Couto Viana foi praticamente proscrito pelo "cânone" poético oficioso que se auto-instaurou depois do "25 de Abril". Talvez alguma gente nova, porventura menos analfabeta funcional, o venha agora ler sem o habitual preconceito comadrista ou, coisa ainda mais reles, o político. É certo que, num verso provavelmente polémico, Viana dizia-se fascista. Assim mesmo, sem aspas, para descaso dos bonzos alegro-progressistas. Tanto bastou para, apesar de uma vasta obra coligida pela Imprensa Nacional, dele se terem "esquecido". Passou os últimos anos na Casa do Artista. Recomenda-se Café de Subúrbio, de 1991, ou Restos de Quase Nada e Outras Poesias, de 2006. No primeiro, o poeta contempla a «verdadeira morte, onde nenhum desejo bate, nenhuma idealização ou insurreição brota, aquela que provoca «passos de repente apressados» em direcção ao extermínio, ao pior de todos, esses que submete «à pobre vida, à inútil vida.» (Joaquim Manuel Magalhães) E aí, continua JMM, «pressente-se ser (...) esta mesquinhez pequeno-burguesa aqui olhada um dos principais factores de aniquilação da vida - grosseira, maldizente, bronca, submetida -, capaz apenas de fomentar uma «pobre vida», uma «inútil vida» que constitui a "realidade" dos versos daquele livro e, em geral, de uma atitude aristocrática face ao quotidiano. Do segundo, apenas este poema, intitulado Lá para o fim:
Já não frequento o café
Nem de subúrbio, nem de cidade:
A minha vida, agora, é
Uma bengala e a saudade.
Perdi interesse pela evasão.
O rodear-me de nova gente.
Ganhei o gosto por outro pão
Mais indicado para o meu dente.
Nenhuma escrita já é memória.
Já não me perco por qualquer lado.
Deixei o nome na sua glória.
Deixei o corpo no seu pecado.
Fluía o verso. Mas, hoje, estanca
Ante uma alma de austero porte.
Foi rosa rubra. É rosa branca.
Que imaculada lhe seja a morte.
Jorge de Sena, insuspeito, salientou "o apurado equilíbrio dos seus versos" e a "auto-ironia". António Manuel Couto Viana morreu ontem. Tinha 87 anos.
Adenda: Este Letria, agora na SPA, veio verter lágrimas de crocodilo e não resistiu à vulgaridade no fim do comentário. «Cioso do detalhe, foi um homem que trabalhou a memória da poesia e foi um poeta de grande mérito que voltou a ter destaque na última década e meia, porque o seu percurso foi sempre discreto por razões ideológicas, por ser um homem de direita.» Por ser "um homem de direita" como ser um homem de direita fosse uma deficiência. Em compensação, Letria "evoluiu" do PC para o PS, ao lado daquele notável maire de Cascais, o Judas do betão, e lá prosperou como vereador da "cultura". Mais valia ter estado calado como alguns seus "colegas" versejadores - no sentido do "colega" da tropa - adequadamente ficaram.
8 comentários:
Poeta sensível, brilhante, um nobre e leal Português. Um Patriota na verdadeira acepção da palavra e isso percepciona-se na maior parte dos poemas que escreveu. Poeta desassombrado, da fibra daqueles que não temem as palavras e que infelizmente vão havendo cada vez menos. Uma perda irreparável. Que Deus o tenha em descanso.
Obrigada pelas suas bonitas palavras, que honram não só o Poeta que foi Grande como o Grande Homem que foi Couto Viana.
Maria
O que se passou com escritores como Couto Viana, passou-se, e passa, com vários outros. Recordo, por exemplo, Rodrigo Emílio. Quem saberá alguma coisa deste vibrante poeta, remetido para o limbo do esquecimento? "Apagada e vil tristeza" são as palavras mais adequadas para caracterizar a quase totalidade da literatura portuguesa contemporânea.
Esse Letria (não confundir com o Joaquim) é mesmo um dos símbolos da merda em que este país se afundou.
Autor (com o ora esposo da Idália secretária de Estado, por mero acaso, é claro, detentor de um soporífero semanal na RTP) da inequecível "Força, força, camarada Vasco", Letria abunda em "prosa" e "poesia", publicando uma média de 10 volumes 10 por mês.
Dele se diz que, aqui há tempos, tendo alguém telefonado para a Sociedade de Autores a perguntar por ele, ouviu como resposta da secretária o seguinte: "O sr. doutor (!?) foi ali fora escrever um livro e volta já".
O comentário do Alves Pimenta é delicioso:)
Colegas são as putas.
Alguns dos nossos melhores poetas eram fascistas, tal como Ezra Pound.
"No Oceano do desdém, se encontra aquele de quem somos refém !".
Morreu UM verdadeiro PORTUGUÊS ?
Paciência !
Ficam cá os traidores numa (a)letria, digna dos Santos Populares !
Mas não esqueçam. Lá onde Deus lhe guardou lugar, Couto Viana não mais os vai encontrar.
Que Descanse em Paz !
Infelizmente essa expressão "Homem de Direita" ou "Crítico de Direita" (ainda mais ridículo) foi a expressão que João Lopes escolheu para abrir a notícia da morte de Luís de Pina - Director da Cinemateca Portuguesa à data) no Expresso em Junho 1991. Enfim, o chamado pé no chinelo
Enviar um comentário