Para encerrar - para já - o "caso Pinamonti" (e, Eduardo, o "caso" é um sintoma, não é um fait divers), o Augusto M. Seabra enviou-me um mail com os seus textos que, de alguma forma, "anunciavam" este desfecho. Deles, publicados inicialmente no Público (2 de Outubro de 2006) e no DN (2 de Fevereiro de 2007 e 2 de Março de 2007), respigo o essencial, usando como preâmbulo parte do dito mail. Daqui em diante, o post é da autoria do Augusto M. Seabra.
Neste momento, nada mais me resta, por várias e infelizes razões, que tão só recordar como, num texto no Público e nas duas colunas a que se resumiu a minha brevissima passagem no "6ª", fui analisando e traçando o desenho e objectivo do grupo estalinista da Ajuda. Disse-me aliás o Paolo que foi ao ler o primeiro desses textos que teve a noção do cerco que se ia montando. E conheço tão bém a medíocre mas obstinada criatura do SEC que ainda há dias, da última vez que fui à Valquíria, tinha avisado: "Prepare-se, que eles ainda vão dizer que foi você que não quis ficar".
A ópera é também uma questão política, como não deixado de insistir ao longo dos anos, desde logo porque no sistema institucional das artes consagrado na Europa é a cupúla simbólica e socialmente distintiva do aparato cultural do Estado.(...) Nos anos 60, a constituição de uma Companhia Portuguesa de Ópera no Teatro da Trindade, sob a égide de uma característica instituição de enquadramento ideológico do salarazismo, a FNAT, Fundação Nacional para a Alegria no Trabalho, foi uma das recorrentes contraposições identitárias-nacionalistas ao privilégio de poder do Teatro Nacional de São Carlos. (...) Ao longo destes 30 anos foram muitas as vicissitudes do teatro nacional de ópera, incluindo a tomada do poder, em 1981, por parte do que então designei por “aliança FNAT/PCP”, isto é, uma tentativa autárcica de estabelecimento de um padrão “nacional/ista”, corporativo. Cabe todavia lembrar que foi essa mesma direcção, de Serra Formigal, o “celebrado” criador da CPO, que acabou com as “récitas populares” no Coliseu dos espectáculos do São Carlos, bem como com as itinerâncias.(...) Quando da sua indigitação para o D. Maria, Carlos Fragateiro, director do Trindade, afirmou que vinha mantendo hà meses conversas com Vieira de Carvalho em torno de um projecto de recuperação de óperas portuguesas. Há uma extravagância estrutural: o Trindade depende do Inatel, organismo do Ministério do Trabalho e Solidariedade Social. A que propósito este ministério detém um teatro, escapa-me de todo; na falta de uma transferência que há muito se justificava (...) é extravagante que um secretário de Estado da Cultura, na prossecução de princípios que há muito são conhecidos a Mário Vieira de Carvalho sobre “os sistemas sócio-comunicativos” e a importância do uso do uso do vernáculo, tenha entendido como modelo de teatro público um que não é da sua tutela, tenha ido buscar o director desse para o impôr no D. Maria e tenha para todos os efeitos supervisado uma conjunção dos dois teatros, inclusive uma acumulação ilegal de cargos por Fragateiro. (...) Fragateiro e Vieira de Carvalho podem dar desculpas que o facto é óbvio: o primeiro demitiu-se do Trindade porque eu fiz menção expressa (e só por mim falo) do artigo 18º, 4, dos Estatutos do D. Maria, conforme o Decreto-Lei nº65/2004, de 23 de Março. “Na medida em que o director artístico constitui o elemento identificador nuclear do projecto artístico da TNDM, S. A., a sua actividade é exercida em regime de exclusividade”. E mais: ao secretário de Estado não basta vir argumentar com um parecer jurídico sobre a acumulação de cargos, note-se que só agora pedido, e que com base na lei dos gestores públicos 464/82, de 9 de Dezembro, foi para ele satisfatória, segundo disse ao PÚBLICO: "A tutela pode autorizar o gestor público a acumular em determinadas situações.". E não pode argumentar, porque não se trata apenas de uma questão de acumulação. O Teatro Nacional D, Maria é uma sociedade anónima e o mesmo art 18º, 4, só admite uma ressalva à exclusividade: “excepto no caso de projectos especiais que deverão ser objecto de autorização da assembleia geral.” Ora não houve nenhuma autorização conhecida, pelo que um accionista, o ministério da Cultura, através do secretário de Estado Mário Vieira de Carvalho, não só ocultou deliberadamente a conjugação dirigista dos dois teatros, como, salvo prova em contrário, desconhecida, enganou o outro accionista, o Ministério das Finanças. Eu escrevi e mantenho que o secretário de Estado da Cultura promoveu um golpe politico no D. Maria para o conjugar com o Trindade e, a partir daí, insinuar-se na rede de teatros, num propósito dirigista e no desrespeito das leis da República - e isto não me foi desmentido. (...) E mais mantenho: como é admissível que seja director de um teatro nacional quem, como Fragateiro, declara não gostar de ler teatro? Como é possível a pusilanimidade de declarar que “se o Teatro Nacional fosse só dirigido pelo José Manuel [Castanheira, o adjunto] isto era um desastre nas contas, se fosse só dirigido por mim era desastre na estética!”