INTRODUÇÃO AO ESTUDO DO DESENCANTO-uma sociedade com pés de barro
Arderam as casas, a vegetação e os animais perante o olhar impotente de poderes públicos, centrais e autárquicos. A subsistência de muitas famílias mais desamparadas ficou comprometida. Ruiram pontes e abriram buracos gigantescos em sítios onde a natureza foi contrariada pelo betão e pela estupidez humana. As auto-estradas, um suposto paradigma de segurança, matam diariamente e os automobilistas tontos matam-se ingloriamente nelas. Em quase todas as regiões do País foi erguido um estádio de futebol para a vã glória de um evento de três ou quatro semanas, em 2004. Pelo contrário, continuou a degradação do património, com livros raros a apodrecerem, com as bibliotecas desvalidas, com os museus sem recursos, com os teatros moribundos, tudo aparentemente à espera de que chegue à "cultura" o milagreiro modelo da "gestão empresarial societária", tão em voga e tão inteiramente pago pelo mesmo orçamento de Estado. Só uma sociedade culta pode ser verdadeiramente livre, exigente e sofisticada. Porém, por detrás de cada casa incendiada, de cada buraco aberto, de cada ponte caída, de cada auto-estrada assassina, esconde-se uma miséria profunda, a oficial e a dos costumes. O brilho de um sucesso pífio, exibido lá fora para consumo das estatísticas, oculta uma sociedade de pés-de-barro, profundamente indigente e atrasada, onde as "estruturas" e os "equipamentos sociais" falham constantemente, a "massa crítica" não existe e a frivolidade bronca é campeã. A incredulidade geral, a descrença e a falta de confiança não se afogam em champanhe nem com doze passas. Que não subsistam ilusões. O País embotado que vai procurar adormecer entorpecido mais logo, para acordar ilusoriamente numa "vida nova", será o mesmo quando o sol de 2004 abrir. Até amanhã.
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