3.6.10

NAS MÃOS DOS "CURTO-PRAZISTAS"


«Vivemos como se fosse possível que as causas da crise pudessem recombinar-se milagrosamente, de modo a que elas próprias resolvessem os problemas que provocaram.

Vivemos na ilusão de que as sociedades ocidentais tivessem, por um misterioso privilégio, saído da história, e pudessem planar naturalmente acima de todas as contingências e vicissitudes, deixadas aos outros.

Vivemos o imperativo da mudança sob o signo de uma modernidade cada vez mais vazia, até descobrirmos que afinal quem mudou foram os outros. E que tudo mudou tanto que nós agora queremos é conservar o que temos. Nós falávamos de mudança, mas foram os outros que a fizeram.

Vivemos como se de repente descobríssemos pertencer a uma espécie de aristocracia condenada. Que, talvez pela primeira vez na história, não tem a mais pequena ideia de quem, ou do que, se lhe seguirá.

Vivemos desde a transição do século agarrados a um mundo que, por mais que se critique, na verdade ninguém quer trocar por aquilo que se pressente no horizonte.

Vivemos sem acreditarmos naquilo que sabemos, e sem verdadeiramente conhecermos aquilo em que acreditamos. As nossas informações, convicções, sentimentos e conhecimentos não combinam nem convergem, produzindo um pequeno caos quotidiano na cabeça de todos.

Vivemos numa sociedade de ficção que reduz o colectivo ao mercado, o indivíduo ao consumidor, que deixou de se querer aperfeiçoar e apenas quer durar. Em que todos os valores têm cada vez mais um traço comum, o de não terem valor nenhum.

Vivemos entre a excitação e o medo, entre o arrebatamento dos futebóis e a estupefacção vulcânica, entre os imperativos do vício consumista (sempre mais e mais vezes) e a multiplicação dos princípios de precaução que transformaram a vida na antecâmara de todos os pânicos.

Vivemos com líderes que trocaram o conhecimento da história e a visão do futuro pelo "curto-prazismo", entre anúncios sem efeito e fugas em frente pelas quais depois ninguém responde.»

Manuel Maria Carrilho, DN

3 comentários:

Manuel Brás disse...

... que nos sugam até ao tutano

Tantas esperanças saldadas
nestes tempos espaventosos
pelas medidas malfadadas
de políticos portentosos.

Planando naturalmente
por muitas vicissitudes
de um caos tão demente
repleto de lassitudes.

Vivemos numa sociedade
de valores desencaminhados,
elevando a moralidade
de tantos ideais definhados.

Anónimo disse...

Excelente reflexão de Manuel Maria Carrilho. Este sim, percebeu a tempo e horas as "contas furadas" de Guterres e o começo do fim desta republiqueta. Não há maneira deste País ter um pouco de sorte com os seus políticos. Não há maneira raios os partam !

Anónimo disse...

Um texto de contradições insanáveis. Alguns pontos na análise são positivos.

Foi pelo facto de o mercado estar em quase tudo e o Estado e diversas profissões julgarem que está em quase nada que estamos assim.

"...misterioso privilégio, saído da história, e pudessem planar naturalmente acima de todas as contingências e vicissitudes..."

As "contingências" e "vicissitudes" são o mercado. É aliás a deformação esquerdista que torna MMC contra o mercado quando mercado é do mais social que há.
Um empresário que fornece serviços e produtos à sociedade é muito mais social que um curso numa universidade publica que a sociedade não valoriza porque não tem utilidade alguma para ela mas MMC valoriza.

Os "outros" fizeram a mudança para o "mercado" quando deixaram de estar presos ás ideias anti-mercado dos companheiros de MMC: aristocratas.
E agora deixam para trás MMC a divagar.


lucklucky