3.2.11

CONTRA A POLÍTICA ENQUANTO BETÃO ARMADO SOB A FORMA DE PARTIDO, DE GOVERNO E DE ESPECTÁCULO


«Em 2009, chamei a atenção para o erro de ignorar o significado das urnas e apostar num governo minoritário, bem como para os impasses a que esse erro conduziria. Em 2010 publiquei todas estas reflexões no livro E agora? (Editora Sextante), a que dei como subtítulo "Por uma nova república", porque nele apresentava ainda um vasto conjunto de propostas políticas, com o objectivo de responder à descredibilização e à desvitalização da nossa democracia. O facto de as minhas previsões terem sido "certeiras" não me orgulha nem me satisfaz, bem pelo contrário. Porque os problemas eram evidentes para quem os quisesse ver, e porque os erros vão sair muito caros ao País. Insinuar agora que o que eu penso e digo se deve a qualquer ressentimento ou episódio recente, como há dias fizeram Almeida Santos e o "comité" de recandidatura de José Sócrates à chefia do PS, é, na verdade, indigno. E só refiro esse episódio porque é curioso recordar que, se o meu afastamento da UNESCO teve por motivo próximo a publicação do meu livro E agora? e a entrevista que então dei ao Expresso, o motivo de fundo foi o de eu ter argumentado até ao limite, nas eleições para a liderança daquela organização, contra o apoio do nosso país à candidatura de uma figura de proa da ditadura egípcia, cujos méritos, então muito elogiados por José Sócrates, todos temos nestes últimos dias observado em directo... Por outro lado, argumentar com o imperativo da "unidade do partido" para enfrentar a crise também não adianta, porque se há coisa de que o líder do Partido Socialista beneficiou durante todos estes anos foi de um unanimismo quase total. E isso não evitou a sucessão de erros que agora se quer disfarçar. A crise que o País vive deve-se em boa parte às opções do Governo nos últimos dois anos e meio. Reconhecê-lo é, por mais desconfortável que seja, um acto de responsabilidade política elementar. Essas opções não foram nunca realmente discutidas no âmbito do Partido Socialista, que tem sido dirigido numa lógica de facto consumado, por um pequeno grupo de profissionais do poder, cuja eficácia - ainda que "danosa" - não se deve desvalorizar, a julgar não só pelo modo como subjugaram o partido mas também pela maneira como fizeram do País seu refém. A crise é por isso, antes do mais, de ideias e do seu debate. Dos modos de deliberar, de participar e de decidir. Andar agora a "desafiar os críticos a avançar" para a liderança do partido é não compreender que cobiçar o poder e desejar o debate são coisas distintas. É recusar aos militantes o direito a pensarem por si próprios e a exprimirem-se livremente, a não ser que aceitem disputar o poder. O "desafio" traduz uma visão da liberdade e do pluralismo que é inaceitavelmente condicional - "só podes ser livre dentro da minha gaiola" -, própria de quem vê no debate livre e aberto de ideias uma ameaça, e não uma porta para as soluções de que o País precisa. Sem ideias e sem debate iremos sentir até ao fim os efeitos desastrosos desse cocktail fatal de que já falava Maquiavel - a mistura da obsessão do poder com os efeitos da ignorância. E depois de um tal fim, a ressaca será à sua medida. Os militantes livres do Partido Socialista deviam começar a pensar nisto.»

Manuel Maria Carrilho, DN

«O meu balanço só pode ser breve: há aspectos positivos, como a reforma da Segurança Social, a política das energias renováveis, alguma desburocratização e – apesar dos seus muitos equívocos – a política de ciência. Mas também há, e muitos, aspectos negativos: o pior vai para a Justiça, que se transformou numa ameaça real para a nossa democracia e economia. Mas há que destacar também a educação, em que a aposta no “betão escolar” não salva a política ruinosa destes seis anos. A economia, sem qualquer orientação, fixada num embaciado e inútil retrovisor desde o começo da crise, em 2007, o que se tem traduzido num desesperante desemprego. A cultura, onde é preciso recuar até antes do 25 de Abril para se encontrar um período tão mau. E como não falar do insuportável autoritarismo e do desprezo pelo pluralismo... para esconder isto fala-se muito de determinação, mas quando ela é para a asneira, não ajuda muito, não é? De resto, é sempre intrigante quando vemos um tipo muito teimoso, mas que não sabe o que quer. Quanto ao socialismo moderno, há todo um debate por fazer, nomeadamente desde que a crise veio pôr em causa a sua travemestra, que era o deslumbramento pela “financeirização” da economia e pelas novas tecnologias, que são duas faces da mesma moeda. É bom não esquecer isto, sobretudo porque foi isto que deixou Sócrates sem tapete em 2007, e o levou, durante dois anos, a negar a realidade da crise. (...) Conheço-o há muito tempo, quando eu falo de ideias e de debates, ele pensa em espectáculo e em propaganda. Veja, como agora começou a preparar um novo espectáculo (o congresso), já está aí a pedir debate de ideias... é confrangedor! (...) O exercício do poder, que se reduz à obsessão de durar, nunca deu futuro a nenhum partido. Estes seis anos traduziram-se numa óbvia degradação de diversos valores do Partido Socialista: o pluralismo, a igualdade, a educação e a cultura, os direitos humanos. A “modernidade” foi um slogan sem qualquer conteúdo – conhece alguém que não queira “ser moderno”?

