O DOUTOR JIVAGO
Boris Pasternak, o autor de O Doutor Jivago
Nas minhas divagações nocturnas pelos infinitos canais de televisão, a maior parte dos quais sem qualquer interesse, seja qual for o ponto do globo de onde emite, sucedeu-me ir parar a um que apenas passa cinema, sem legendas. Estava em emissão O Doutor Jivago, de David Lean. Lembro-me dos cartazes gigantescos que o anunciavam em reprises sucessivas, nos extintos Monumental e Império. Faziam então furor a música de fundo e o enlace amoroso pouco ortodoxo, protagonizado por Omar Sharif e Julie Christie, o Yuri e a Lara do livro de Boris Pasternak. Contudo, O Doutor Jivago é mais do que isso. É um trágico "fresco" acerca dos equívocos dolorosos sempre gerados nos grandes períodos de transição. Neste caso, entre o fim do período czarista e o triunfo da revolução bolchevique. O livro é muito duro na caracterização da "revolução" e da despersonalização que a acompanhou. Como diz um personagem a dada altura, a Revolução acabou com a ideia de vida pessoal. Pasternak pagou cara a sua ousadia literária no mundo de trevas instalado por Estaline. Quando se apercebeu da natureza desse mundo e esse mundo se deu conta da escrita "introspectiva"e da poesia de Pasternak, dedicou-se à tradução. Só em 1957 vem a escrever O Doutor Jivago que era claramente impublicável na Rússia estalinista. Conseguiu passar o manuscrito para Itália, à sucapa, e só quase 30 anos após a sua morte é que pôde ser editado na então URSS. Em 1958, Pasternak foi forçado pelo regime a renunciar ao Prémio Nobel da Literatura desse ano, que lhe tinha sido atribuído. No seu pathos, O Doutor Jivago permanece como um dos grandes "romances" do século XX, constituindo um olhar profundo, imaginativo e complexo sobre a realidade emergente da Revolução de Outubro, nas suas contradições e na repercussão destas nos seus principais protagonistas.
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