10.6.10

O TRIUNFO UNIDIMENSIONAL



«O futebol tornou-se num fenómeno inseparável do culto da cupidez, do dinheiro fácil, do sucesso que não olha a meios, da matriz de irresponsabilidade impune, factores que têm conduzido as nossas sociedades aos dilacerantes problemas que hoje vivemos. É, pois, bom que se pense na sociedade que se está a construir, quando os exemplos que se incensam até ao delírio são os de indivíduos que vivem numa abracadabrante ostentação, como se fossem deuses de um novo circo, gastando dezenas de milhares de euros numa noite de discoteca, exibindo um permanente carrossel de escort girls de luxo, circulando em automóveis de centenas de milhares de euros que estoiram sem um ai. Ao mesmo tempo que, na maior parte dos casos, raramente são capazes de uma iniciativa filantrópica, de um projecto mecenático, de um gesto solidário. Ou, mesmo, quantas vezes, de uma simples frase com sentido… Por isso, a identificação das selecções e dos seus resultados com qualquer tipo de desígnio nacional não passa, na verdade, de um ritual mais ou menos oportunista e sem qualquer consistência. Que dá, todavia, um bom retrato da estatura daqueles que a promovem, que de resto não enganam ninguém com isso - a não ser, talvez, a si próprios! (...) O desporto condiciona hoje em todo o planeta o imaginário dos povos, impondo-lhes um conjunto uniforme de representações a partir do qual eles concebem quase toda a existência. Como diz um dos melhores intérpretes deste fenómeno, Robert Redeker, é no desporto que se concentram em mais alto grau os factores de uma tal uniformização: consumo desenfreado, fetichismo das marcas, pressão publicitária, culto dos ídolos, submissão aos media, sloganização da linguagem, histerização das multidões, fanatismo da performance. Convergência que torna o desporto, e particularmente o futebol, no catalisador de uma humanidade cada vez mais unidimensional. Não ver isto é não ver nada. Ou melhor, é ver só futebol…»

Manuel Maria Carrilho, DN

8 comentários:

Carlos Medina Ribeiro disse...

«O Desporto e as Estruturas Sociais», de José Esteves - Ed. Prelo, Junho de 1967...

javali disse...

"(...) que de resto não enganam ninguém com isso (...)" Percebe-se onde MMC quer chegar, mas não estou tão certo que não engane aqueles que mais mais interessava que não fossem enganados.

Anónimo disse...

Certíssimo. Mas quem devia ler e reler este textozinho tem a mioleira já tão estragada, que agora, para ter utilidade, ele devia ser de uso e consulta obrigatórios nas escolas - para os mais novos. E não na escolinha da patológica Isabel Alçada. Aí também não há esperança.
Bom mesmo era que a selecção perdesse já dois jogos e fosse eliminada. Haveria paz.

Ass.: Besta Imunda

Manuel Brás disse...

... e irracional

Essa lógica mercantilista,
inteiramente encapsulada,
é uma imagem realista
da sociedade embolada.

Dessa cultura da cupidez,
qual âmago espiritual,
emerge tanta estupidez
da humanidade actual.

A matéria febricitante
desses fenómenos viscerais
ganha um fragor irritante
em comportamentos tão florais.

PSC disse...

Concordo inteiramente com a "Besta Imunda". Quanto mais depressa viermos embora, melhor.Depois dos assaltos e roubos à mão armada seguir-se-ão as mortes sem qualquer dúvida! Infelizmente para quem vier a sofrer pela irracionalidade de uma FIFA que aderiu ao "políticamente correcto"!África, com raríssimas excepções, ainda está mais de mil anos atrasada e não há que iludir os factos.É assim mesmo.Basta lá ir.

José Cavaco disse...

O exílio em Paris tem feito muito bem a este homem (MMC). Ter um termo de comparação diante dos olhos ajuda muito.

M. Abrantes disse...

O culto dos ídolos já vem do tempo dos Jogos olímpicos da Antiguidade e do Circo Máximo (na proporção inerente a cada era).

Não sei se as coisas serão tão lineares quanto Carrilho as coloca. O povo precisa de circo. Se é fácil abusar desta condição, então talvez o problema seja menos do circo e mais dos oportunistas.

A beleza do mundo tem muitas formas. Não é preciso que o Ronaldo discuta Wittgenstein, nem é preciso que o Saramago marque golos de trivela.

Anónimo disse...

Uma industria economicamente falida como a europa contemporânea.