8.9.11

UM ACERVO DE LUGARES-COMUNS EM ENORMES BLOCOS DE GESSOO

O governo só leva para aí uns oitenta dias de vida (depois de mais de uma década estarola) e já há quem queira dar "marteladas". O desígnio começou a semana passada com a expressão "martelo pilão" usada por Pacheco Pereira na patusca Quadratura do Círculo. Continua hoje na crónica de Manuel Maria Carrilho no DN e, no PSD, não faltaram antigos dirigentes que não foram apreciados pelo sufrágio popular (alguns nem sequer tiveram tempo de o conhecer ou têm medo dele) a usar, noutros termos, a refererida "martelada". Ora eu, de marteladas retóricas, só gosto daquelas a que alude Nabokov no posfácio de Lolita. Podem, a contrario, aplicar-se a estas eminências (e Deus sabe como estimo profundamente algumas delas) que, por vezes, parecem obras de ficção tidas por indemnes. «Quanto a mim, uma obra de ficção só existe se me consegue proporcionar aquilo a que chamo sem rodeios o gozo estético, isto é, uma sensação de estar, de certo modo e algures, ligado a outros estados de ser em que a arte (curiosidade, ternura, generosidade, êxtase) é a norma. Não há muitos livros desses. Tudo o mais é um acervo de lugares-comuns ou aquilo a que alguns chamam "literatura de ideias", a qual não passa muitas vezes de um acervo de lugares-comuns em enormes blocos de gesso, cuidadosamente transmitidos de século para século, até que aparece alguém com um martelo e dá uma boa martelada a Balzac, a Gorki ou a Mann.»

7 comentários:

Justiniano disse...

Belíssimo texto, caro J. Gonçalves!! Sem dúvida!

Anónimo disse...

O martelo-pilão do Dr. Pacheco é apenas um chorrilho de lamentações e uma ventilação do seu estado de alma. Para um ‘historiador/sociólogo/politólogo’, tão lúcido como ele é, espanta. Aponta verdades e a lógica é – de um modo geral – escorreita; mas dá-se ao luxo de omitir ou de ignorar algumas coisas (também se pode tratar de desconhecimento puro). Chega ao ponto de recuar ao tempo de “Sr. Presidente do Conselho Prof. Salazar” – evocando a magreza de recursos e a modéstia dos tempos de então. Ele teme de facto isso: ou seja, que tenhamos MESMO de viver ao nível das nossas posses e recursos. É a insatisfação infantil (teimosa, caprichosa) de alguém que perante a relidade insiste em a negar. Pacheco tem de entender, de uma vez por todas, que Portugal está tristemente ao nível da Bulgária, da Roménia, da Macedónia e de países similares. Os mesmos países que não têm NADA de particular que os mercados, os outros países, as outras economias necessitem – que só eles possam produzir e comercializar: não temos minérios em quantidade suficiente, não temos petróleo, não temos gás explorável, não temos borracha, madeira de boa qualidade, não temos trigo, milho, cevada, centeio, não temos vegetais, arroz e legumes suficientes para abastecer as nossas necessidades; sobretudo, não temos indústrias pesadas rentáveis, não temos tecnologia de ponta em franca expansão, não temos investigação que dê frutos no mercado internacional, não temos ‘prémios Nobel’ naquilo que interessa (as ciências); a lista é aterradora e quase infindável. Somos apenas dotados de boas praias e de algumas boas mesas. Não chega. Deixemos de lado o Dr. Salazar (faleceu em 1970 e foi exonerado por Tomás em 1968…): o que fizeram os revolucionários depois da revolução de 74? Aumentar os salários brutalmente, ao mesmo tempo que as receitas desapareciam. O que aconteceu com a independência das colónias? Perda de investimento estrangeiro e de algum comércio ainda vantajoso com o Ultramar. O que resultou das nacionalizações e da marxização do País? Fuga de capitais e entrada num circo grotesco e longo de guerras ideológicas que protelaram a normalização da sociedade portuguesa. O que fizeram TODOS os governos constitucionais desde 76 para cá? Perderam - quando ainda podiam influenciar dentro da Lei essas questões - todas as hipóteses de transferências de tocnologia e de implantação de indústrias estratégicas, modernas e de ponta que nos colocassem a caminho de progresso real e de parcerias internacionais: defesa, comunicações, materiais de alta tecnologia, etc (outras nações não perderam esse comboio, mesmo com processos penosos de democratização e de ‘descomunização’). Ou seja: valemos o que valemos; e para vivermos ao nível confortável que o Dr. Pacheco tanto almeja, só tendo alguém que nos sustente incondicional e eternamente. Ora ‘isso’ já não existe. O rítmo mais ou menos acelerado ou brutal do ajustamento é pouco importante; o que é importante é saber se vamos poder crescer, inovar, produzir, criar riqueza (verdadeira) num futuro próximo. Sem isso toda a conversa é estéril. Pacheco – e todos os outros – não sabem como resolver este problema, e clamar por um rítmo mais suave sem se saber se ele é possível ou benéfico não adianta. E a questão não está em saber “se merecemos” isto ou aquilo, se queremos viver melhor ou pior, se somos simpáticos e ‘fixes’ ou não; está em saber se temos dinheiro honesto, nosso, suado. O “merecimento” não para aqui chamado. Tudo isto, literatura à parte.

Ass.: Besta Imunda

Anónimo disse...

Pois, Nabokov e tal... Quanto a isso dos "dirigentes que não foram apreciados pelo sufrágio popular": e você foi?

Anónimo disse...

sim, leram nabokov, russo ressabiado e conservador estalinista; nunca mais foram capazes de fazer uma constatação por vossa conta e risco e ainda alegam ter uma estrutura intelectual própria, em vez de admitirem apenas a papagaíce.

MINA disse...

PARA A BESTA IMUNDA:

Reportando-me ao seu comentário das 12:50 PM devo dizer que se a Bulgária, a Roménia e a Macedónia não têm NADA que interesse aos mercados (e não tenho a certeza) têm sem dúvida um riquíssimo passado cultural que os ditos mercados fariam bem em aproveitar. Eu sei que aos mercados só interessa o vil metal. Não conseguem vislumbrar para lá dele. Azar o deles.

Mas espero sinceramente que os ditos mercados morram sufocados sob uma chuva de moedas como o imperador Heliogábalo morreu soterrado sob um tecto de flores.

Embora possa por ora não parecer, há mais vida para além dos mercados, dos bancos e do euro.

o tal leitor disse...

Para o comentador das 5:19: Sem dúvida que os passados culturais são muito interessantes,mas o passado cultural da Grécia não a impediu de ser "comida" por Roma,nem Roma de ser "comida" pelos bárbaros. E porquê? Porque os conquistadores tinham mais poder e força. Neste caso,os mercados dispõem do poder e da força do dinheiro que nos podem emprestar ou não,e sem o qual não podemos comer a sopa e acender a luz. A "Besta Imunda",de quem frequntemente discordo,tem neste caso imensa razão. O país não se adaptou ao modelo económico prevalecente na Europa,vivendo de empréstimos e acima das suas possibilidades. Isto tem sido dito e repetido,mas parece que não se interiorizou,nem se tiraram as devidas conclusões,qua a "Besta"(cujo pseudónomo já há muito devia ser alterado)) bem resume. Não sei se este governo terá a visão e a capacidade para dar a volta à situação,que já tem pelo menos um século. Aguardemos.

Anónimo disse...

http://infames-e-infomes.blogs.sapo.pt/