idem, Público

7 comentários:

Anónimo disse...

mesmo que tudo o que diz Carrilho seja verdade, menos verdade não é que existem nelas o combustível suficiente, ou mais que isso, para lançar uma candidatura à liderança do PS, contra Sócrates!!
Para perder, claro! Mas e qual é o problema? Pelo menos tem o palco para dizer tudo isto aqueles aperaltados senhores congressistas.

E depois se verá, porque, como é evidente, já toda a gente se esqueceu daquele fantástico último congresso de Guterres, o congresso da super unanimidade em torno do líder, o tal que estava de saída do pantano e já ninguém suportva dentro do PS.

A porra da história repete-se, meus senhores...
Rita

Anónimo disse...

"a crise que o País vive deve-se em boa parte às opções do Governo nos últimos dois anos e meio".
(J.M.Carrilho no DN)

Pergunta-se :
- Onde estava e o que fez o Presidente da República ?
Ah pois é !

Anónimo disse...

A questão de grande meditação é uma nova candidatura à liderança do PS. Capoulas, desafia Carrilho. Fanfarrão que quer enxovalhar o filosofo.
Pois vos digo, que Carrilho ganhava, com dificuldade, mas ganhava.
E ia a Primeiro-Ministro...medo. Tenham muito medo.Carrilho pode vir a ser Primeiro Ministro.
anonimo 15 18.

Anónimo disse...

Outro "betão armado" :

- "Pessoalmente sou mais favorável a um sistema de círculos eleitorais uninominais e a um mecanismo nacional, proporcional, aglutinador de uma modalidade de compensação, com uma Assembleia com menos parlamentares", disse na altura (em 2006) Jaime Gama, em entrevista ao Diário de Notícias.

Hoje, não quer comentar a disponibilidade de Jorge Lacão em discutir uma redução de deputados proposta pelo PSD, nem a recusa do grupo parlamentar do PS (na pessoa de Francisco Assis) em discutir o assunto.
E andamos nisto há pelo menos cinco anos !

Isabel disse...

O Professor Carrilho está, a meu ver, a fazer a melhor e mais inteligente oposição a Sócrates a que já assisti desde a calamidade que foi a sua primeira eleição. Perante as suas palavras certeiras (de quem conhece bem o campo que critica),os líderes da oposição parecem baços, apagados e timoratos. Talvez ainda não completamente cientes de quão nefasta é a acção da personagem e de seus sequazes, vão-na poupando.Penso que fazem mal e que deles se esperaria mais. Sofre demasiado, por estas paragens, quem ainda se atreve a pensar.

Carlos Medina Ribeiro disse...

QUANDO alguém faz uma crítica ouve, com frequência, o criticado retorquir, agastado:
«Porque é que você não faz melhor?» - trata-se daquilo a que talvez se possa chamar «A falácia do marceneiro»:

Imagine-se que, ao receber uma cadeira que encomendou, o cliente descobre que ela tem uma perna a menos. Reclama, e o marceneiro responde-lhe, irritado:
«Criticar é fácil! Porque é que você não faz melhor?».

Mas a resposta é simples:
Quem tem de fazer cadeiras decentes é o marceneiro, que é pago para isso - e não o freguês. A este, cabe pagar e utilizar o objecto - e, se achar que é caso disso, emitir a sua opinião sobre o objecto.

Quanto a rejeitar uma cadeira com uma perna a menos... qualquer atrasadinho-da-cabeça é capaz disso - ou não é?

joshua disse...

Tenho orgulho absoluto nas palavras livres de Manuel Maria Carrilho. Disse e mantenho que nenhuma outra oposição, pseudo-oposição, soube até hoje dizer o que urge ser dito desde o primeiro momento.