2.8.10

A MORTE DO DIRECTOR DE UM JORNAL


No dia do desaparecimento de Mário Bettencourt Resendes lembrei-me da morte da figura do director de um jornal. Talvez B. Resendes tivesse sido o "último" director do Diário de Notícias naquele sentido em que um jornal era identificado pelo director. Com a rasura dos vespertinos, a coisa acentuou-se. Nestes trinta e tal anos últimos, acentuou-se muito mais. A Capital era o jornal de Norberto Lopes, de Francisco Sousa Tavares, de David Mourão-Ferreira e de Rudolfo Iriarte. O Diário de Lisboa era o jornal de Piteira Santos e de Ruella Ramos. O Dia foi de Vitorino Nemésio e também de David Mourão-Ferreira. No Jornal Novo, o Torquato da Luz, no Semanário, o Victor Cunha Rego, e os dois na curta A Tarde, etc., etc. O DN foi dos diários que mais reflectiu o regime do dia. Mas, apesar disso, e durante muito tempo, houve nobreza e respeito pela actividade jornalística hoje em dia atirada genericamente, como a honra, aos cães. Depois do episódio Saramago, que era director-adjunto, Cunha Rego, primeiro, e Mário Mesquita a seguir, devolveram o DN à sua história. Mesquita foi, aliás, dos primeiros a tentar explicar ao dr. Mário Soares que o seu redondo optimismo e o seu paternalismo autoritário não o levavam, naqueles anos, a lado algum. B. Resendes "apanhou" o DN na transição entre a nomeação política do director e a privatização. A partir daqui, o percurso profissional de B. Resendes deixou de me interessar e lastimo as prestações televisivas dos últimos anos que não serão, decerto, recordadas como o melhor do antigo director de um jornal. Há dois anos, porém, Resendes deu voz a uma coisa chamada Movimento Informação e Liberdade que, «constatando que se encontra em marcha o mais violento ataque à liberdade de Imprensa em 33 anos de democracia, decidiu juntar a sua voz à de todos os cidadãos e entidades que se têm pronunciado sobre a matéria e manifestam publicamente o seu repúdio por todo o edifício jurídico aprovado pela Assembleia da República.» É este director de um jornal - numa altura em que não sobrará um nome dos no "activo", ou porque são tratados e mudados como um produto ao lado das esfregonas da casa, ou porque são imberbes manipuláveis como cobaias em laboratório - que prefiro recordar.

12 comentários:

Cáustico disse...

Dos de agora quase nenhum será para recordar. A actividade jornalistica está, na sua maior parte, enfeudada, senão vendida, aos diversos poderes: político, económico,etc.,etc.

Zé Rui disse...

Apesar de ser um bocado "leve" a escrever parece-me que o Director do SOL, José António Saraiva, mantem alguma independência e mesmo o Jornal Publico, longe dos tempos em que era dirigido pelo José Manuel Fernandes (que saudades....) ainda faz algum ruído......

De resto........de fugir!!!!!

Anónimo disse...

Hoje lembro o Mário não como jornalista (que na minha opinião era demasiado "prendado", enfim muito Segunda Internacional cá do sítio ...) mas vestido com a sua bata amarela e com o emblema do Colégio «A Colmeia». Tínhamos entre seis e nove anos e, hoje, tenho deveras saudades dele.

fado alexandrino. disse...

A RTP conseguiu a façanha de dar a notícia da sua morte como a última peça do telejornal da uma.

Anónimo disse...

Lamento a morte de Mário Bettencourt Resendes. Sem quaisquer considerações sobre a sua carreira, que começou ainda eu lia "Os três Mosqueteiros". Refiro, todavia, que o seu caixão ao menos sairá de uma Igreja para o campo-santo. Nesta infeliz última semana também António Feyo morreu; e como a "câmara ardente" foi no Galveias, a esperada falta de dignidade deu-se sem surpresa: sem qualquer vestígio de sagrado, pessoas de roupa multicolor e em desalinho total "prestaram" ao actor a última homenagem. Camisas claras, T-shirts amarelas, gente de chinelas, a matéria córnia destapada; tudo isto é o triste fado dos funerais que saiem daquela ateia sala. Com Solnado foi um pouco diferente, mas mesmo assim...
Já com a queimação de Saramago se deu fenómeno semelhante, tendo tido o pobre-despojo a sua cerimónia assolada pelas T-shirts de Ché, pelas chancas operárias e pelas palavras de ordem, próprias de tardes de luta e de cerveja. Este ateísmo aventaleiro ou descuidado dá nestas coisas coloridas, tipo 10x15cm em mau papel.

Ass.: Besta Imunda

Anónimo disse...

Podia ter as suas inclinações políticas, mas era um cavalheiro, educado, afável, nada fanático nem cego voluntário.

Entre o DN de MBR e aquela coisa que agora existe e que deixei de comprar, que diferença...

fado alexandrino. disse...

É verdade "Ass.: Besta Imunda ", parecia pouco menos que um arraial e até a família posou.
Dei conta no meu blog.
Tudo muito moderno.

Ex-jornalista disse...

Basta alguém morrer para ser o melhor do mundo. Este director do "DN" não o foi. Era um jornalista como outros, que teve sorte a certa altura. O comentário de João Gonçalves é correctíssimo e rigoroso. Outros que tiveram conflitos sérios com este jornalista e que hoje o elogiam não são correctos nem rigorosos.

Anónimo disse...

Respeitinho, Dr. João Gonçalves. Respeitinho.

Anónimo disse...

Outro grande jornalista que não foi aqui referido, o Vicente Jorge Silva, criador do comércio do funchal nos idos anos 60 e do "público", que nunca deixou de expressar livremente as suas ideias mesmo que elas fossem contra os poderes estabelecidos e que, por essa razão, tem sido "convenientemente" esquecido pela actual comunicação social.

Anónimo disse...

Mário Bettencourt Resendes foi um senhor, cavalheiro, dedicado e firme. Tinha alguma subtileza. Sofreu e foi afastado pelo "democrata" Saramago do DN, mas recusou o panegírico e o endeusamento. Quando o algoz atingiu o Nobel, M. Resendes silenciosamente faltou ao jornal e não assinou o Editorial que se esperava. E foi um silêncio que SOOU!!!

Eu sei disse...

Mentira, sr. Anónimo das 12:50 AM!
Quem é que lhe contou essa de o falecido Resendes ter sido saneado do DN pelo defunto Saramago?
Devia haver mais decência, mais verdade e menos hipocrisia em ocasiões como esta. Mas as coisas são o que são e não há nada a fazer, pelos vistos.