? É só um comissário político? E importava-me esclarecer é que de facto a pedra de toque é um Teatro de Trindade, um teatro público que nem sequer é tutelado pelo ministério da Cultura.(...) Um “pronunciamento público” é inaceitável, mais sendo Emmanuel Nunes a dizer que “o São Carlos mudará de política brevemente”. E mais ainda: é inadmissível saber assim que, extravasando a sua esfera de definição das políticas, é o Secretário de Estado Mário Vieira de Carvalho que supervisiona directamente o processo de uma ópera nova. E todavia só para para os incautos será surpresa. (..) A “fragatada” no Dona Maria foi apenas o começo da concentração programática e programada dos organismos artísticos no comissário geral Vieira de Carvalho. Na linguagem tecnocrática vigente, o Programa de Reestruturação da Administração Central do Estado, PRACE, deu-lhe o outro instrumento.(...) Como foi patente na entrevista de Vieira de Carvalho ao “DN”, a criação da Oparte, reunindo o São Carlos e a CNB, é mais outro passo para o que ele pormenoriza: o poder directamente em São Carlos. Desde apontar comparações com a Ópera de Paris, como se esta não tivesse dois teatros, e sobretudo como se ignorasse que um problema estrutural do São Carlos é a falta de sala de ensaios, até dizer que a Tetralogia em curso deverá ir ao Porto ao Coliseu (e por acaso já perguntou ao encenador se concorda, ou acha que Graham Vick é um serviçal?), que lá por ser zona de influência do favorito Jorge Vaz de Carvalho, não deixa de ser privado e fora das competências do ministério, nada falta para o golpe estar final: afastar um director artístico como Paolo Pinamonti para que o São Carlos seja finalmente conforme ao comissário geral, Mário Vieira de Carvalho. (...) Por coincidência, em 1981, houve no São Carlos o início de uma Tetralogia, com O Ouro e A Valquíria, e um Macbeth, ópera que voltará a ser apresentada nesta temporada, com alterações ao previsto já decorrentes dos cortes orçamentais. Logo depois chegou a malfadada “aliança FNAT/PCP”. Agora o mandato de Paolo Pinamonti termina no final deste mês e de novo se afiguram as conjugadas “maldições” de Alberich e de Macbeth, que há nibelungos sequiosos de poder à espreita, a “Lady” até sendo figurante, ocupada em variedades e delírios de museus, mas dando a cobertura ministerial.
4 comentários:
Caro João: seria de todo o interesse revelar o currículo vitae desta sinistra criatura, actual SEC, mal, muito mal convertido às virtudes da democracia ocidental, qual toupeira estalinista no seio do actual governo do PS. Parece que andou deslumbrado e por lá passou longas temporadas na ex-RDA fascinado com as virtudes do regime desta ex-república popular. Fonte bem informada também me revelou que ,nos idos anos 70 do PREC, foi um dos responsáveis pelo fim do Festival de Música da Gulbenkian prommovido pela saudosa Madalena Perdigão.Parece que o não menos saudoso Vitorino Nemésio também, naqueles tempos de censura férrea do PREC, foi vítima na TV ou no DN da censura do dito cujo alcunhado pelo visado de "insecto" dada a sua estatura física e intelectual.
Veja lá que outras "agradáveis" surpresas poderão surgir do aparente inofensivo secretário de estado da cultura.
Como sempre disse e repito: o vieira de carvalho é um frustrado, sequisoso de se vingar dos que não gosta, de exercer o Poder Absoluto em tudo o que puder, enfim, precisa de se Afirmar......coitado, diria que "um pobre diabo -pseudo-intelectual" que não olha a meios para atingir os seus tristes fins!!!1
É só disto que nos aparece a dirigir a Cultura deste país!!!!
Eu acho que isto é grave porque, como diz o João Gonçalves, é um sintoma. E de quê? Pois, precisamente da ocupação da Opera por parte dos estalinistas. Por acaso, acabei de passar por um blog que denuncia isso mesmo, mas de forma ainda mais clara: http://criticomusical.blogspot.com/2007/03/o-camarada-hermenutica.html. A tese é a seguinte e está bem vista: O Dammann é natural da ex RDA e até é lá formado, certo? E o Mário de Carvalho… need I say more? A primeira coisa que ele vai fazer (bom, a terceira, para não muito nas vistas) é acabar com o Wagner, dizendo que ele é nazi, e encomendar uma ópera a celebrar o caramada Honeker, à boa maneira das óperas da Coreia do Norte. É o que eu digo: tiram-nos o Paolo, como diz o Augusto M. Seabra, ficamos sem Pinamonti. É mesmo motivo para acrescentar: ai Jesus.
José Valquirio
Como se derrubou o muro de Berlim....vem este ignóbel secretário de estado da cultura erguê-lo no São Carlos!!!!
Criar um "ensemble" de cantores residentes.....2 produções em exibição em simultâneo....CNB dentro das instalações.....Não quererá construir a Sala 1, Sala 2, Sala 3 para exibição das "SUAS" produções fantoches????
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