10.6.11

COMO SE CHEGOU AQUI?


Ninguém tem sido tão metodicamente expulso do seu dia como Camões. Nos últimos anos e, por força das circunstâncias políticas, o 10 de Junho é mais um pretexto para derrames sobre essa coisa esquisita e vaga que é a "portugalidade" do que para recitar, que seja, um humilde verso do homem. Hoje, em Castelo Branco, a "portugalidade" apareceu sob a forma de "interioridade". Barreto, sempre com a sua gravitas profética, dirigiu-se ao país num registo de interpelação directa através do uso da segunda pessoa do singular. Cavaco mobilizou Mattoso e Orlando Ribeiro, as pedras, as árvores e os arbustos para evidenciar um interior que há muito morreu atascado pela força do betão e dos serviços e pela trivial necessidade de ir embora em busca de outra coisa. E os jornalistas mobilizaram-se, uma vez mais, para arrancar palavrinhas a velhos e novos protagonistas como ainda há uma semana atrás andavam a fazer. É, só, aliás, o que sabem fazer. Como escreve Pulido Valente no Público, «ficaram ainda na televisão e nos jornais multidões de génios com o diagnóstico e cura da crise portuguesa no bolso, falando ininterruptamente como se nos tencionassem salvar amanhã de manhã. São economistas, engenheiros, médicos, políticos, gestores, filósofos, funcionários, diplomatas, mil e uma espécie de amadores, cada um com a sua loucura e a sua importância.» Conclui - e o 10 de Junho serve perfeitamente enquanto apoteose simbólica destes lugares-comuns - pelo óbvio. «Ninguém quer ou consegue responder à pergunta crucial: como se chegou aqui?» Neste ponto, talvez valha a pena, então, recuperar o nosso genial poeta e deixar a tralha habitual para trás a remoer, se puder, na resposta. «Mas eu que falo, humilde, baixo e rudo,/de vós não conhecido nem sonhado?/ Da boca dos pequenos sei, contudo,/ que o louvor sai às vezes acabado./ Nem me falta na vida honesto estudo,/ com longa experiência misturado,/ nem engenho, que aqui vereis presente,/cousas que juntas se acham raramente

6 comentários:

Alves Pimenta disse...

Para começo de almoço, não podia esperar pior: no televisor do restaurante estava um tal Maltez a disparar acéfalas setas envenenadas contra Cavaco Silva, como é costume.
Era na TVI, esse intrépido reduto do socretinismo da 25ª hora.
Pedi ao empregado que mudasse o canal, o que ele imediatamente fez, prevenindo qualquer possível indigestão deste benquisto cliente habitual.
Chiça, que a trampa comentadeira do tipo maltês nunca mais cala definitivamente o bico...

Anónimo disse...

"Nô mais, Musa, nô mais, que a Lira tenho/Destemperada e a voz enrouquecida/E não do canto, mas de ver que venho/Cantar a gente surda e endurecida."

Ass.: Besta Imunda

APC disse...

Gostei muito das expressões faciais de JS durante o discurso intelectual de António Barreto: nada é novo...tudo é novo, realmente.

Buriti disse...

[...]

Vi aquilo que mais val,
que então se entende milhor
quanto mais perdido for;
vi o bem suceder mal,
e o mal, muito pior.
E vi com muito trabalho
comprar arrependimento;
vi nenhum contentamento,
e vejo-me a mim que espalho
tristes palavras ao vento.

[...]


Que os olhos e a luz que ateia
o fogo que cá sujeita,
não do sol, mas da candeia,
é sombra daquela Ideia
que em Deus está mais perfeita.
E os que cá me cativaram
são poderosos afeitos
que os corações têm sujeitos;
sofistas que me ensinaram
maus caminhos por direitos.

[...]

LUÍS DE CAMÕES, "Super flumina Babylonis"

Isabel disse...

E hoje , serão "mais para mandados" do que "para mandar", os Portugueses?

pro.benfica disse...

Já alguém parou para pensar que a morte do interior do país, mais uma vez aqui decretada, é a morte adiada do país?