9.2.05

DER UNTERGANG

Eu ia "comentar" este livro que possuo numa diferente edição. Na busca de uma "capa" para colocar aqui, o Google levou-me até ao Abrupto, mais concretamente a um texto de Abril de 2004 de José Pacheco Pereira. Como seguramente eu não diria melhor, e com a vénia amigável ao seu autor, tomo a liberdade de o republicar integralmente.
BIBLIOFILIA: MUT ZUR ANGST VOR DEM NICHTS / "A CORAGEM DE DEFRONTAR O TERROR DO NADA" (HEIDEGGER)

Joachim Fest, Inside Hitler´s Bunker. The Last Days of the Third Reich, Londres, Macmillan, 2004.
Não sei quantas vezes li descrições dos últimos momentos de Hitler no seu bunker berlinense, mas o próprio facto de ter acabado de ler mais uma mostra o fascínio que esses momentos têm. Não sou só eu, é uma multidão de pessoas que esgota e torna em best sellers tudo o que diga respeito a estes dias de Abril de 1945. Em bom rigor, sabe-se muito, e o que não se sabe dificilmente se irá saber. Não é sequer o mistério das versões contraditórias sobre os momentos finais de Hitler que explicam, nos dias de hoje, o interesse pelo fim do Reich. É o pathos da personagem Hitler e da sua corte final, e a tentativa de explicação de algo muito difícil de explicar: a pulsão destrutiva, o Gotterdamerung macabro desses dias. Pode também ser que procuremos encontrar uma racionalidade para algo intrinsecamente irracional e inexplicável, e o nosso fascínio seja afinal o traço de uma recusa psicológica face ao que não tem explicação, ao que de todo não controlamos.

O livro de Joachim Fest é magnífico porque combina uma descrição narrativa depurada dos últimos dias do bunker , incluindo o que se sabe das fontes soviéticas entretanto tornadas disponíveis, com uma interpretação sobre Hitler e os seus companheiros dos últimos dias, em particular Goebbels. A sua tese - Hitler nunca "construiu", só destruiu, era movido por uma vontade de destruição que nos últimos dias da guerra se voltou também contra os alemães - salienta a singularidade da personagem. Sem Hitler tudo seria diferente, mas Hitler é uma excepção histórica, nunca quis deixar qualquer "obra" que não fosse a terra queimada, onde povos e nações sucumbiram. Pouco a pouco, a força da sua personalidade, a sua vontade inquebrável, seleccionou uns poucos seguidores que espelhavam a mesma vontade de destruir, hipnotizou muitos outros numa obediência cega, e depois, pela corrupção do dinheiro e do poder, alargou essa base dos fanáticos para os oportunistas. Estes deixaram-no no fim , os outros acabaram com ele ou como ele. E não foi só Goebbels e a mulher, que se suicidaram depois de matarem os seis filhos, mas muitos outros oficiais das SS, motoristas, secretárias, que ficaram até ao fim, quase cem pessoas nos últimos dias de Abril.

Fest retrata bem essa comunidade alucinada, que tentou continuar a guerra até ao último berlinense, até ao último alemão, uma guerra já perdida. Uma das perplexidades nesta atitude é o seu carácter pouco "moderno", numa época em que as guerras terminam quase de forma burocrática, algo para que o regime nazi tinha também apetência. Veja-se Eichmann revisto por Hanna Arendt.

Mas não. Hitler queria levar tudo e todos consigo, num acto de imolação que incluía uma suprema vingança contra todos os que o tinham "traído", inclusive o povo alemão, e, de certo modo, contra si próprio, porque tinha mostrado "fraqueza", tinha-se enredado em compromissos a que agora atribuía a derrota.

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