«A RTP1 fez no domingo mais uma "gala". Chamou-se Amigos para Sempre. Foi mais ou menos assim: num ecrã gigante passavam bocadinhos, já vistos cinco mil vezes, de artistas e actores, dos anos 50 até ao passado recente; na sala, a plateia aplaudia os artistas nestes pedacinhos; um artista ou personalidade entrava em palco e recordava maravilhosos momentos e qualidades dos artistas ou actores mostrados no ecrã gigante; a plateia aplaudia a homenagem dos presentes aos passados; as intervenções eram entremeadas e interactivadas por duas grandes figuras da RTP actual, o apresentador de concursos e talk shows José Carlos Malato e a apresentadora de talk shows e concursos Sónia Araújo; cada um elogiava o outro; houve efusões de cloreto de sódio de uma ou outra lágrima furtiva. E assim começou e assim acabou a "gala". A "gala" intentava fazer a ponte das "novas gerações" para as antigas. Grupos de jovens na plateia, coitados, fizeram de cenário humano aplaudente. O programa exibiu a concepção de cultura vigente na RTP1. Só existe quem passou pela RTP, em programas ou em filmes canónicos dos anos dourados da comédia no tempo da ditadura. O mundo cultural, popular ou não, exterior a este paradigma cultural da RTP ficou oculto. A cultura RTP1 começa em João Villaret e acaba em Mariza. Tem os seus máximos expoentes nuns cinco segundos, de uma peça de teatro de hora e meia, em que Palmira Bastos diz que morre de pé, como as árvores, noutros tantos segundos de Villaret declamando/cantando "tocam os sinos na torre da igreja", Amália num fado, Ivone Silva num quadro de revista. Não vai mais longe do que onde chega a memória mais singela de qualquer pessoa que visse televisão nas últimas décadas. Sempre o mesmo modelo de cultura popular. Veio de Itália nos anos 60 para a RTP - e o modelo RAI vinga até hoje. Trouxe-o Luís Andrade, realizador que foi mais de uma vez director de Programas da RTP1, pai de Hugo Andrade, o actual director de Programas da RTP1, pai de Serenela Andrade, apresentadora da RTP, pai de Ricardo Andrade, responsável do canal RTP Memória, e irmão de Francisco Andrade, que foi também realizador da RTP. A "gala" convocou os jovens de hoje para uma evocação sem sentido, fora de contexto e sem qualquer substância, embrulhando-a num vazio absoluto, mais Malato do que Amélia Rey Colaço, mais Sónia Araújo do que Mário Viegas. Pelo palco do Tivoli passaram, como vultos, pessoas amáveis, uma ou outra comunicando em directo com o reino dos mortos congelados por trás de si no ecrã gigante. Eunice Muñoz, percebendo a natureza profunda da "gala", disse que em breve ela mesma juntar-se-á aos homenageados evocados a preto e branco. Ela sabe que haverá uma "gala". Um dos convocados a recordar os falecidos foi António Pedro Vasconcelos, cineasta e agora ex-comentador num desses programas de "serviço público" em que falam ou gritam adeptos de três dos clubes de futebol portugueses. Vasconcelos aproveitou o momento em que recordou Milu para defender a RTP contra "a privatização", a RTP que, disse, faz "galas" maravilhosas como aquela. Dias depois, o mesmo Vasconcelos anunciou que deixava o programa Trio de Ataque (RTPN), onde altos valores de "serviço público" ao seu clube o levaram a insultar o representante de outro clube, Rui Moreira, que abandonou de imediato e ao vivo o programa. Razões que adiantou para sair? Não quer que o acusem de defender o "tacho", agora que se prepara para uma cruzada nas ruas em defesa da RTP, EP, ameaçada de "privatização". Promete, se necessário, qual Martim Moniz, lançar as suas secas carnes e altura imensa para impedir que os mouros fechem o portão da RTP! Ora, antecipando-se ao Governo, que anunciou a privatização da concessão de um canal (e não da RTP), quem faz uns ameaços de fechar a RTP1 são as audiências. A "gala" em que Vasconcelos já anunciava o seu automartírio teve um share de 14,0%, num dia que foi para a RTP1 o segundo pior do ano. Em Setembro, a RTP1 está com a menor audiência do ano. O modelo Andrade & Andrade vai de "gala" em "gala" até ao dia em que terá mesmo um grande "galo".»
Eduardo Cintra Torres, Público
8 comentários:
ECT absolutamente brilhante, se é que 'brilhante' admite uma maior gradação.
Ass.: Besta Imunda
Até parece uma média empresa familiar. Privada, pois então !
"Trouxe-o Luís Andrade, realizador que foi mais de uma vez director de Programas da RTP1, pai de Hugo Andrade, o actual director de Programas da RTP1, pai de Serenela Andrade, apresentadora da RTP, pai de Ricardo Andrade, responsável do canal RTP Memória, e irmão de Francisco Andrade, que foi também realizador da RTP."
Mr Anónimo,
parece estar a desfiar a composição da Administração Governamental da Madeira.
Estamos a ser injustos com a RTP, um dos nossos sectores do 1º Mundo.
A média salarial da corporação familiar, justifica-o plenamente:
40 mil Euros/Ano.
Para média, não está mal.
Uma pequena corte de Ali Babá.
Quando é que isto deixa de ser um conjunto de pequenas coutadas familiares, políticas, "culturais", "educativas"? Herculano tinha razão: "dá vontade de morrer!"
Tanto quanto sei Luis Andrade reformou-se mas manteve-se como intocável nos quadros da RTP como, sei lá, consultor?
Não privatizar a RTP por completo vai ser a maior derrota deste Governo.
Genial este texto. Isto é tudo uma choldra ignóbil!
Ontem deixei aqui um comentário que,como outros,não viu a luz do dia,coisa que atribuo à dificuldade exigida por este blog para se poder entrar?
dezembro 58 o reitor da Igreja de Sto António em Roma arranjou-me um quarto na vialle Ippocrate em casa do Sr Celli.
fora deixado vago por Luís Andrade que então estudava canto.
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