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Vítor Gaspar, 30.9.11
«Somos poucos mas vale a pena construir cidades e morrer de pé.» Ruy Cinatti joaogoncalv@gmail.com
«Perto dos 70 anos, no fim de um Verão em que Portugal deu de si um espectáculo triste, é a altura de perguntar o que a minha geração, que chegou à idade adulta com o "25 de Abril", fez da famosa liberdade tão esperada durante Salazar e Caetano. Para começar, e de acordo com alguns militares sem letras, tentou tudo para a suprimir. Com poucas excepções assistiu calada, ou mesmo se juntou, à louca procissão do PREC, em nome de uma doutrina que não percebia e de uma sociedade em que nunca aceitaria viver. Esta demissão e esta vergonha ficaram para sempre. A ausência do que tinha sido o movimento estudantil entre 1960 e 1974 no Governo e nos partidos entregou o poder a uma série de arrivistas, que não o tornaram a largar. Quem se perdera pelo grotesco labirinto da esquerda bem pensante por uns tempos desapareceu. O "cavaquismo", aliás, dispensava um pessoal democrático e até a política. Um vago resto do PS sobrevivia (bastante mal) à volta de Soares, que se conseguira eleger Presidente da República, e o que sobrava, disperso e desmoralizado, caíra numa absoluta irrelevância. Muita gente (de esquerda e de direita) emigrou, às vezes definitivamente, para a vida privada ou para a máxima sinecura da "Europa". O "novo" Portugal acabou por nascer e crescer à revelia da minha geração: no Estado, nos partidos, na sociedade. Não era o Portugal que tínhamos querido, nem sequer um Portugal de que pudéssemos gostar. A "história" passara por nós, confusamente, deixando uma prosperidade duvidosa e uma desordem íntima e eufórica, que nos repelia e a que, de qualquer maneira, não pertencíamos. O que veio a seguir - Guterres, Barroso, Santana - não melhorou as coisas. Fora dos partidos não havia nada e ninguém aos 50 ou 60 anos se iria meter na guerra sectária em que eles se gastavam. A posição "decente", e quase unânime, estava em não se meter nessa trapalhada, fosse sob que pretexto fosse. Até porque, no intervalo, uma invasão de oportunistas, com mais força e muitíssimo mais zelo, tapava a boca e o caminho ao mínimo sinal de responsabilidade ou de inteligência. O regime de Sócrates não emergiu por acaso; emergiu desta terra já bem preparada para a corrupção e o arbítrio. Nessa altura, a minha geração só servia para propósitos decorativos. Via e lamentava o desastre que se ia preparando. Mas raramente lhe ocorreu que ela própria também era culpada.»
Vasco Pulido Valente, Público
«Medina Carreira, uma das pessoas que hoje vale a pena ouvir em Portugal, anunciou na TVI a decadência económica do Ocidente (ou seja, da Europa e da América). A decadência do Ocidente tem sido anunciada muitas vezes, mas Medina Carreira foi inquietante. O retrato de um velho mundo, que progressivamente produz menos, gasta mais e, ainda por cima, se endividou sem peso nem medida para conforto e sossego de uma população indiferente, não é reconfortante e não autoriza uma visão muito optimista do futuro. Quando se olham as coisas de longe, os pequenos problemas portugueses parecem, como de resto são, parte de uma mudança histórica radical e fica o sentimento de que nada nos poupará a uma catástrofe inevitável e merecida. Não vale a pena discutir, ou "explicar", os números de Medina Carreira. Vale a pena pensar se, além dos números, não há outros sintomas das desgraças que ele nos profetiza. O colapso do império soviético mudou um equilíbrio de 30 anos. Verdade que esse equilíbrio assentava no condomínio quase universal da América e da URSS. De qualquer maneira, a Guerra Fria, embora com um ou outro sobressalto, e milhões de vítimas "passivas", permitiu o estabelecimento de uma certa "ordem" e uma previsibilidade, que não existia desde o fim do século XVIII. A Inglaterra desaparecera como potência hegemónica e, excepto pela aventura napoleónica, a França também. A Alemanha, do princípio agressiva, tinha ambições para que não tinha meios. Quanto à Rússia, a fraqueza interna não lhe permitia uma intervenção externa decisiva. E a América, como se constatou, persistiu, de facto, no seu isolacionismo até 1941. Restava o "concerto das nações", como se dizia, um jogo frágil, sempre em risco de acabar mal, se um dos parceiros resolvesse não respeitar as regras. A situação de hoje, a que se chama "globalização", é uma espécie de regresso ao "concerto das nações". Na ausência de um "centro" e de uma autoridade indiscutível (como, por exemplo, a América e a URSS, cada uma na sua "esfera"), o mundo está dividido em potências de vário porte e alcance, que tentam adquirir vantagens próprias, sem forma de restrição ou responsabilidade global. A Europa, com união ou sem união, deixou de contar. A América, crescentemente mais débil, tenta dissolver com mansidão o seu antigo papel de polícia ideológico e militar de uma democracia imaginária. Longe da sua velha superioridade, e da sua velha arrogância, o Ocidente, que se refugiou em palavras, está em decadência. Politicamente, em decadência. »
«Não haja dúvidas de que aquilo que se verificou nas contas públicas da Madeira é reprovável. Vale no entanto a pena perguntar se é muito diferente do que se faz no país em geral. No essencial, o que o Governo regional fez foi gastar sem orçamentar. Mas, vendo bem, o que significa então a sistemática suborçamentação do Serviço Nacional de Saúde? No início de todos os anos é-lhe atribuído um orçamento. No final, esse orçamento é ultrapassado em muito, tendo de ser coberto com receita futura. O que representam as Parcerias Público-Privadas senão gastos não orçamentados que terão de ser pagos depois? O que é a miríade de empresas públicas e fundações cujo único propósito é desorçamentar, isto é, retirar gastos do orçamento agora, reaparecendo mais tarde sob outras formas? Acresce que Alberto João Jardim governou como toda a gente governou em Portugal: grandes projectos, muitas estradas e despesa social - a Madeira tem bons serviços de Educação e Saúde. Este pau que bate na Madeira é, afinal, muito carunchoso.»
«Cada día convivimos más con el ruido de fondo de crisis económicas, invasiones de países árabes, sorpresas de grandes gigantes farmacéuticos, reclamos de la industria del automóvil, tortugas Ninja, crímenes horrendos, pavorosos terremotos devastadores, bolsas europeas que caen y caen y vuelven a caer, episodios de estupidez humana transmitidos día tras día como si fueran una serie televisiva sin guionista. En semejante ambiente nuestra agitada vida de víctimas de lo mediático nos recuerda a un fragmento irónico de El caballero inexistente de Italo Calvino: “Debéis disculpar: somos muchachas del campo (...) fuera de funciones religiosas, triduos, novenas, trabajos en el campo, trillas, vendimias, fustigaciones de siervos, incestos, incendios, ahorcamientos, invasiones de ejércitos, saqueos, violaciones, pestilencias, no hemos visto nada.”