Há esta cena admirável em Love Streams, de John Cassavetes, um filme de 1984. Gena Rowlands - na vida a mulher de Cassavetes, no filme, a irmã, na verdade, uma grande actriz - entra num departamento qualquer (uma seguradora? o IRS?) com uma criança (a filha? o sobrinho?) para resolver qualquer coisa. Não chega ao que pretende. Deita-se no chão do escritório, em protesto pela vida que está a passar por cima dela, como se nada mais a perturbasse, indiferente ao movimento burocrático à volta, com a criança (a filha? o sobrinho?) a "puxar" por ela. Existe um "ponto" na nossa vida - aquele imperceptível quando a impotência pode mais do que a vontade - em que é isto mesmo que apetece fazer. Ficar apenas no chão e deixar que tudo nos passe literalmente por cima como, na realidade, acaba sempre por passar.
3 comentários:
o socialismo, doutrina castradora, capou os portugueses
fez deles eunucos
passam o tempo no chão a servir de capachos
PQP
radical livre
Ou comoaqui?
Por mais que tente não consigo compreender a maioria dos portugueses. Protestam, protestam, mas não actuam.
Em 1970 tive de me deslocar às instalações de uma caixa de previdência, que existia na Alameda. Chegado lá encontrei uma sala protegida por um balcão no qual assentava uma estrutura de vidro que se erguia até ao tecto.
Do balcão tinha-se uma visão ampla da sala.
Havia nela um número grande de secretárias, com igual número de mulheres, todas viradas para o mesmo lado, como numa sala de aula. E em posição contrária, como acontece à dos professores, estava outra secretária com a respectiva mulher. Esta falava, assunto de serviço ou privado não o posso dizer, com outra que estava de pé.
Notei que uma das funcionárias estava a retocar os lábios, talvez por causa do beijo de despedida do marido ou do namorado. Outra comia um bolo. Quando cheguei ninguém se mexeu, nem mesmo a que se encontrava mais próximo e que olhou bem para mim quando entrei.
Esperei uns segundos. Verificando que estavam a fazer de mim parvo, puxei uma moeda do bolso e com ela fiz vibrar fortemente o vidro.
O ruído feito provocou alvoroço, inclusivamente na pseudo professora. A funcionária que me viu chegar resolveu perguntar o que queria. Disse-lhe que queria ser atendido. Resposta dela: mas o Snr. ainda agora chegou. Pois é, cheguei agora mas é para ser atendido já. E fui atendido de imediato.
Noutra ocasião, tive de tratar de um assunto na Conservatória do Registo Predial de Sesimbra.
Chegado lá vi o seguinte panorama: Uma mulher a ser atendida por uma funcionária, outra mulher à espera de ser atendida e duas funcionárias, fora das respectivas secretárias, cada uma sentada na sua cadeira, uma em frente à outra,
a tagarelar.
Como se impunha, perguntei à mulher que esperava se já tinha sido atendida. Disse-me que ainda ninguém a atendera. Perante esta resposta impus às funcionárias que nos viessem atender. Uma das cabras perguntou: Tem ficha?
Perguntei à mulher que entrara antes de mim se tinha ficha. Ficou atónita. Foi então que vi num sítio, não muito visível, um aparelho de senhas de vez.
Aconselhei a mulher a não ter medo em chamar a atenção dos funcionários sempre que fosse preciso. Que utilizasse sempre linguagem que não magoasse e que impusesse a sua vontade de ser atendida, porque as funcionárias eram suas empregadas; era ela e todos nós quem lhes paga.
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