28.4.06

ANO 32

No caminho para o exílio no Brasil, onde viria a suicidar-se, o escritor austríaco Stefan Zweig aportou em Lisboa em 1936. Mais tarde registaria no seu “Diário” que tinha encontrado na nossa capital “o esplendor da miséria”, não obstante a beleza da cidade. Decorriam quatro anos desde a chegada de Salazar à chefia do governo da Ditadura. O Estado Novo dava os primeiros passos espezinhando o que restava da infeliz I República. O regime e sua retórica pretendiam - à semelhança do que o antecedeu e do que se lhe seguiria em 1974 – “servir o país” e não “servir-se” do país, como se acusava a desvairada República de o ter feito. A história posterior é sobejamente conhecida. Agora já levamos trinta e dois anos de democracia e de liberdades. No balanço, temos a Europa graças a Mário Soares, a alteração de estruturas e equipamentos da década de Cavaco e pouco mais. Encheu-se o país de novos-ricos e de novos e de velhos pobres. A “sociedade civil”, salvo raríssimas excepções, permanece inerme e de mão estendida para o Estado. As novas gerações ignoram o que está para trás e estão-se nas tintas para a cidadania. Como escreveu há dias uma politóloga, trinta e dois anos depois, os portugueses estão desmobilizados. As instituições políticas e judiciais, com o Parlamento à cabeça, estão desprestigiadas e exangues. Os partidos são encarados como últimos redutos de inutilidades profissionais. Chega a duvidar-se da capacidade de realização de um governo de maioria absoluta, repleto de boas intenções e de “modernidade”, depois de anos de oportunidades perdidas. No país “real” sobrevive o mesmo “esplendor da miséria” de que falava Zweig, os mais pobres de entre os pobres da Europa. Não conseguimos ser cosmopolitas ou sequer sofisticados. Em suma, falta “qualidade de vida” à democracia portuguesa. Chegámos, assim, ao seu ano 32 em estado de pura esquizofrenia colectiva. Nem tudo é mau. A eleição do primeiro PR não oriundo especificamente da “esquerda” e da “luta anti-fascista” foi um sinal de maturidade e representou o enterro de velhos demónios e de novas fantasias. Cavaco Silva é, pelo menos, um penhor seguro de credibilidade e de rigor. Nesse sentido, a sua ascensão à chefia do Estado foi o melhor acto comemorativo do 25 de Abril em 2006. Para o ano, a democracia atinge a idade de Cristo. Oxalá não acabe como Ele.

(publicado no
Independente)

Nota: Este artigo foi escrito antes do discurso do PR proferido perante o Parlamento no passado dia 25. Sobre isso, pronunciei-me aqui.

2 comentários:

manu disse...

...não de esquerda... revela maturidade. sobre isso e sobre a presidência de cavaco silva falaremos daqui a um tempo.
jorge sampaio vai deixar saudades.

Anónimo disse...

Não auguro nada de bom com Cavaco. Nada mesmo.