19.6.10

DA MUTILAÇÃO


Isto nada tem a ver com Saramago porque, dizem, era um tipo do "futuro" e o país, a esta hora, está de cócoras a contemplar-se nesse "futuro". É antes do "avant-propos" do livro de um autor bem mais "modesto" e "desnobilizado", Jean Daniel. Daniel tem a bonita idade de 90 anos. E o livro recolhe cinquenta e um "retratos" de pessoas que conheceu, da mãe a Gide, Malraux, Mitterrand, Camus, Foucault, Barthes ou Derrida. É precedido de uma epígrafe de Apollinaire. «Rien n'est mort que ce qui n'existe pas encore/Près du passé luisant demain est incolore.» Reaccionário? Impossível. Daniel é um compagnon de route socialista. E Apollinaire, enfim, está permanentemente a ir e vir de e para outro planeta. No dito "avant-propos", Jean Daniel fala dos "seus" mortos como se poderá falar dos "nossos" vivos. «Tant que les amis demeurent, ils remplacent les enfants, mais dés que l'un d'entre eux disparait, c'est une mutilation qui souligne la solitude, la poussée des générations et l'épreuve de l'expulsion.» O tempo não é mais do que isto. Mutilação, solidão, expulsão.

5 comentários:

Garganta Funda... disse...

O Dr. João que me desculpe, mas a excessiva veneração aos intelectuais franceses por parte da «inteligenzia» nacional, é também uma das causas da nossa decadência.

floribundus disse...

rectângulo nacional-socialista
«no country for all man»

leia-me hoje. pensei nos amigos.

Anónimo disse...

Agora que para o ser-vivo saramago o tempo acabou, e ninguém sabe onde está a sua consciência - ou alma? - e se ela existe, começou o tempo do saramago-morto. Será interpretado, usado, glorificado e adorado de forma licenciosa e nojenta pelos pequeninos seres que ficam. Já começaram, aliás. Agora sim, tem início o processo de beatificação de saramago, lucrativo. E serão fortalecidas reputações literárias à custa do cadáver - ex: os rapazes que ganharam o prémio-saramago, a rapariga que conduziu uma entrevista-saramago, o fulaninho que fez uma promoção-saramago etc.

Ass.: Besta Imunda

isabel de Deus disse...

"Porventura o nosso maior escritor do século xx", Mário de Carvalho, citado na terceira página do Expresso de hoje. Então e Pessoa? Então e Vergílio? Isto faz-me lembrar o Prec, quando existiam manuais escolares cuja "antologia" era um amontoado de textos neo-realistas e quando havia escolas a considerar o Soeiro Pereira Gomes o nosso melhor escritor de sempre. Para quem se recorde, nesse tempo, até Camões era fascista e colonialista.O "Memorial" tem de ser lido através da cartilha marxista: realeza estúpida e degenerada, povo cruelmente explorado, clero colaboracionista e devasso(excluindo-se ,desta última categoria o Padre Voador, provavelmente em homenagem aos católicos de esquerda).Saiba-se que os professores são obrigados, de facto, a leccionar isto e, ainda, o inefável "Felizmente há Luar", outra cartilha marxista, considerada pelo próprio autor um prémio imerecido.

Anónimo disse...

Não gosto do termo «intelectuais», quer se refira a cidadãos nacionais ou estrangeiros. Mas que existem pessoas verdadeiramente interessantes, lá isso existem.
É muito o caso de Jean Daniel fundador do "Nouvel Observateur".