8.8.10

A DIREITA E A CULTURA


Raramente levo a sério o que escreve António Guerreiro no suplemento "cultural" do semanário brasileiro Expresso, uma coisa que, no português acordográfico, se designa por Atual. Só que desta vez, Guerreiro, numa croniqueta intitulada Ao pé da letra, chama a atenção para a frase de uma tal Nilza que, parece, é vice-presidente do PSD. Nilza sustentou que «a cultura não pode ser uma entidade abstracta de elites, pensada para um nicho populacional e desagregada do interesse transversal de toda a população.» Louvando-se em Hans Magnus Enzensberger - Guerreiro nunca faz a coisa por menos - acaba por classificar a dita Nilza como "analfabeta secundária" (como se ele, às vezes, não fosse um funcional), no fundo alguém ao pé do qual o verdadeiro analfabeto se assemelha a uma "personagem venerável". E é assim porque Nilza privilegia a realidade demográfica - a "população" dos coretos e dos ranchos que tanto gozo "cultural" dão a presidentes de câmara como Rui Rio ou a ex-ministros com pézinhos para o folclore como Pedro Roseta? - da "massa" a, passo a citar, «divisões, a cesuras, a tropismos minoritários» que sempre escapam a «determinações culturais». Descontado o mambo-jambo do Guerreiro, a direita tem uma certa dificuldade em acertar na cultura quando a tutela ou sonha tutelá-la. O que não significa que a esquerda, sempre tão reverencial perante o "artístico" e o primeiro autor de uma qualquer enormidade premiada, faça melhor. A questão é prévia e tem a ver com o lugar que a política reserva à cultura. Quando tudo é cultura - recordou recentemente M. M. Carrilho no Festival de Almada - então nada é cultura. Em França, Malraux foi sempre o "número dois" de De Gaulle. Em alguns países da UE o ministro da cultura, ou equivalente, não é relegado na hierarquia do governo para o penúltimo ou o último lugar como em Portugal. É certo que, desde Carrilho, tanto faz. As noticias que me chegam da direita - tão eloquentemente traduzidas na frase de Nilza - evidenciam que o equívoco permanece. Se Sócrates menosprezou a coisa quer pela gente que escolheu e que permitiu escolher, quer pelo orçamento que reservou ao ministério, nada indica que a direita - o PSD e o CDS, ou o PSD sozinho já que os outros só "descobriram" a cultura no curto interregno de 2004-2005 pela mão dessa péssima tudóloga que é Teresa Caeiro -, atarantada, mal preparada e apenas à espera da tradicional distribuição de prebendas pelos "próximos" dos "próximos conhecidos", se consiga elevar. Dou um exemplo concreto. Há dias perguntaram a minha opinião acerca de um organismo concreto. Defendi a respectiva extinção. Resposta: "não pode ser porque esse é para mim". Estamos conversados.

2 comentários:

Anónimo disse...

Respeito, Dr. João Gonçalves. Respeito.

Anónimo disse...

Vasco Pulido Valente, Lucas Pires, Gomes de Pinho, Teresa Gouveia e Manuel Maria Carrilho, foram bons ou razoáveis responsáveis pela Cultura, enquanto secretários de Estado ou ministros. Mas apenas estes merecem ser realçados na cultura no pós 25 de Abril. Destes cinco, só o último dos citados era de esquerda.
Dai inferir-se que a direita, num futuro governo, pode saber gerir esta área governamental. Agora se forem buscar Rosetas, Bustorffs, Caeiros etc obviamente que tudo ficará na mesma. Os governos da cultura destes últimos 10 anos foram um desastre, desde a última fase de Guterres, passando pelo Barroso, Santana e finalizando no actual governo. É preferível extingui-la pura e simplesmente como área governativa e criar um gabinete junto do 1º ministro para atribuir subsídos e gerir as verbas do QREN.