29.8.10

SONTAG E O CÓDIGO


O único momento de jeito na edição de ontem do semanário brasileiro Expresso - o único, repito - vem no suplemento dito cultural, Actual de sua graça (em português). É no fim da recensão do livro Renascer - Diários e Apontamentos 1947-1963, de Susan Sontag, na tradução da Quetzal. E é de Susan Sontag, precisamente. Gostei sobretudo pela "actualidade" da citação. «O casamento é uma espécie de caça tácita em casais. O mundo todo em casais, cada casal na sua casinha, a tomar conta dos seus pequenos interesses e oprimidos na sua privacidadezinha - é a coisa mais repugnante do mundo.»

14 comentários:

João Amorim disse...

Porque é que esta "senhora" vê as casas como casinhas, os interesses como pequeninos e os casais "oprimidos"?

joshua disse...

A perspectiva é desoladora do lado desolador de quem a perspectiva.

fado alexandrino. disse...

Bem a "entrevista" da grande esperança do romance português de seu nome Clara ao grande edil Dr. José Sá Fernandes o ex-Providências Cautelares, também não está nada mal.
Tão giro a tratarem-se por "tu".

Anónimo disse...

De facto faço a mesma pergunta do leitor das 9:03. O casamento a coisa mais repugnante do mundo ? Mas por que carga d'água ? Que bicho mordeu a Srª Sontag ? O seu "marido" ?...

Pizarro disse...

Alguém que se casa aos 17 depois de ter namorado 10 dias, é natural que não possa ter uma opinião muito bem formada sobre o que é o casamento.

Anónimo disse...

João Gonçalves:
Que V. possa ter dificuldades neste domínio eu compreendo e respeito. Mas não seja tão redutor ao subscrever com essa simplificação a opinião dessa mulher.

Xico disse...

Realmente!
O que mais por aí se vê são os celibatários correndo pelo mundo, sem casinhas, e desoprimidos sem privacidadezinhas nenhumas e lutando pelos grandes interesses.
Compreendo que não se goste do casamento, se sinta até repugnância por esse estado, mas não vejo onde a defesa dos pequenos interesses de um solitário e da sua privacidadezinha, sejam mais dignos e grandiosos e menos oprimidos do que quando feito em dúo.
Ora abóbora!
Só falta dizer que o casamento é uma invenção da moral "judaico-cristã"

Unknown disse...

Susan Sontag e controvérsia andaram de mãos dadas. Um dos seus comentários “A raça branca é o cancro da história da humanidade” foi muito criticado, como seria de esperar. A sua bissexualidade declarada desde a adolescência (embora tivesse casado com um homem após uma ou duas semanas de namoro) talvez a tivesse levado a considerar que todos os casais viveriam “oprimidos”.

Unknown disse...

João
Essa Sontag não sabe o que diz.
O casamento foi a melhor instituição que a História Humana encontrou para facilitar a realização pessoal e comunitária.
Desta vez não concordo consigo mas respeito a sua opinião.

Unknown disse...

Outra a quem a natureza pregou "a" partida...

Zé Rui disse...

Terá ela escrito isto antes de viver com Annie Leibovitz e de criar com ela os seus filhos lourinhos?? Que familia adorável elas eram........

Anónimo disse...

