28.8.10

OS TRÁGICO-COMEDIANTES

«Segundo o Eurobarómetro, 95 por cento dos portugueses (de facto, Portugal inteiro) acham a situação económica "má" e, apesar da retórica do primeiro-ministro, 71 por cento acham que irá ser pior. O que não admira. O que admira é que, nesta aflição, 76 por cento dos portugueses não tenham confiança no Governo e 67 por cento não tenham confiança no Parlamento. Pior ainda: as sondagens parecem indicar que a desconfiança não vem particularmente deste Governo e deste Parlamento, porque não existe nenhuma alternativa clara que o país prefira (o PSD, por exemplo, ou uma aliança CDS-PSD). Os portugueses não confiam pura e simplesmente no regime: nos políticos do regime e nos partidos do regime. Ora, estando num sarilho sem ajuda, deviam em princípio andar aflitíssimos. Mas não andam. Porquê? Porque pensam (47 por cento) que, se for preciso, a "Europa" lhes deitará a mão ou que, em geral, resolverá a crise (28 por cento). Por outras palavras, de "sopa do convento" a "Europa" ascendeu à categoria mais seráfica de um novo D. Sebastião. Claro que ninguém, ou quase ninguém sabe o que é e como funciona a "Europa" e só algumas luminárias perceberam que as regras definidas pela Alemanha para toda a gente (diminuição do défice e da dívida externa) podem em rigor prejudicar Portugal. Só que esse pormenor não conta. O Messias, por definição, é um mistério e age misteriosamente. Conhecer o Messias diminuiria a fé na sua eficácia. A "Europa" serve de conforto ao desespero do indígena precisamente porque um nevoeiro de absoluta ignorância a separa dele. É curioso como 30 anos de democracia conseguiram levar (ou devolver) os portugueses à irresponsabilidade. A sondagem do Eurobarómetro não seria diferente no tempo de Marcelo Caetano e até em certas fases de Salazar. Os resultados revelam um cidadão, proibido ou incapaz de se governar (no caso, de mudar o Governo). Um cidadão sem voto e sem voz, reduzido a acreditar num milagre. Não que ele não queira reformas. Quer reformas (60 por cento), mas já aprendeu pela experiência que é inútil esperar que elas se façam de dentro e cá dentro, pelos meios normais que a lei estabeleceu e com a "classe dirigente" que se apropriou do Estado. A salvação virá de uma força superior e, principalmente, estranha à mísera realidade portuguesa. Ou virá assim; ou não virá.»

Vasco Pulido Valente, Público

5 comentários:

joshua disse...

Dolorosa a solidão de ser lúcido.

Unknown disse...

O óbvio , exposto com meridiana clareza - e inigualável elegância literária.
Só que a Associação de Merceeiros também não goza de boa saúde...

Anónimo disse...

Parece que o VPV descobriu a pólvora. Depois de trinta anos, só agora, do meio do nevoeiro, viu surgir o beco sem saída.
Não consegue ver alternativas, no sector visual para onde olha, fixamente. E recusa-se a virar a cabeça e olhar noutra direcção.
Atribui a culpa à Nação, povoada por estúpidos, que aguardam um Messias. E é incapaz de por o nome nos bois, cornudos, monstruosos, e bem visíveis.
Pelos sintomas, não consegue diagnosticar a doença. Mas a História diz-lhe, que o mal é de nascença, e endémico. Que o defeito é, afinal, feitio. Que o desgoverno é inerente ao território e aos nativos. E portanto não tem cura.
E quando o presente se torna insuportável, prefere refugiar-se no passado, e atribui culpas à história remota.
E VPV despreza esta coisa miserável.
E é parte integrante da doença.
E vive bem na doença.

Anónimo disse...

"(...) só algumas luminárias perceberam que as regras definidas pela Alemanha para toda a gente (diminuição do défice e da dívida externa) podem em rigor prejudicar Portugal."

Eu de facto devo viver na escuridão mais atroz, pois estava convencido que não acumular dívida (no caso do investimento público português sem qualquer tipo de retorno) e equilibrar a balança comercial era positivo...

Se a Alemanha e outros diminuem o consumo e consequentemente as importações portuguesas, então que importemos menos ou encontremos mercados alternativos para exportar. Agora que é positivo para a zona Euro e para Portugal não se endividar e vender mais do que comprar é do domínio do senso comum.

Ou então o que propunha? Que se fizessem regras especiais para a Alemanha continuar a importar sapatos portugueses?

JR

Anónimo disse...

Donde se conclui que o Dr.Medina Carreira é que tem razão ou seja, isto só lá vai com intervenção de fora.
Daí o meu constante lamento: Porque raio corremos com os espanhóis em 1640?