 'repartições' do Estado Português de Esquerda: o contribuinte suporta e financia estes partidos - em proporção, 'mais' do que os outros). A "Terceira Via" foi uma invenção estrangeira - prontamente aplicada cá no burgo por gente esperta mas vácua. Estranho que a desregulação da Finança - sistemática, continuada, irresponsável e até criminosa - começada pelo Cowboy-Reagan e continuada por Bush I tenha convindo tão bem tipos como Blair e Clinton. Este último ganhou fama de "verdadeiro democrata" levando Rabin e Arafat a conversar - e desmantelando quase 50% da frota de combate da Marinha Americana (de qq maneira esse 'desmantelar' de unidades obsoletas e remanescentes da Guerra Fria seria um plano até republicano). O disparate da vida-a-crédito, tanto dos cidadãos como dos estados, foi a galinha dos ovos de ouro que permitiu a estes 'socialistas' de encenar durante 15 anos uma prosperidade viciante. O desrespeito pelas Instituições Nacionais e seus Valores foram alcançados pelo encosto cúmplice do pensamento-único-esquerdizante-e-socialista ao 'grande capital' internacional, desregulado, sem rosto e habitando em off-shores: um mimo do 'internacionalismo' que nem o inefável doutor Louçã da LCI imaginava possível - fazendo caír fronteiras e desvalorizando culturas (verdadeiras). Para refundar agora o PS, seria quase preciso matar toda a gente lá dentro; e ir à maternidade Alfredo da Costa em busca de embriões ainda puros. Mesmo nesta coisa simples - que é a escolha de deputados - o PS não percebeu ou não soube ter a decência de entender que usar os mesmos delinquentes, de apenas 'algumas horas antes', não era renovação nenhuma. Ver tipos como Silva Pereira, V. da Silva, Canas e outros pilantras antes-ministros a 'exigir transparência' e a criticar é como visitar uma ala de tontinhos irrecuperáveis num hospício. A 'refundação' vai por bom caminho e segue.
Ass.: Besta Imunda
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