Por mais brilhante e notável que seja a senhora, e o respectivo livro, pode concluir-se que também ela foi vítima de algum trauma, nunca ultrapassado. É próprio desta época (e pelos vistos de 1963 também) pôr por escrito críticas às instituições que, de algum modo, nos desiludiram - ou que imaginamos que nos desiludiram, o que é exactamente a mesma coisa. Julgo que a maioria "de nós", eu e o autor deste blog incluídos (julgo), não nasceu atrás de uma pedra, sem tecto e sem família, de geração expontânea e sem pai e sem mãe. Por mais imperfeito que seja o sistema familiar - baseado no casamento, que é um contrato, e que foi descoberto e posto em prática há milénios - este parece-me sempre preferível a nada. "A coisa mais repugnante do mundo" não é certamente o casamento tradicional; este exagero deliberado é com certeza um depoiamento, uma frase mais ou menos bombástica. Para rebaixar o casamento tradicional - pois trata-se de uma questão muito séria e muito prática - é necessário propôr algo alternativo (a menos que tudo isto se trate de um banal desabafo e então deverá ser tratado apenas como tal). As alternativas não são brilhantes: deixar o macho livre para espalhar a sua semente por outras fêmeas, que assim ficam com a exclusividade das dificuldades de sustentar e amparar a descendência? (do tipo búfalo?); criar um departamento estatal onde as fêmeas vão depositar os seus filhotes para que a fria e colectivizada máquina os crie? (tipo China Maoista?); criar os rebentos numa espécie de família de costumes nómadas, em que quem for aparecendo faz de progenitor e quem for desaparecendo simplesmente vai livre com o vento?
Se Sontag se refere apenas ao casamento estéril (sem filhos), aos "casaizinhos e às casinhas", então perde o seu útil tempo; pois é o mesmo que observar a pequenez e os vis instintos humanos em qualquer outra actividade ou ambiente. O casamento (já) não é obrigatório; assim como ter amigos e viver também não é obrigatório. É sim inevitável alguma desilusão com todas as imperfeitas organizações humanas - quase todas elas repugnantes, porque repugnante é o ser humano.

Ass.: Besta Imunda

Luís Deão disse...

Uma opinião como outra qualquer, esta da Sra (ou senhorita, ou senhorito?) Sontag, que, pelos vistos, nem sabe do que fala.
Mas então dá-se crédito a qualquer fulana (ou fulano), só porque debitou umas asneiras grossas, contra o statu quo?
Até ao momento quem tem garantido a civilização, quer no ocidente, quer no oriente, tem sido o pilar fundamental da Família estruturada no casamento.
Afirmar o contrário, ou é ignorância, má fé, ou algum problema mal resolvido, que parece ser o caso da dita cuja Sontag...

João Paulo Magalhães disse...

Bem apanhado. Se entendi bem a sua mensagem (nomeadamente na colocação de umas muito irónicas e pós-modernas aspas em torno da declaração de Sontag), deveria porventura estar um pouco mais qualificado o post, pois que se apresenta um pouco equívoco.

(Senão, perdoe-me o equívoco...)

Na tremenda série "Civilization", mais ou menos contemporânea dos dislates de Sontag, Kenneth Clark refere que algumas pessoas dizem que preferem a barbaridade à civilização. Trata-se apenas de auto-congratulação; se se sentem chateadas com a civilização onde vivem, todas as evidências sugerem que as chatices da barbaridade são infinitamente maiores e menos toleráveis.

O problema é a atenção civilizada, mas alheada, que é dada aos disparates pós-modernistas dessa gente à procura de atenção e tempo de antena. A civilização é uma fina camada em cima de um vulcão: precisa de confiança na sociedade onde se vive, confiança na sua mundividência, confiança nas suas leis e confiança nas suas próprias capacidades. Essa confiança, que não pode ser cega, não é delegável - tem que ser volitiva, individual e conscientemente sentida.

O século XX deu-nos o crescimento desresponsabilizante da religião secular e milenar que encara o estado (omnisciente, omnipotente e de bondade infinita) como elemento redentor dos problemas sociais. Deu-nos concomitantemente o retrocesso da religião livre, individual e descomplexada. Deu-nos também o crescimento aluado da malaise pós-modernista, que impede qualquer pessoa inteligente de afirmar e expressar alguma coisa sem a fazer sentir-se simplória (pois que o seu depoimento ou sentimento, por ser honesto e sentido, não tem as irritantes aspas). O século XX é um longo retrocesso na civilização ocidental. Em tempos recentes, o multiculturalismo, essa visão ocidental "tolerante", em que todas as culturas são iguais - menos a ocidental, que é a pior de todas.

A continuar assim, alheados, sem defender os valores que nos interessam, e sem atenção para os nossos próprios destinos, o futuro não é radioso. A arbitrariedade virá (de certa forma já cá está), depois a tirania, e no fim - a barbaridade. Infelizmente, por injustiça cósmica, nessa altura não estarão cá esses ennuis impróceres para experienciar o que diziam ambicionar. Apenas a incauta prole dos "repugnantes casadinhos", aqueles que não foram capazes de zelar pelos seus próprios "pequenos interesses" e não souberam pôr no sítio certo (o museu de horrores da razão humana) as ideias de gente como Sontag.