O VERDADEIRO DÉFICE
Na edição de 8 de Dezembro do jornal Público, vinha uma "sondagem" sobre os hábitos culturais dos portugueses, particularmente desde o Verão. Ficou-se a saber que mais de metade dos inquiridos não tinha lido um livro, um pobre dum livro, desde os idos do calor. Perguntava-se também se tinham ido ao cinema, ou a qualquer outro espectáculo de música ou dança, e as respostas foram invariavelmente desoladoras. Em termos de avaliação da "política cultural" do Governo, a coisa não melhora por comparação com a prestação socialista, e apenas 10% dos inquiridos se comprazem com o Dr. Roseta e com o Dr. Amaral Lopes. Estes dados estiveram em debate, à noite, na RTP, num programa onde se discutia o "estado da cultura". Do que disse Pedro Roseta, ficam em arquivo dois momentos. Um primeiro, no qual o Ministro da Cultura justificou a sua quase invisibilidade política com o argumento de que o importante não é o mensageiro, mas antes a mensagem. E a mensagem - dizia ele - é para ser captada no longo prazo, que ele não é homem para repentes e rupturas drásticas. Foi assim que Roseta consagrou, pelas suas próprias palavras, a apoteose do vazio que é a "política" dita "cultural" deste Governo, duplamente desprovida de "mensagem" e de "mensageiro". Num segundo momento, e confrontado com a séria hipótese de a colecção de arte contemporânea de Joe Berardo ir parar além fronteiras, uma vez que por cá anda encaixotada e sem espaço próprio para estar exposta como devia, percebeu-se que Roseta não tinha a mínima ideia do que fazer com a situação. Quando olho para os dados da sondagem que referi, quando ouço o Ministro da Cultura do meu País e finalmente quando penso neste episódio com a importante e única colecção Berardo, não posso deixar de me sentir inquieto e frustrado. Inquieto, pela displicência negligente com que o português médio encara o fenómeno dito "cultural" que, em qualquer canto civilizado deste mundo, é considerado um bem de primeira necessidade. E frustrado por ver que os poderes públicos, ora impotentes, ora ignorantes - categoria onde não cabe o Dr. Pedro Roseta, o que torna a questão mais grave -, se resignam a aceitar a "cultura" como o "resto" a que, sem qualquer tipo de sofisticação, não dão qualquer importância. É a flor na lapela de que falava Carrilho, ou um bom lenço no bolso do casaco apenas, um ornamento mais na moda. Mergulhados até ao pescoço nas desventuras da "contabilidade nacional", esquecemos que este "resto que é tudo" constitui, na verdade, o nosso verdadeiro défice.
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