23.2.05

O "POVO DE ESQUERDA"

Estive a ouvir atentamente o dr. Mário Soares na sua prestação mensal na Sociedade Aberta, da SIC Notícias. Gravada antes do anúncio da retirada de Santana Lopes da liderança do PSD, importa analisar algumas observações do "velho leão" (estão hoje, em síntese, no Jornal de Notícias). Desde logo - e bem - Soares identificou os três derrotados da eleição legislativa: Barroso, Santana e Portas, por esta ordem. Depois veio o elogio ao "povo de esquerda" e à votação alcançada pelas "esquerdas", coisa que, na opinião de Soares, não deve ser negligenciada por Sócrates. Afastou ainda este de qualquer conotação "maléfica" com o "new labour" de Blair, afirmando a "continuidade" do PS "histórico". Apesar da crítica a Santana Lopes, Soares não deixou de salientar e de "acarinhar" alguns traços da sua personalidade e, sobretudo, de "puxar" pela hipótese de ele se "bater" no partido, tentando eventualmente uma candidatura a Belém. Como consequência disto e da épica emergência do "povo de esquerda" - tudo "somado" 59%, o que é diferente de "junto" -, Soares chegou à mensagem fundamental que lhe interessava "passar": Cavaco Silva tem muitas dificuldades para ser candidato presidencial. Com o imenso respeito que Soares sempre me merece, eu percebo que ele seja o primeiro a vir "puxar a brasa à sua sardinha", mesmo utilizando um argumentário curioso. Em primeiro lugar, se é verdade que foi o "povo de esquerda" que deu a vitória ao PS, não foi este quem lhe conferiu a maioria absoluta. Eu também não gosto do termo, mas foi o "povo do centro", ao castigar o PSD, que se "desviou" para Sócrates, ajudando ao célebre "conseguimos" paroquial. Eu, pelo menos, não me revejo no "povo de esquerda". Em segundo lugar, cada "esquerda" tem a sua agenda própria e não é certo que o PS se venha a associar às outras agendas ou, mesmo, que Sócrates esteja interessado nessa associação, já que dispôe de maioria absoluta. Cada "desvio", para um lado ou para o outro, será sempre imperdoável. Tem Soares, no entanto, razão quanto à questão Cavaco. A sua eventual candidatura não está facilitada. No entanto - e foi esse "sinal" que Soares quis deixar - continua a ser não apenas verosímil como potencialmente "ameaçadora". A não ser assim, que sentido faria a referência ambígua à hipótese Santana, aos seus "talentos e ao seu "renascimento diário"? Soares, como se costuma dizer, não brinca em serviço. Esta elegante manobra de dissuasão dirigida a Cavaco, a par com o discreto "colo" fornecido a um Santana em fim de festa, não é inocente. Porém, tudo isto só será interessante se Cavaco quiser ser candidato e se apresentar o mais rapidamente possível. Caso contrário, Soares poderá dormir descansado. Ele e o seu sempre glorioso "povo de esquerda".

1 comentário:

Roberto Iza Valdés disse...
Este comentário foi removido por um gestor do blogue.