21.3.07

DIAS SEM POESIA


Convencionou-se que hoje é o dia da poesia. É natural como o do avô, o da mãe, o do pai ou um iogurte. Qualquer traste em levitação vira poeta e corre seriamente o risco de, um dia, ganhar um prémio. Sou um devorador de poesia, mas a sério. Não nomeio ninguém para não aviltar a merecida vaidade de meia dúzia de vivos ou a honrada memória de uns tantos mortos. Nesta matéria "pragmatizei-me" há muitos anos. Hoje são-me praticamente indiferentes poetas que, noutros tempos, me martirizavam. E, a cada dia que passa, mais atenção dou à linha solta de um verso sem rosto do que à "obra completa" deste ou daquele. Os jornais e as capelas permitiram que se chamasse "poeta" a muito merdoso contemporâneo. Normalmente não são poetas. São amigos, amantes, conhecidos ou colegas na sala de professores que precisam "urgentemente" de derramar qualquer coisa que os amigos, amantes ou colegas fazem chegar a um bom porto. É quase uma necessidade fisiológica. Em Portugal, claro, tudo piora e muito do que se edita junta-se à mediocridade geral como "épica" possível de um quotidiano pseudo-democrático. A poesia, a verdadeira, não se gere como quem gere um condomínio privado. Não é poeta quem quer e que, como tal e sem vergonha, se afirma. São demasiados dias sem poesia para tanto "poeta".

11 comentários:

Anónimo disse...

Neste dia, a Primavera, a Prosa e a Poesia merecem esta referência :

http://cortenaaldeia.blogspot.com/

Anónimo disse...

E o dia daquilo que toda a gente esquece,
e que agora o olvido alastra ao seu próprio dia,
logo aquilo que sempre foi digna, desde sempre, da poesia,
a Árvore.
Eis uma nova forma do costumeiro hábito de maltratar árvores... esquecê-la no seu próprio conjunto de 24 horas!

Anónimo disse...

Não tem a ver com o dia da poesia, mas não li que tivesse feito qualquer comentário a um filme muito interessante em exibição no Saldanha Residence: "Diário de um Escândalo". Não sendo uma obra-prima do cinema, tem um desempenho extraordinário de Judi Dench (e, aliás, dos demais actores) e magnífica realização de Richard Eyre, a partir do livro "Notes on a Scandal" de Zoe Heller. Em resumo: uma professora jovem e casada que se apaixona e mantém relações sexuais com um aluno de 15 anos (mas já bastante maduro para a idade, como se diz no filme); se calhar até podia ser mais novo... nunca se sabe! E uma professora idosa e lésbica que se apaixona pela colega e tendo ocasionalmente conhecimento da ligação ao rapaz, passa a exercer chantagem para conseguir concretizar a relação que pretende estabelecer. Com uma britânica discrição de pormenores, mas onde consta o essencial, e o que não consta também lá está ainda que de forma não visível.

Um filme a não perder, especialmente por todos aqueles que têm da sexualidade adolescente uma ideia distorcida, hipócrita e que resulta muitas vezes de frustrações pessoais... À atenção dos legisladores, nacionais ou europeus ou outros estrangeiros, nomeadamente dos moralistas americanos que são aquilo que se sabe!

Luís Galego disse...

registo este post, muito interessante....

joshua disse...

É verdade, João, mas nota que se há, por um lado, o abuso consagratório do cânone nessas capelas, nesses viveiros privativos e paneleiros de poetas privativos e paneleiros vivos, ciosíssimos de quem favorecem, de quem chancelam e de quem condenam, esse circuito secreto e cão de luminárias vivas da poesia, acotovelando-se nos subterrâneos pedantes de serem minoritariamente lidos, há, por outro lado, quem impublicadamente escreva, como eu, porque sim, porque já e porque de qualquer maneira a coisa mana, quer eu queira, quer não queira.

De resto, em tempos, como este, mais uma vez minoritários em tudo, há também quem abuse do conceito de verdadeiro poema e verdadeiro poeta, quando a mutação do cânone, quando a consagração dele, já não depende de todo da palavra crítica, mas tantas vezes de um golpe de asa leitor, de um efeito de atracção gravítica exercido por uma psique colectiva pronta a rever-se inimaginavelmente nisto ou naquilo.

Disse para aqui algumas coisas que não entendo, mas estão ditas a ver se começo a entender e a aceitar a lei newtoniana também disto.

Abraço.

Anónimo disse...

Post brilhante.

Fica aqui o desafio para que não se esqueça de escrever um post no "dia da música".

Prevejo que seja de antologia.

Anónimo disse...

como e' que um amante da ARTE em geral, Famalicao cinema S. Carlos e agora um refinado apreciador de poesia, albertos herbertos cesarinis, etc etc jorra estes nacos de prosa delicada, bela, singela, humanista todos os dias?
sera' um hetero'nimo??

Anónimo disse...

Aurora boreal

Tenho quarenta janelas
nas paredes do meu quarto.
Sem vidros nem bambinelas
posso ver através delas
o mundo em que me reparto.
Por uma entra a luz do Sol,
por outra a luz do luar,
por outra a luz das estrelas
que andam no céu a rolar.
Por esta entra a Via Láctea
como um vapor de algodão,
por aquela a luz dos homens,
pela outra a escuridão.
Pela maior entra o espanto,
pela menor a certeza,
pela da frente a beleza
que inunda de canto a canto.
Pela quadrada entra a esperança
de quatro lados iguais,
quatro arestas, quatro vértices,
quatro pontos cardeais.
Pela redonda entra o sonho,
que as vigias são redondas,
e o sonho afaga e embala
à semelhança das ondas.
Por além entra a tristeza,
por aquela entra a saudade,
e o desejo, e a humildade,
e o silêncio, e a surpresa,
e o amor dos homens, e o tédio,
e o medo, e a melancolia,
e essa fome sem remédio
a que se chama poesia,
...................
António Gedeão

Anónimo disse...

A poesia está interdita a pessoas como você. Um intelectualóide presunçoso que só encontra poetas nos ricos e em filhos e nwtos de gente rica...

Anónimo disse...

Oh Anónimo anterior, quem é você para interditar seja o que for a quem quer que seja? Já olhou para dentro de si? Talvez posssa começar por si próprio a interditar-se!!!

Aladdin Sane disse...

Se o Fernando Mendes deixasse o "Preço-certo-em-quintais" e fosse para a RTP-nível-médio-de-audiência-2, diria, ao ver a imagem deste post: "Ai que bonito! Tanta poesia no Stendhal!"